Sabemos que entre o trigo e o joio, o jornalista escolhe o joio e deita fora o trigo; que o jornalismo é cada vez menos o quatro poder e que dorme cada vez mais no quarto com o poder; que não se conhecem jornalistas que tenham ficado sem a carteira profissional por má prática; que os funestos patrões dos media já não querem notícias, mas dinheiro e lucro.
Perdeu-se memória e contexto. Perdeu-se o que Eça dizia ser uma das funções do noticiarista – velar pelo poder interior da pátria, pelo progresso dos espíritos e pelo respeito do direito, do trabalho e da família.
Nos media, os seniores foram atirados borda fora porque os patrões os consideraram velhos, caros e difíceis de dobrar. Porque valiam dentro das redações o crédito que os públicos lhes reconheciam lá fora. E eram eles quem orientava os mais novos no exercício da profissão e batiam o pé a quem os queria desviar da ética e da deontologia.
Agora, o jornalista já não quer agradar aos seus públicos, mas aos seus chefes – e os chefes querem agradar aos seus administradores e patrões. E o repórter já não vai ao fim da rua, muito menos ao fim do mundo, como dizia Emídio Rangel e a, quase já saudosa, TSF. Porque não há dinheiro, o repórter está transformado em rato de redação à espera de que lhe atirem pedaços de queijo já mastigados pelas fontes que mais parecem verdadeiros fontanários.
E todos os dias tem de haver uma polémica para encher as noites com os tudologistas do costume. Nas televisões há mais comentário e análise do que notícias – elas representam-se mais a si próprias do que à exigência de uma informação que devia servir o cidadão. Diariamente somos confrontados com narrativas de interpretação que reduzem quem as ouve a consumidores passivos. Há um jornalismo assente na culpa e na condenação prévia.
Cinco milhões de portugueses interpretam diariamente o país e os seus políticos pelo que vêm e ouvem nas quatro televisões. Ora, se poucos portugueses conhecem pessoalmente Luís Montenegro ou Pedro Nuno Santos, por que razão 93% não os consideram honestos nas suas vidas pessoais? Porque o disseram, ou sugeriram, na Televisão.
García Márquez escrevia sobre o jornalismo-zumbido, Oscar Wilde dissertava sobre o jornalismo que oferecia a opinião dos deseducados; e Alexandre Coslei enunciava o deboche como virtude do asno que se imaginava um puro-sangue. Sim, enquanto zumbirmos nos moderados e ouvirmos os saturados, arremessamos os portugueses para o rebanho dos falsos pastores que levam as ovelhas para a boca dos lobos.
O efeito já contagiou muitos dos repórteres e apresentadores que passam o tempo à procura do bitaite do dia para os comentaristas que lançam as cartas à noite: ‘E se isto e se aquilo?’ ‘E se ganhar este e se ganhar aquele?’ ‘E se perder demite-se?’ ‘E faz coligação assim ou coligação assado?’.
Então, caros ‘camaradas’, será assim tão difícil? Vá lá, vocês conseguem perguntas menos básicas, com menos juízos morais e mais sobre as propostas que eles têm para o país. E se não souberem como se faz, perguntem ao José Rodrigues dos Santos (RTP), à Manuela Moura Guedes (ex-TVI) ou ao José Manuel Mestre (SIC) que eles ensinam-vos.