O futebol continua a ser um dos fenómenos sociais mais importantes da sociedade portuguesa, capaz de provocar reações difíceis de entender nos adeptos, cuja cultura desportiva gira à volta do “desporto-rei”. Em Portugal, vivemos realidade diferentes. Temos um dos melhores jogadores do mundo (Cristiano Ronaldo), temos um dos melhores treinadores do mundo (José Mourinho) e temos um dos mais importantes agentes do mundo (Jorge Mendes), mas o futebol a nível de clubes não sai da cepa torta, muito por culpa de dirigentes que não se recomendam e responsáveis por gestões danosas e de associações de classe que revelam um cooperativismo bacoco, vá lá saber-se porquê… Salva-se a seleção nacional, que fez o melhor apuramento de sempre para uma grande competição. A equipa de Roberto Martínez venceu os dez jogos da qualificação para o Campeonato da Europa da Alemanha, que se realiza entre 14 de junho e 14 de julho, e marcou 36 golos – foi a mais concretizadora entre 53 seleções. É verdade que os adversários eram modestos, mas tempos houve que mesmo com equipas de segundo plano Portugal fazia o impossível e não ganhava. Perante este desempenho e tendo um selecionador competente e “pé quente” – nunca perdeu um jogo nas fases de qualificação –, a equipa das quinas pode fazer um Europeu de grande nível.
O outro futebol
A realidade muda de figura quando analisamos o estado do futebol português a nível de clubes. A Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) é responsável por organizar três competições: Primeira Liga, Segunda Liga e Taça da Liga, onde competem 36 equipas profissionais. O Plano Estratégico para o período 2019-2023 não teve a devida aplicação e a visão e a estratégia anunciadas por Pedro Proença ficaram por cumprir. O quadriénio 2023-2027 contempla 142 medidas, resta saber quais vão sair do papel.
Segundo o portal Transfermarkt, a primeira liga disputada por 18 clubes/SAD está avaliada em 1,35 mil milhões de euros em 2023/24, mas há um fosso enorme entre os chamados grandes e os outros, que passam dificuldades extremas para suprir necessidades de curto prazo.
A primeira Liga continua a ser um assunto entre Benfica, Sporting e FC Porto, que venceram os três últimos campeonatos, mas a partir daí temos outra competição, como se depreende pelo orçamento dos clubes para esta época. Segundo o jornal Record, o orçamento total das 18 equipas é de 404 milhões de, euros, com o Benfica à cabeça com um orçamento de 115 milhões, seguido pelo FC Porto, com 90 milhões, e Sporting, com 65 milhões. Ou seja, mesmo entre os grandes há diferenças abissais. A partir daí, vivemos outra realidade, com 13 equipas a terem um orçamento de dez milhões de euros ou menos para a época, sendo que metade das 18 equipas apresentam um orçamento entre os 4,5 e os 5,5 milhões de euros. A mesma leitura para o valor de mercado atual, onde o plantel do Benfica está avaliado em 380,7 milhões de euros, o do Sporting em 307, 4 milhões e o do FC Porto em 268,1 milhões. Depois cava-se novo fosso para a equipa do Braga, que está avaliada em 133,5 milhões de euros.
O facto de os grandes clubes terem orçamentos “obscenos” e de possuírem os plantéis mais valiosos não garante títulos, mas dá-lhes mais argumentos no mercado de transferências e na preparação da época, e isso tem necessariamente implicações na competitividade do campeonato e explica a mediania e o fraco espetáculo a que se assiste em muitos estádios portugueses. Atualmente, o campeonato é disputado por 18 equipas, número equivalente às ligas alemã e francesa, e só a Inglaterra, Itália e Espanha têm 20 clubes. Todas as épocas verificamos que existem equipas que não têm qualidade para estar entre os grandes e que usam o antijogo para contrariar os adversários, pelo que o campeonato deveria ter menos equipas – eventualmente 16, como acontece na Bélgica – mas melhores equipas, sob pena o produto futebol continuar a empobrecer dentro e fora de portas. Quando o campeonato for mais competitivo, conseguir levar mais adeptos aos estádios e gerar receitas que, distribuídas de forma equitativa, permita às equipas segurar os seus principais talentos mais tempo, contratar com maior critério e ter mais sucesso desportivo, então, o futebol português está no bom caminho.
