‘Os seminaristas têm psicólogos para discutir a sexualidade’

O reitor do Seminário dos Olivais é o responsável pelos futuros padres de Lisboa, Fátima, Santarém, Funchal, Aveiro, Portalegre e Castelo Branco, e admite que ‘nalgumas dioceses, o número de ordenações tem vindo a diminuir drasticamente’.

Hoje há muito menos candidatos a padres do que havia na década de 60?

Na Europa? Sim. Em termos mundiais, não. Em Portugal, globalmente, está a diminuir, em algumas dioceses está estável, noutras bastante mais diminuído. Nos últimos 20, 30 anos temos tido o número de ordenações, em Lisboa, mais ou menos estável entre os dois e os cinco por ano. Claro que não corresponde às necessidades, porque há muitos padres mais idosos a falecer, mas a proporção entre padres novos e padres mais idosos tem vindo até a reordenar-se em Lisboa, devido a haver um grupo de padres novos a chegar. Agora, noutras dioceses, sim, tem vindo a diminuir drasticamente o número de ordenações.

Fala-se muito no caso emblemático de Leiria-Fátima.

Leiria-Fátima, por exemplo, só tem um seminarista neste momento e já teve mais. Quando vieram para aqui, em 2010, tinham um grupinho de quatro.

Os padres de Leiria-Fátima formam-se aqui?

No Seminário dos Olivais formam-se, além da diocese de Lisboa, as dioceses de Santarém e Funchal, já desde há muitos anos, e desde 2010/2011, também as dioceses de Leiria-Fátima, Aveiro e Portalegre-Castelo Branco, além de alguns seminaristas de algumas dioceses estrangeiras, como são os casos de Cabo Verde, São Tomé e duas dioceses da Índia, Cochim e Trivandrum.

Há menos padres hoje porque há menos pobreza?

Não associaria só a isso. Não nego que nos anos 50, 60 era uma forma de continuarem os estudos e por isso muitos iam para os seminários, e depois acabavam por sair sem serem ordenados, mas também é verdade que alguns vinham e era aí que acabavam por se abrir à possibilidade da vocação e acolher um chamamento ao sacerdócio. Houve alguns que entraram no seminário sem ser por razões vocacionais específicas, mas depois ganharam-nas e encontraram aí razões vocacionais. Acho que há, de facto, uma questão de fé. As questões do sentido da vida e as questões da fé como resposta para um sentido da vida mais global, e não apenas uma busca de paz interior, alteraram-se. Hoje em dia as pessoas não são menos religiosas, mas a religião é menos estruturante da unidade da vida. É mais uma dimensão da vida, de busca de alguma paz, de algum conforto, de alguma sintonia com o mundo, com o universo, com os outros, mas não estruturante de uma configuração de vida e de um estado de vida.

Antigamente entrava-se para o seminário ainda criança. Hoje em dia isso não acontece?

Com essas idades, não. Em Portugal, não há nenhum seminário que receba jovens com menos de 14 anos. Antigamente era no fim da quarta classe que entravam, com nove anos.

E hoje ainda é em regime de internato?

A escola não. A parte escolar, académica, é feita fora do seminário, num externato ou numa escola do Estado. Depois têm um complemento de formação que acontece na vida da comunidade, e isso é que distingue o seminário dos pré-seminários ou dos seminários em família. São formas de acompanhamento das mesmas idades, só que nos pré-seminários e nos seminários em família eles continuam a residir com as suas famílias, nos seus ambientes, e vêm uma vez por mês ao seminário. Nos seminários ditos menores, mas que de facto são já para os jovens do ensino secundário, na sua maioria, eles residem na comunidade e ao fim de semana vão às famílias. Isto é: vão à escola durante a semana, e depois residem no seminário, onde têm todo um complemento de formação espiritual, de formação humana, de formação cristã, do alargamento da descoberta do que é a Igreja para lá da sua experiência pessoal de Igreja e, às vezes, até um horizonte de mundo e de formação cultural, que nos seus ambientes têm mais ou menos.

Há muitas desistências no pré-seminário?

