O centralismo é provinciano

Nenhum indivíduo ou comunidade ganha por passar a vida a dizer-se prejudicada apesar de ser melhor do que as outras todas.

Uma das características que mais me orgulha na minha cidade é, ao contrário do que acontece no Porto e Guimarães, por exemplo, termos a vantagem de não termos no rol das nossas principais causas e assuntos o bairrismo exacerbado.

Isto pode não soar bem. Mas também não tem de soar mal: os bracarenses amam a cidade, têm bem noção do seu valor e da sua história e não escolheriam, por certo, ter outro berço que não a nossa augusta senhora.

Não precisam é de estar sempre a dizê-lo. Não precisam de fazer do apelo à cidade o seu mote de vida. Não precisam de se estar sempre a comparar aos outros, de falar mal dos vizinhos. Preocupam-se a falar de si mesmos – que é coisa bem diferente -; não passam a vida a estabelecer comparações bacocas, na batuta do velho mito gaulês do «nós, pequeninos, contra os outros».

Há uns anos, Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre Braga, caracterizando-a, sobretudo, como uma cidade descomplexada. Dizia, na altura, que «Lisboa e Porto digladiam-se; confrontam-se; definem-se por oposição uma à outra» e que «Braga está-se nas tintas. Em Braga, ninguém está preocupado com a afirmação de Braga. Braga já era e Braga continua a ser». E eu acho que não há nada mais bonito para se dizer acerca de uma cidade.

Isto, para dizer que nunca fui especial admirador de bairrismos exacerbados – de provincianismos bacocos que não nos levam a lado nenhum.

Nenhum indivíduo ou comunidade ganha por passar a vida a dizer-se prejudicada apesar de ser melhor do que as outras todas. Mais do que um motor para o avanço, o bairrismo, por si, serve mais de travão do que de estímulo para o avanço do território que aparentemente se pretende proteger.

No entanto, também não consigo fechar os olhos ao óbvio. E o óbvio é que, em Portugal, apesar da triste e repetida conversa da coesão territorial – uma expressão que já causa náusea -, se continua a privilegiar Lisboa de forma absolutamente desproporcional.

É óbvio que Lisboa tem mais população. É também assente que é a capital e que tem necessidades particulares que mais nenhuma cidade tem. É óbvio, portanto, que seja natural que, quase sempre, ‘receba’ mais do que os outros. Não é óbvio, no entanto, que isso tenha de acontecer de forma tão assustadoramente desigual.

Foi notícia esta semana que, dos 437 milhões de euros do Orçamento do Estado destinados ao serviço público de transporte, mais de metade ficará no distrito de Lisboa.

Mais uma vez, e numa área tão cara às populações como é hoje a mobilidade, o Governo socialista ajuda na perpetuação deste estado de coisas. Sempre os mesmos a ganhar; sempre os mesmos a perder. Brutalmente.

A discriminação territorial é hoje uma certeza e é bom que os diversos partidos, na campanha eleitoral que se avizinha, se manifestem, de forma séria e, sobretudo, consequente, acerca desta ferida que vai corroendo (e não aos poucos!) o país.

E, voltando a Miguel Esteves Cardoso, não vou dizer que é «Braga que deveria mandar neste país». Mas era bom que quem manda, pelo menos, soubesse que há muito – tanto! – país para além de Lisboa.