Longa maratona para a sobrevivência

Os atletas de elite que deixaram os seus países na sequência de guerras, violações de direitos humanos e perseguições vão competir nos Jogos Olímpicos Paris 2024. Entre os atletas refugiados que fazem parte do programa olímpico há um que vive em Portugal.

A escalada de conflitos a nível mundial fez com que mais de 114 milhões de pessoas tivessem sido deslocadas à força nos últimos anos. Esse número foi divulgado em setembro do ano passado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), para quem um refugiado é «alguém que foi forçado a fugir de seu país por causa de perseguição, guerra ou violência». No desporto também se vive essa realidade. Foi nesse sentido que surgiu, em 2015, uma equipa olímpica para proporcionar aos atletas de elite refugiados uma chance de se qualificarem para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos nas modalidades individuais. Esses atletas recebem um apoio financeiro anual que lhes permite viver no país de acolhimento e preparar o apuramento para as olimpíadas.

A equipa olímpica de refugiados é símbolo da luta e resistência de homens, mulheres e crianças e, ao mesmo tempo, um sinal de esperança para todos aqueles que são obrigados a deixar o seu país para sobreviver. O melhor exemplo talvez seja o das irmãs sírias Yusra e Sarah Mardini, que saltaram para a água e empurraram o bote onde estavam 18 pessoas (teve uma avaria de motor) durante três horas e meia no Mar Mediterrâneo para chegarem a Lesbos, na Grécia. Yusra é uma jovem promessa da natação e esteve nas olimpíadas de Tóquio 2021, onde venceu uma eliminatória nos 100 m mariposa.

Embora participe sob a bandeira do Comité Olímpico Internacional (COI), esta equipa tem uma bandeira própria, que foi idealizada por Yara Said. A artista e refugiada síria usou as cores laranja e preto dos coletes salva-vidas como símbolo de solidariedade para com aqueles que cruzam o mar à procura de um novo país: “Eu própria usava um, por isso identifico-me com essas cores”, disse Said.

A primeira equipa de refugiados participou nos Jogos Olímpicos do Rio 2016 com 12 atletas em três modalidades (atletismo, natação e judo). Em Tóquio 2021, estiveram presentes 29 atletas, sobretudo da Síria e Irão, mas também do Afeganistão, Sudão do Sul, Eritreia, Iraque, Camarões, Sudão, República Democrática do Congo e Venezuela, que competiram em 12 modalidades (atletismo, badminton, boxe, canoagem, ciclismo de estrada, judo, karaté, tiro, natação, taekwondo, levantamento de peso e luta-livre), e outros seis atletas paralímpicos.

Para Paris 2024, o COI distribuiu bolsas a 53 atletas refugiados. São oriundos de 12 países, praticam 13 modalidades e vivem em 23 países de acolhimento. A equipa olímpica vai ser a segunda a desfilar na cerimónia de abertura, logo a seguir à Grécia, e procura a primeira medalha olímpica. A afegã Masomah Ali Zada foi nomeada chefe da missão olímpica de refugiados. No Afeganistão, jogou voleibol e tentou fazer ciclismo. “O meu objetivo era popularizar o ciclismo entre as afegãs e ajudá-las a praticar sem ter medo, mas, infelizmente, a bicicleta é proibida para as mulheres. Há muita gente que considera que andar de bicicleta é impor outra cultura. Coloquei a minha vida em perigo e fui para França, onde vivo em segurança”, afirmou Ali Zada, que competiu nas provas de ciclismo de estrada nas olimpíadas de Tóquio como membro da equipa de refugiados. James Chiengjiek Nyang é outro exemplo de determinação e prepara-se para a sua terceira olimpíada. Nasceu no Sudão do Sul, o seu pai morreu na guerra civil e ele foi obrigado a fugir para evitar ser sequestrado pelos rebeldes que faziam recrutamento forçado de crianças-soldados. Viveu no campo de refugiados de Kakuma, no Quénia, e começou a treinar para corridas de longa distância, embora não tivesse ténis adequados. Participou nas duas anteriores olimpíadas na disciplina de 400 m e tenta um lugar em Paris 2024.

Glória olímpica

Há exemplos da integração de refugiados na sociedade portuguesa que por terem um percurso desportivo promissor receberam o apoio Comité Olímpico de Portugal (COP). “Os atletas têm de ter o estatuto de refugiado e o comité olímpico de cada país de acolhimento apresenta ao COI os atletas elegíveis. Depois, têm de trabalhar para conseguirem a qualificação, ninguém tem entrada direta nos jogos olímpicos”, disse-nos Maria Machado.

A responsável do COP pelo acompanhamento de atletas refugiados adiantou: “Os dois primeiros atletas que integraram uma equipa com vista à preparação olímpica foram apresentados por Portugal. Temos um projeto de integração de refugiados chamado ‘Viver o desporto, abraçar o futuro’ e foi possível identificar entre todos os que chegaram ao nosso país dois atletas com potencial”. Atualmente, há apenas um atleta em Portugal que está a ser apoiado. “Fazemos um acompanhamento de proximidade idêntico ao que têm os outros atletas que integram a missão olímpica, proporcionamos as mesmas condições de treinos e ajudamos na utilização da bolsa que é dada pela Solidariedade Olímpica”, explicou-nos.

Farid Walizadeh é o único refugiado com ligação a Portugal que está no programa olímpico. Os seus pais foram obrigados a fugir do Afeganistão por serem de etnia hazara e deixaram-no ao cuidado de um tio. Foi esse familiar que, quando tinha nove anos, o colocou num grupo de 200 pessoas que fugiu do país. Esses refugiados levaram dois anos para atravessar a pé o Paquistão, Irão e Turquia. Chegou a Portugal no final de 2012, quando tinha 15 anos, e está perfeitamente integrado na sociedade. Frequenta o terceiro ano do curso de arquitetura da Universidade Lusíada e tirou o curso de treinador de boxe. Depois de ter praticado kung-fu e taekwondo na Turquia aos dez anos, aprendeu a gostar de boxe em Lisboa. Trabalha diariamente na academia de Paulo Seco, em Alcântara, com vista aos Jogos Olímpicos Paris 2024 na categoria -57 kg, mas para se qualificar terá de ficar entre os quatro primeiros no campeonato Europa ou do Mundial.

O velocista Dorian Keletela foi outro atleta refugiado que passou por Portugal. Nasceu na República Democrática do Congo e chegou sozinho ao nosso país em maio de 2016, pois tinha perdido a família e os amigos na guerra do Congo. O jovem congolês começou a treinar no Sporting pela mão de Francis Obikwelu e esteve presente nos jogos de Tóquio onde competiu nos 100 metros e ganhou uma eliminatória. Decidiu abandonar o programa olímpico.