Sim, mas a própria Igreja tem noção de que está a formar numa fase a que se está a tentar dar uma solidificação de motivações de fé e vocacionais. É numa fase muito embrionária, onde isso depois pode evoluir, não necessariamente para uma consagração sacerdotal, mas para outras formas de serviço. A Igreja não vê isso propriamente como desistência, porque tem consciência de que a entrada num seminário menor não é a certeza de que se vá ser padre. É a certeza de que se quer aprender a construir a vida a partir da fé e da escuta do que Deus quer, da vontade de Deus. Se isso depois confirmar alguma vocação para ser padre, ótimo.

Por que razão um candidato, que assumirá o celibato, é ordenado diácono permanente e não prossegue para o sacerdócio?

Na maioria das situações, da parte dos candidatos, porque o apelo experimentado é para consagrarem a vida ao serviço da Igreja nas funções do ministério (a pregação, algumas celebrações, coordenação de grupos), mas não para deixarem tudo (e partirem para qualquer comunidade cristã da diocese), nomeadamente muito do que ao longo dos anos foram estruturando: trabalho e carreira profissional, participações associativas, autonomia e modo de vida, casa e modo de relações familiares estabelecido (da família de origem), etc. Da parte dos responsáveis da formação, é também determinante a verificação da existência no candidato de traços de personalidade e de modos de relação estruturados que favoreçam a continuidade da sua presença em meios onde já esteja, nomeadamente o profissional, social, económico, académico, da saúde, da cultura, da família, onde o diácono mantém o acesso de modo próprio, ao contrário dos sacerdotes, cuja presença, quando possível e salvo alguma exceção, é apenas ao modo pastoral ou de assistente espiritual. Depois temos a outra condição diaconal, de ser diácono permanente, que pode acontecer com homens já casados. Estes candidatos, já profissionalizados e na sua maioria casados, não são formados no seminário.

E agora há a grande questão das diaconisas.

É uma questão que a Igreja continua à procura de perceber o que foi que existiu no início. É inegável que houve ministérios no feminino, é inegável que as mulheres assumiram responsabilidades na Igreja, mas não é seguro que esse tipo de ministério fosse um ministério igual àquilo que veio a ser depois os ministérios ordenados. O que os teólogos estão a ver é se isso alguma vez foi compreendido e assumido pela Igreja como um ministério ordenado, e agora a única coisa que é preciso é restaurar, adaptado aos tempos de hoje, ou se isso nunca foi um ministério ordenado e, portanto, se é possível hoje conceder o ministério diaconal ordenado às senhoras e como é que isso depois se coaduna com a unidade do ministério ordenado.

Qual a razão para ter alguns seminaristas estrangeiros?

Nós temos seminaristas de dioceses dos países africanos de expressão de língua oficial portuguesa que, por facilidade de língua, não tendo faculdades de teologia nos seus países, precisam de enviar os seminaristas para outras dioceses. É o caso das dioceses de Santiago e Mindelo, de Cabo Verde; e como Angola deixou de poder receber os de São Tomé, estes passaram a vir para Portugal. As duas dioceses da Índia, a de Cochim foi a primeira, começou a propósito da celebração dos 500 anos do padroado português. O patriarca de Lisboa foi convidado a ir às celebrações, e, nessa altura, o bispo de Cochim pediu se, de vez em quando, poderia enviar um padre e um seminarista para virem fazer formação a Portugal e aprenderem a língua portuguesa, uma vez que há muitos registos no arquivo diocesano em língua portuguesa. E os padres que sabem português estão a falecer, estão com 80, 90 anos, e foi por interesse de manter viva a língua portuguesa entre o clero de Cochim. Têm vindo, de vez em quando, dois seminaristas de Cochim. A diocese de Lisboa oferece a formação, e eles oferecem os primeiros anos de ministério à diocese de Lisboa, numa lógica também missionária. Fomos nós como missionários para a Índia, agora vêm eles como missionários para a Europa e depois, em princípio, voltarão à sua diocese, passados cinco, seis anos.

Quantos seminaristas estão no seminário dos Olivais?

Começámos 55, mas neste momento só há 51, quatro já seguiram outros caminhos.

Consegue descrever o que é o dia-a-dia de um seminarista?