O jogo dos números
Perante este quadro, percebe-se que muitos dos estádios da primeira e segunda ligas estejam às moscas, e a tão desejada recuperação de espetadores não seja convincente. Tendo por comparação a temporada 2018/19 – a última antes da pandemia – houve uma diminuição significativa do número de espetadores nos estádios em 2022/23, a primeira sem quaisquer restrições motivadas pela covid-19. Nas 34 jornadas, o número total baixou de 3.577.720 para 3.555.937, ou seja, o futebol perdeu 21.783 espetadores. A Liga Portugal voltou a falhar no objetivo de trazer mais gente ao futebol e de atingir os 3,7 milhões de espetadores como estava inscrito no Plano de Atividades e Orçamento 2022-23. A Liga falhou também na projeção do número de espetadores da segunda liga e da Taça da Liga, que era de 380 mil adeptos nas duas competições, a realidade dos números foi muito diferente.
A assistência nos jogos em que não entram os chamados grandes é muito baixa. Benfica, FC Porto, Sporting, Braga e Guimarães têm feito um bom trabalho para levar as pessoas aos estádios, mas nos outros recintos a taxa de ocupação é reduzida. Há motivos que explicam este afastamento. Um deles é o elevado preço dos bilhetes, o adepto português é quem paga mais pelo futebol, quando comparado com o seu salário médio. A situação fica ainda mais difícil no caso das famílias, é preciso um orçamento suplementar para ir ao futebol. Ao fim de oito anos de mandato, Pedro Proença afirmou que a carga fiscal no futebol é injusta e referia-se, entre outros, ao IVA de 23% sobre os bilhetes, mas essa justificação não pega: o que está desalinhado com a realidade portuguesa é o preço base dos bilhetes e não o IVA. Tomando como exemplo a Premier League, a Football Association definiu que 35 euros é o preço máximo dos bilhetes para adeptos visitantes, em Portugal há clubes que cobram 75 euros. Pagar dezenas de euros para assistir a um jogo de futebol à chuva e ao frio em estádios ultrapassados, com acessos complicados e a horas pouco recomendáveis a dias de semana é que é uma injustiça.
O horário dos jogos é outro problema. A “ditadura” das transmissões televisivas impõe que se continue a fazer jogos às 20h15 em dias da semana, isso não promove o futebol e tira gente dos estádios. Na época passada, aumentou o número de jogos que começaram depois das 20h, quando deveria ter sido o contrário, e a Liga portuguesa foi a que teve maior percentagem (43%) de jogos noturnos no Top 20 da UEFA. Decididamente, não há respeito pelos adeptos, sobretudo dos clubes visitantes, que muitas vezes têm de fazer meio milhar de quilómetros e regressam a casa já de madrugada. Um mau exemplo foi o Portimonense-Chaves, disputado a uma sexta-feira, às 20h15. Obviamente que nenhum adepto flaviense fez a viagem de 695 quilómetros a um dia de semana.
Não há muitos campeonatos na Europa onde isso aconteça. Basta ver o que se passa com os clubes de menor dimensão em Inglaterra, que jogam em campos pequenos, mas que estão sempre cheios. Portugal está longe dos números apresentados por países que estão atrás no ranking da UEFA. Ainda segundo o Transfermarkt, houve um crescimento médio de 378 mil espetadores entre as épocas 2018/19 e 2022/23, e as exceções foram a Alemanha, Países Baixos e Portugal. A Liga portuguesa tem a pior taxa média de ocupação (50,8%) no Top 10 da UEFA, ficando atrás da Áustria (53,4%) e Bélgica (60.8%).