Vários fatores de estilo de vida podem aumentar o risco de demência de início precoce, de acordo com um novo estudo. A demência de início jovem ou precoce ocorre quando as pessoas desenvolvem sintomas de demência antes dos 65 anos. Uma nova pesquisa, publicada no mês passado na JAMA Neurology, identificou 15 fatores de risco principais que podem aumentar o risco de desenvolver esta condição. Entre os fatores de risco modificáveis e/ou evitáveis estão a hipotensão ortostática (queda da tensão arterial ao levantar-se da posição sentada ou deitada), depressão e transtorno por uso de álcool. Outros fatores de risco são difíceis ou impossíveis de modificar, incluindo a herança de duas cópias do gene da apolipoproteína E, alelo ε4 (APOE4).
O novo estudo acompanhou mais de 350 mil pessoas com menos de 65 anos no UK Biobank, um grande banco de dados biomédico, para obter informações sobre os riscos da demência precoce. Depois de analisar uma ampla gama de fatores, desde influências genéticas a fatores ambientais, os investigadores foram capazes de identificar fatores-chave que aumentam o risco de uma pessoa ter demência de início jovem. “Todos esses fatores aumentam o risco de demência, pois todos levam aos mesmos mecanismos fundamentais que, em última análise, ameaçam o cérebro”, disse David Perlmutter, neurologista certificado, ao site Health. “Esses mecanismos incluem inflamação [e] aumento da atividade de substâncias químicas prejudiciais chamadas radicais livres”, explicou. Talvez o mais importante seja que todos esses fatores ameaçam o metabolismo cerebral, sublinhou Perlmutter. Isso significa que esses fatores afetam a forma como o cérebro pode usar a glicose para alimentar as suas células.
“A demência, e especificamente a Alzheimer, são consequência de um metabolismo cerebral comprometido”, afirmou. As conclusões deste estudo fornecem aos prestadores de cuidados de saúde mais informações sobre como prevenir a demência de início jovem – que afeta centenas de milhares de pessoas todos os anos. A Associação de Alzheimer norte-americana estima que entre 220.000 e 640.000 pessoas são diagnosticadas com Alzheimer de início precoce ou demência relacionada nos EUA a cada ano. Este tipo de demência tende a ser mais agressivo do que a demência que ocorre mais tarde na vida, disse ao Health Arman Fesharaki-Zadeh, neurologista comportamental, neuropsiquiatra e professor assistente de psiquiatria e neurologia na Escola de Medicina de Yale. Por esta razão, abordar precocemente os fatores de risco modificáveis deve tornar-se uma prioridade máxima.
Fesharaki-Zadeh explicou que há uma boa probabilidade de alguém reduzir substancialmente o risco de demência de início precoce – bem como de demência de início tardio – se abordar estes 15 fatores de risco. “Os autores citam o relatório de 2020 da Comissão Lancet sobre Prevenção da Demência, que apoiou a afirmação de que a eliminação de fatores de risco modificáveis, como fatores de risco metabólicos, poderia reduzir a probabilidade de demência”, frisou. Dos 39 fatores de risco analisados, a equipa de investigação identificou 15 fatores-chave que elevam substancialmente o risco de demência de início jovem: educação formal inferior; status socioeconómico mais baixo; duas cópias do gene APOE4; transtorno por uso de álcool; isolamento social; deficiência de vitamina D; altos níveis de proteína C reativa; menor força de preensão manual; abstinência de álcool; deficiência auditiva; diabetes; doença cardíaca; depressão; hipotensão ortostática e AVC.
“Como estamos a observar distúrbios metabólicos como a diabetes a afetar pessoas cada vez mais jovens – e vemos como este problema metabólico é ameaçador para o cérebro – não é surpreendente saber que a demência está a ocorrer em pessoas mais jovens”, disse Perlmutter. Além do mais, os fatores delineados pelos investigadores partilham um certo grau de interdependência, explicou Fesharaki-Zadeh. “Por exemplo, um indivíduo com transtorno por uso de álcool tem maior probabilidade de ter desnutrição comórbida e deficiência de vitaminas, fragilidade, perda de força muscular, bem como doenças neuropsiquiátricas, como depressão. Esses indivíduos também são mais propensos a ter distúrbios metabólicos comórbidos, incluindo hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e acidente vascular cerebral. Da mesma forma, é provável que esses indivíduos tenham níveis mais elevados de proteína C reativa devido a um estado mais pró-inflamatório. Também podem autoisolar-se devido a uma depressão subjacente, levando, por sua vez, ao transtorno por uso de álcool como estratégia comportamental de enfrentamento”.
Estes padrões comportamentais acabariam por levar a uma série de condições médicas crónicas, incluindo hipertensão, diabetes, bem como acidente vascular cerebral, explicou Fesharaki-Zadeh. Quanto aos fatores de risco não modificáveis, como ter duas cópias do gene APOE4, Fesharaki-Zadeh informou o Health de que cerca de 25% da população tem pelo menos uma cópia do gene. “Indivíduos com APOE têm um risco bem estabelecido de desenvolver a doença de Alzheimer. Mais especificamente, se um indivíduo tiver uma cópia do APOE4 tem três vezes mais probabilidade de desenvolver a doença de Alzheimer e, com duas cópias do APOE4, o risco pode aumentar para 12 vezes mais probabilidade”.
Como o nosso jornal noticiou em 2020, Portugal está entre os países europeus onde a população diagnosticada com demências mais vai aumentar nas próximas décadas. Um então novo relatório da Alzheimer Europe traça novas projeções até 2050 e estima que o país na altura terá mais do dobro dos casos, mesmo com a população a diminuir neste período. Dentro de três décadas serão perto de 347 mil doentes, com a incidência a passar de 1,88% para 3,82% da população. O envelhecimento acelerado da população portuguesa explica o cenário: o risco de demência aumenta com a idade e entre 2018 e 2050 o número de portugueses com mais de 85 anos vai duplicar. Portugal já é hoje dos países europeus com mais casos, só atrás de Itália e Grécia. Em 2050, será ultrapassado pela Espanha, mas os quatro países terão uma realidade social muito mais complexa e uma incidência destas doenças cada vez mais afastada da média europeia, que na altura deverá rondar os 3,24% da população. Em Itália, já terá passado a barreira dos 4%.