Começamos com a oração em comum, chamamos oração de louvor, oração de Laudes, louvor dos Salmos, em comum, juntos na capela, pelas 07h10. Depois saem para a Católica, vão para o campus universitário da Católica, onde têm as aulas e regressam para almoçar. O almoço é uma das atividades comunitárias. Nós não reduzimos as atividades comunitárias às orações. A vida em comum, o podermos estar à mesa juntos, conversar, dialogar, debater, discutir, partilhar é um momento importante da formação, da estruturação da relação comunitária.

E que aulas têm na Católica?

Estudam Teologia e Filosofia, entre várias disciplinas e algumas de ciências humanas. E as aulas incluem línguas clássicas, por causa dos textos originais em latim, grego, hebraico.

Também estudam hebraico?

Só um semestre para ter uma compreensão da cultura. Depois à tarde têm uma gestão pessoal do tempo, em que têm que inserir os trabalhos pessoais, leituras diversas, coisas de que não vieram muito habituados a fazer em casa e é preciso investir nessa matéria. Nos primeiros anos o estudo está muito ligado também a áreas da formação humana, da antropologia cristã, da antropologia da vocação, das questões da afetividade e da sexualidade.

Com os escândalos sexuais ligados à Igreja que tipos de aulas ligadas à sexualidade é que têm?

Gostava de insistir que o seminário tem procurado responder a essa realidade muito antes do relatório e dos estudos que se fizeram sobre os abusos sexuais na Igreja. Desde os anos 2000, digamos assim, tem havido uma tentativa de capacitar os formadores nesta área, seja em ações de formação pontual e individual, seja para os formadores do país.

E quem são os formadores?

A presença de psicólogos e até de psicoterapeutas no acompanhamento dos seminaristas tem vindo a ser progressiva, há uma experiência, por exemplo, aqui no Seminário dos Olivais, com uma psicóloga específica, já desde há mais de 20 anos, e não é só fazer os testes de personalidade à entrada, para compreender um bocadinho os traços de personalidade, mas significa depois mesmo acompanhamento psicoterapêutico de alguns nas situações em que vale a pena aprofundar a compreensão e o trabalho de algumas áreas da personalidade. Isto não significa que haja doença ou que haja perversão. Significa ajudar as pessoas a compreender, a ter uma inteligência emocional, saber lidar com as suas emoções, com os seus afetos, saber viver crises, saber superar crises, saber viver relações de liberdade e superar as relações de dependências. Saber lidar com questões de autoestima, saber lidar com a relação inter pares, rapazes e raparigas, relações de autoridade, seja quando se exerce a autoridade, seja quando se articula com alguém que é a autoridade em relação a nós. Todas estas relações são trabalhadas no foro interno e externo, no acompanhamento pessoal, seja pelo diretor espiritual, seja pelos outros padres formadores, seja por outros fiéis ou até colaboradores, técnicos na área da psicologia. Também temos algumas ações de formação específica, por exemplo, nestas questões dos sistemas de proteção e cuidado, de aprender a saber estar, seja no reconhecimento de situações de risco, seja no evitar situações de risco, etc. E temos tido pessoas na área do direito, na área da implementação destes sistemas de proteção e cuidado que têm vindo pontualmente falar e fazer formação aos seminaristas; e também na área da antropologia, da vocação e da antropologia da sexualidade.

Diria que a maioria das pessoas acredita que os seminaristas estão aqui fechados o tempo todo, sem qualquer contacto com o exterior. Eles têm aulas na Católica onde não faltam mulheres…

E não só. Eles têm o propedêutico. É uma etapa prévia à entrada no Seminário Maior, que é para quem já vem da universidade ou já está a trabalhar, vem do ensino secundário nas famílias ou no Seminário Menor: todos fazem um ano de, como hei de dizer, comunidade entre os diferentes. Esta lógica de que estamos todos afunilados numa única maneira de pensar é exatamente o contrário do que é uma comunidade de seminário. O seminário, a começar pelo propedêutico, concentra gente de vários sítios, com culturas diversas, até de vários países, várias formas de sentir e de viver a Igreja. Seja do ponto de vista social, com vários estratos sociais, de várias proveniências sociais, geográfico, que também é social, do interior ou do meio urbano, das grandes periferias urbanas, concentram-se todos aqui. Seja da própria perceção daquilo que hoje está muito em voga, de uma área mais conservadora, de uma área mais inovadora, de uma área mais ativista, de uma área mais intimista, de uma área mais de intervenção e transformação social, e da atenção à caridade e aos pobres, numa área mais de busca de uma densidade, de uma interioridade, de uma preocupação espiritual. Todos se encontram no propedêutico.

