Desde o dia 7 de outubro que o meu grande desafio tem sido explicar às pessoas que o que aconteceu neste dia, em Israel, não foi mais um round do conflito israelo-palestiniano a que estão habituadas. Tratou-se de uma tragédia incomensurável, do maior número de judeus assassinados desde o Holocausto, no recesso dos seus lares. Mataram as nossas crianças nos seus lugares seguros, os nossos jovens num festival de música. Atacaram-nos onde vivemos, acertaram-nos no coração.
Voltei agora de uma visita a Israel e fiquei surpreendido com a indelével união que se sente no país. Estamos unidos numa imensa dor, sim, mas também na determinação em devolver a segurança ao nosso povo.
O sentimento generalizado é o de que estamos a travar uma guerra justa e necessária e se é verdade que continuamos a discutir entre nós o melhor meio de o fazer, há uma quase unanimidade quanto aos objetivos do atual governo: trazer os reféns para casa e derrotar o Hamas.
Há, neste momento, 129 pessoas mantidas em cativeiro em Gaza.
A guerra com o Hamas irá continuar até que todos os reféns regressem a casa. Este é o clima que se vive na rua israelita porque, ao passo que o resto do mundo seguiu em frente, o tempo, em Israel, parou a 7 de outubro.
O Hamas tem de ser erradicado para a segurança do povo israelita, palestiniano e para que ambos tenhamos um futuro incontornavelmente conjunto.
Não é possível relativizar as atrocidades patentes nos vídeos e fotografias orgulhosamente postados nas redes sociais, em tempo real, pelos terroristas nos ataques de 7 de outubro.
Parte de mim deseja que todos vejam essas imagens a que Israel tem de regressar todos os dias para que entendam, finalmente, do que se trata.
O 7 de outubro foi de tal forma disruptivo que sentimos que estamos a lutar, novamente, pela pátria, pela nossa casa, pelas nossas vidas.
Revisito, constante e involuntariamente, os relatos de sobreviventes e dos reféns entretanto libertados.
Como é que se aprende a viver depois do horror, da selvajaria?
Como é que se volta à normalidade que enche os bares, teatros e cinemas depois disto?
Ao mesmo tempo que o povo israelita está a passar pela situação mais extrema que já viveu depois da Shoá sente que as organizações internacionais o abandonaram. Esta sensação de isolamento foi sublinhada pela forma silenciosa como as Nações Unidas, nomeadamente a ONU Mulheres e o movimento feminista internacional reagiram à violação e ao abuso sexual de mulheres durante o massacre: um silêncio ensurdecedor.
Também a resposta da extrema-esquerda ao que aconteceu, que retrata o Hamas como um grupo de resistência e não como aquilo que é – uma organização terrorista –, e o aumento brutal do antissemitismo em todo o mundo têm perturbado muito a opinião pública israelita.
Há uma demissão das vozes e do esforço internacional capazes de transmitir aos israelitas que a sua segurança é importante.
Tivemos de lançar-nos ao trabalho: criaram-se organizações de voluntários para lidar com as necessidades mais prementes de uma sociedade traumatizada. Isto (também) é Israel. Adaptamo-nos rapidamente às situações ao invés de cairmos no desespero. Unimo-nos e lutamos para resolver o que quer que seja. Em Israel nunca foi suficiente ter esperança, sempre tivemos de ser ativos. Posso dar 2 exemplos:
O Brothers in Arms (Irmãos de Armas) foi um grupo criado para organizar protestos de reservistas contra as reformas judiciais. No próprio dia 7 de Outubro, logo depois do ataque, o grupo organizou o transporte de 8.000 reservistas aos seus postos de combate, renomeou-se para Brothers and Sisters for Israel (Irmãos e Irmãs por Israel) e lançou uma operação gigantesca para fornecer roupas, produtos de higiene pessoal, utensílios domésticos, brinquedos para as crianças e outros confortos às dezenas de milhares de israelitas deslocados.
O Fórum das Famílias de Reféns e Pessoas Desaparecidas é outra das organizações composta integralmente por voluntários (médicos, académicos, advogados e jornalistas) que prestam apoio às famílias, fornecendo ajuda médica e terapêutica, mas também fazendo campanhas para manter os reféns sempre na primeira página das notícias.
Um dos seus projectos consiste na preparação de provas para a acusação, no Tribunal Penal Internacional, de membros do Hamas pela tomada de reféns.
Israel continua e continuará. Construímos um país com os fantasmas do Holocausto e agora vamos regressar ao quotidiano, ainda que com os corações destroçados, com a promessa de trazermos todos para casa e devolvermos a paz ao nosso povo.
Que ninguém se iluda. Israel vai aprender com os erros cometidos, vai corrigi-los e florescerá outra vez – mais rápido do que se possa imaginar.
É esse o espírito de Israel.
Embaixador de Israel em Portugal