Na Noruega, país onde já residi e que é um exemplo da social-democracia que os nossos maiores partidos dizem defender, os serviços públicos são exemplares, apesar de o Estado consumir menos de 40% da riqueza.
Em Portugal, o nosso Estado consome e captura uma proporção muito maior de riqueza. É claro que o PIB per capita norueguês é muito maior do que o nosso, mas isso também se reflete nos custos variáveis da mão de obra que impacta sobre os serviços públicos. Poderíamos exigir, face à proporção de riqueza consumida pelo Estado, um nível de serviços equivalente – algo que manifestamente não temos.
Na Noruega, há poucas escolas privadas. Proibidas até 2005, as que existem destinam-se quase só a expatriados. Em Portugal, a escola pública já mereceu a preferência da classe média, mas hoje só lá estudam os filhos dos que não podem pagar o ensino privado. Também na Noruega, só 9% dos cidadãos têm seguro de saúde. Em Portugal, em 20 anos, a percentagem aumentou de 14 para 40%.
Estes são sintomas de um Estado social a que só recorrem aqueles que não podem pagar outra opção. A classe média é onerada a dobrar: sustenta o Estado social com os seus impostos, mas sente necessidade de pagar um adicional para poder recorrer a alternativas privadas.
Temos um Estado social escandinavo no custo, embora terceiro-mundista na qualidade da oferta, que já não serve os que a ele têm de recorrer por necessidade e que sucumbiria se, porventura, aqueles que o pagam e que desistiram de o usar a ele resolvessem recorrer.
É ridículo, por isso, o discurso esquerdista que desvaloriza o contributo do setor privado, em particular na saúde.
A prazo, ou deixamos de ter classe média – e isso será o fim do Estado social – ou esta não tolerará pagar por um modelo meramente assistencialista, que não lhe serve.
Se queremos salvar esse ganho civilizacional, exijamos, pois, que funcione bem e para todos. Mas precisamos, claro, de criar mais riqueza, porque não conheço um único país pobre que consiga garantir um Estado social. Enquanto não conseguirmos gerar mais recursos, enquanto o país continuar estagnado em grande parte pelo sobrepeso do Estado na economia, necessitamos de uma cultura de exigência na gestão do que temos. Do que ainda temos. Se o problema são os respeitáveis direitos adquiridos de alguns, é necessário que esses direitos especiais e as consequentes benesses não coartem os nossos direitos gerais.
Não podemos sustentar um Estado adiposo e redundante, que consome os recursos que deviam ser redistribuídos no combate às desigualdades. Um Estado onde abundam instrumentos inúteis, onde subsistem serviços que nada servem e reguladores que nada regulam, onde existem serviços intermédios que criam burocracia para justificar a sua existência, onde a lentidão da justiça beneficia o infrator. Acresce que não podemos condescender com serviços públicos partidarizados e hiperconcentrados na capital.
Todos entendemos que tem de haver uma lógica solidária e que a meritocracia exacerbada constitui um perigo de exclusão. Mas, mesmo assumindo essa lógica, só vale a pena falar de cooperação entre todos se premiarmos os melhores, se incentivarmos quem se esforça por o merecer, se combatermos os abusos, se exigirmos a todos empenho e esforço. Fala-se muito de corrupção e esquece-se a pequena fraude, que é tolerada pelo sistema e que nos devia também afligir.
A ideia de que o Estado é uma Arca de Noé sem rumo, onde podemos ficar à espera que cesse o dilúvio e chegue o bom tempo, pode ser apelativa, mas simplesmente não é realista.