Voltemos ao dia-a-dia dos seminaristas. À tarde ficam aqui a estudar…

Não só a estudar, têm outras áreas de formação. Eles têm o propedêutico mais dois anos na primeira etapa vocacional ou discipulado. A partir do terceiro ano, quarto, quinto, sexto e estágio, nos casos em que têm estágios, eles já vão às paróquias, já têm presença pastoral em paróquias, normalmente ao fim de semana. Mas isso não anula que de vez em quando tenham uma ou outra noite que também vão a algum encontro com homens e mulheres, rapazes e raparigas, agentes de formação pastoral, jovens. Eles fazem essa gestão, as suas orações pessoais, a sua conversa com o diretor espiritual, os seus diálogos pessoais com os outros padres formadores, preparação de trabalhos pastorais, visitas culturais, saídas em curso ou individuais, aulas de formação musical, aulas de formação em algum instrumento musical.

Todos têm que passar por isso?


Depende das etapas em que estão. Numa primeira etapa, por exemplo, a formação musical é para todos. Numa segunda etapa, a formação coral ou um ensaio de coro é para os que quiserem. Por exemplo, à quarta feira, todos têm formação litúrgica. À sexta feira, os mais novos têm educação física, os mais velhos podem ir ou não. Todos têm reuniões por curso, mas com ritmos e temáticas diferentes. No primeiro ano, trabalham as dinâmicas do aprender a confiar em Deus e do ser filho. No segundo ano, do aprender as dinâmicas da fraternidade, da vida fraterna e das relações uns com os outros, de relações de fraternidade. No terceiro ano, do aprender a ser esposo e todas as dinâmicas antropológicas, filosóficas, pedagógicas em relação ao celibato. No quarto ano, do aprender a ser profeta e todas as dinâmicas do serviço e do anúncio da palavra.

O esposo entra aí porquê?

Por causa do celibato. Nós reconhecemos que o celibato não é uma recusa da esponsalidade que é inerente a todo o ser humano. É uma forma virginal de viver aquilo que chamamos a esponsalidade. É uma renúncia à forma conjugal de ser esposo, mas é o abraçar uma forma virginal e universal de ser esposo, onde eu amo e me entrego e sou amado e me ofereço no cuidado pela comunidade universal, que é a Igreja, que depois se concretiza nas comunidades onde vou, onde estou entregue, e onde aprendo também a cuidar dos outros como um pai cuida dos seus filhos, não numa dinâmica biológica de educação dos seus filhos biológicos, mas numa dinâmica de congregar os filhos de Deus numa família de famílias. Há aqui dinâmicas do que é aprender, a simetria ou a assimetria das relações, o imediato ou o não imediato das relações, o retorno ou a gratuidade das relações. Que tem que ver com o aprender a encontrar se este é o seu carisma. E não apenas se vou aguentar, que é uma coisa errada, se vou aguentar não ter mulher. Não, não se trata disso. É preciso descobrir se a minha maneira de amar, se a minha profundidade de relação de, até deixe-me dizer assim, de realização afetiva e sexuada, passa por esta forma de ser cuidador e por esta forma de ser, de me entregar e de deixar que cuidem de mim desta maneira, de centralidade em Deus e universalidade.

Não posso deixar de fazer uma pergunta para um milhão. Como resistem aos pecados da carne? Calculo que muitos neste processo acabem por desistir. Na universidade não há muitos que se apaixonam?

Já agora gostava de dizer que apaixonar-se não é um pecado da carne, mas apaixonar-se é uma coisa boa e é bom que eles possam até fazer essa prova. Para ser padre não é preciso ter-se apaixonado por alguma rapariga, mas quando isso acontece é um enriquecimento e um fortalecimento para aqueles que saem confirmados de que o caminho deles é para o sacerdócio. E para aqueles que saem confirmados que a vocação é para outros rumos também é um enriquecimento. Não é nenhum pecado apaixonar-se e por isso é que é muito importante que eles, seja na formação aqui nos seminários, seja nas conversas pessoais com os sacerdotes, seja nas conversas com os formadores que vêm de fora, seja até nas psicoterapias ou nos acompanhamentos psicológicos, possam aprender a compreender os sentimentos e a lidar com os sentimentos. E a perceber que uma paixão que surge, não é, logo à partida, má. Uma paixão é uma paixão. O importante é como é que se pega nela e a ordena, a orienta, a canaliza para quê. Já quanto aos pecados, bem, como é que se resiste aos pecados da carne? Como um solteiro, um jovem solteiro é chamado a resistir aos pecados da carne ou como um casado é chamado a resistir aos pecados da carne.

