Num ano que será marcado por eleições, as atenções centraram-se primeiro em Taiwan. A eleição não ficou aquém das expectativas, e a previsão de uma disputa renhida concretizou-se. O Partido Democrático Progressista, pró-independência, levou a melhor sobre o Kuomintang, uma força mais próxima da China. Lai Ching-te, que até então era o vice-presidente, será o novo Presidente de Taiwan, vencendo as eleições com 40,1% dos votos e alargando assim o período do PDP no poder. Pequim admitiu utilizar «todos os meios necessários» para evitar a independência e caracterizou as eleições como sendo uma escolha entre a «guerra e a paz».
Taiwan tem sido o palco de um braço de ferro entre os Estados Unidos e a China, e o resultado das eleições – que têm sido consideradas uma vitória da democracia – pode conduzir ao aumento das tensões no estreito.
‘Uma só China’
Pequim tem abordado a situação de Taiwan através da máxima ‘Uma só China’, recusando conceder, e consequentemente reconhecer, a sua independência, tentando interferir o máximo possível para que o poder esteja concentrado em alguém alinhado com os interesses chineses e nunca negando a possibilidade do uso da força. É provável que o escudo norte-americano aliado às dificuldades geográficas e o relativo declínio económico da China sejam as grandes barreiras que têm travado uma invasão.
A reação chinesa, porém, não foi contundente nem agressiva, ficando limitada à deslegitimação do processo eleitoral. E mesmo que Lai tenha assumido um discurso pacifista, abrindo até a porta a uma eventual relação entre os governos, a elite política de Pequim certamente não terá ficado comovida e muito menos estará satisfeita. «Não queremos ser inimigos da China. Podemos tornar-nos amigos», disse o então vice-presidente em julho do ano passado.
Também a abordagem chinesa no Mar do Sul da China, que se tem revelado agressiva, torna a esfera de influência americana mais atrativa, levando países a adotar posições mais ocidentalizadas. Foi o caso das Filipinas, que recebeu um aviso chinês após congratular efusivamente as eleições em Taiwan: «Não brinquem com o fogo», segundo escreveu James Palmer num artigo recente para a Foreign Policy.
Os EUA, o equilíbrio e o compromisso com Taiwan
Os Estados Unidos são o aliado mais forte e importante de Taiwan, funcionando como contrapeso da superpotência rival. Recentemente, vários esforços diplomáticos têm sido desenvolvidos para aliviar as tensões entre Washington e Pequim, com o objetivo de relançar a cooperação bilateral perante uma realidade geopolítica perigosa e incerta. Uma guerra fria entre as duas potências seria intolerável num momento em que o mundo está mergulhado em conflitos, e a geometria variável do quadro internacional faria com que se pudesse passar a uma guerra quente de forma rápida. Foi provavelmente neste sentido que o Presidente americano, Joe Biden, mediu ao milímetro as palavras na sequência do processo eleitoral: «Não apoiamos a independência [de Taiwan]», afirmou, numa declaração alinhada com a política externa da Casa Branca das últimas quatro décadas. Os Estados Unidos mudaram o reconhecimento de Taipei para Pequim ainda em 1979, ainda que mantenham uma estreita relação com o governo autónomo taiwanês, funcionando como o maior garante de segurança da ilha.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, congratulou Lai e a democracia: «Congratulamos o Dr. Lai Ching-te pela vitória nas eleições presidenciais de Taiwan. Congratulamos também o povo de Taiwan por participar numas eleições livres e justas, demonstrando a força do seu sistema democrático».
Além dos interesses históricos e económicos (Taiwan detém cerca de 60% da produção mundial de microchips), a China teme que um triunfo do sistema democrático em Taiwan possa ser disruptivo, dando esperança ao povo chinês, que é levado a acreditar que uma democracia ocidentalizada seria impraticável – dadas as diferenças históricas e culturais – na China.