No processo sinodal está a discutir-se a possibilidade de os sacerdotes serem casados, algo que é permitido em alguns ritos fora do latino.

Sim, e é uma coisa que a Igreja tem que pensar porque tem que refletir e amadurecer. A ordenação de pessoas casadas no todo da Igreja e o processo sinodal é para a Igreja universal, no todo da Igreja, é uma coisa que a Igreja já tem, não na Igreja Latina. Temos de discutir se é um bem ou se é um empobrecimento no contexto atual.

Destes 51 alunos não estão todos no mesmo ano?

Nós temos neste momento, e se não me engano, seis no primeiro ano, dez no segundo, seis no terceiro, 12 no quarto, oito no quinto e nove no sexto ano.

Quando presidem à primeira missa?

Passados estes seis anos aqui, depois depende das dioceses, algumas ainda têm um tempo de estágio pastoral, onde eles já estão numa comunidade, mas ainda não são ordenados, e depois são ordenados diáconos e padres. Varia de diocese para diocese.

Disse que tem aqui pessoas de vários estratos sociais, de várias zonas do país. Será abusivo dizer que a maioria dos novos seminaristas são mais conservadores do que no passado? Isto é, porque vêm de classes sociais mais favorecidas.

Não creio que isso seja uma realidade maioritária. Existe, tem o seu peso, alguns de classes mais favorecidas e também de alguns movimentos que são considerados mais conservadores. A par de outros que não vêm desses movimentos, que continuam a vir de paróquias ou vêm de outros movimentos considerados menos conservadores. O que acontece, de facto, é que, às vezes, há mais atenção à procura de vocações sacerdotais em determinados ambientes eclesiais, ambientes da Igreja, e há outras realidades e outros movimentos que contêm o foco para outras realidades e outras formas, não cuidam de chamar de ser instrumento de Deus.

Como explica que em Lisboa, na única igreja que a missa é lida em latim, segundo o rito antigo, os fiéis são muito mais novos do que, por exemplo, na igreja de São Roque, dos jesuítas?

Mas é isso que é preciso entender neste fenómeno. Os jovens sentem hoje no mundo globalizado e no mundo ocidental uma certa insegurança, por um certo relativismo e um certo liberalismo. Ao mesmo tempo que eles reivindicam a liberdade, também se sentem em insegurança e procuram suprimir essa insegurança em formas mais regradas. E estas realidades antigas aparecem-lhes como resposta para as inseguranças que têm. Há nos setores mais conservadores alguma apetência para a questão da segurança, da fé estruturante de uma forma de viver, e por isso as questões vocacionais podem surgir com mais facilidade. Ainda assim, surgem com as dificuldades, muitas vezes, de realidades um bocadinho mais fortemente identitárias e, portanto, menos capazes de uma universalidade. O que acontece noutros ambientes, é que o foco está na participação, na transformação da realidade a partir do Evangelho pelos leigos e, por isso, há menor apetência para suscitar vocações ao ministério sacerdotal. Não quer dizer que não possam vir de lá. Mas como o foco está mais na valorização da intervenção, e bem, do papel dos leigos, as vocações, não aparecem tanto dali. Mas faz falta que apareçam também. E fazem falta duas coisas: que estes ambientes se valorizem mutuamente e não se antagonizem, e não achem que a sua perspetiva é mais fiel e a outra uma perspetiva que põe em risco a Igreja. Porque isso é que eu acho que é uma dificuldade que nós hoje temos, que é a dificuldade de valorizarmos realmente, que a sinodalidade não é caminharmos com os que pensam como nós, é caminharmos em conjunto na Igreja, com os que pensam como nós e com os que pensam diferente e com os que acentuam uma perspetiva e outra. Há muito caminho que é preciso fazer.