Madeira: Avelino Farinha tem ligações a megaprocessos

O grupo AFA, detido por Farinha, terá conseguido 145 contratos públicos entre 2015 e 2020, no valor de mais de 260 milhões de euros. Empresário terá relação privilegiada com Pedro Calado e Miguel Albuquerque.

Os últimos dias têm sido dominados mediaticamente pelas detenções e buscas na Madeira, não só pelos contornos de ‘espetacularidade’ que a operação, dirigida pelo DCIAP, ganhou, com mais de uma centena de inspetores a serem transportados para o Funchal por aviões da Força Aérea, assim como pelos nomes dos envolvidos.

Miguel Albuquerque, que goza de dupla imunidade pelo facto de ser presidente do Governo Regional e conselheiro de Estado, foi constituído arguido, mas recusou até ao momento demitir-se.

Já o atual presidente da Câmara Municipal do Funchal, Pedro Calado, considerado o número dois de Albuquerque, foi detido. Assim como Avelino Farinha – dono da AFA, empresa de construção civil responsável pela quase totalidade das empreitadas de obras públicas na Madeira – e um empresário ligado a Farinha.

Um dos nomes mais referidos no processo é o de Avelino Farinha, dono da empresa de construção civil responsável pela quase totalidade das empreitadas de obras públicas na Madeira e tudo menos um estreante nas malhas da Justiça.

Avelino Farinha foi acusado de fraude fiscal e branqueamento de capitais em 2013 na Operação Furacão: como administrador da AFA – Avelino Farinha & Agrela, foi um dos arguidos que admitiram em interrogatório o esquema de fraude fiscal «com demonstração de arrependimento», segundo o despacho do DCIAP na altura, tendo por isso beneficiado da figura legal da suspensão provisória do processo, ou seja, não seguiu para julgamento, na condição de pagar ao Fisco os impostos em falta e de não praticar mais ilícitos no período de dois anos. A quantia paga ao Fisco foi de três milhões e 442 mil euros.

O empresário está também envolvido no processo Cartão Vermelho, enquanto sócio de Ricardo Salgado na compra de uns terrenos na Tijuca, um dos bairros mais caros do Rio de Janeiro. Uns anos depois, em 2012, o então presidente do BES/GES, que começava a ser alvo dos estilhaços que provocara no seu grupo, pediu a Luís Filipe Vieira para assumir o tal investimento que fizera no Brasil através da Opway – uma sociedade do GES –, em parceria com empreiteiros próximos – a Construtora do Tâmega e o grupo AFA, de Avelino Farinha. A Opway ficava com 50% do negócio e a outra metade seria dividida igualmente pelos restantes sócios, incluindo Avelino Farinha. É nos contornos do negócio que começa com a aquisição destes terrenos que o Ministério Público se concentra para imputar ao presidente do Benfica o crime de burla ao Fundo de Resolução do Novo Banco – um caso que ainda está em investigação.

Avelino Farinha está agora a braços com mais um megainquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Segundo o despacho de indiciação com que os arguidos foram confrontados na quarta-feira, estão em causa suspeitas de crimes «de atentado contra o Estado de direito, prevaricação, recebimento indevido de vantagem, corrupção passiva, corrupção ativa, participação económica em negócio, abuso de poderes e de tráfico de influência».

O despacho refere que o inquérito foi aberto por extração de certidão de um outro e tem na sua base duas denúncias: uma de 2019 e uma segunda de janeiro de 2021.

«Há indícios de que no interior das residências dos suspeitos, bem como nas respectivas dependências fechadas, se poderão ocultar objectos relacionados com a prática dos referidos crimes, ou que possam servir de prova, nomeadamente equipamentos informáticos, como computadores ou telemóveis, e documentos, pelo que, o recurso a busca domiciliária revela-se adequado à obtenção daqueles objectos», é assim que são justificadas as mais de 130 buscas realizadas por cerca de 270 inspetores da Polícia Judiciária.

É claro para os procuradores, segundo o despacho, que Avelino Farinha é próximo do presidente da Câmara do Funchal, Paulo Calado, também detido, e do líder do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, constituído arguido, e que terá beneficiado dessa relação na atribuição de vários contratos públicos a empresas do grupo AFA.

Avelino Farinha e Pedro Calado foram ambos detidos no Funchal e transferidos para Lisboa para serem ouvidos pelo juiz Nuno Dias Costa – curiosamente o mesmo que decidiu as medidas de coação aplicadas aos arguidos da Operação Influencer.

«No exercício das funções de vice-presidente do GRM [Governo Regional da Madeira], Pedro Calado terá utilizado a sua posição política e a influência que a mesma lhe valia junto de Miguel Albuquerque e outros elementos daquele Governo, como forma de facilitar a escolha das entidades do Grupo AFA em sede de contratação pública a realizar pelo Governo Regional da Madeira», lê-se no mandado de buscas e apreensão, validado pelo juiz Nuno Dias Costa, do Tribunal Central de Instrução Criminal.

A suspeita incide ainda na possibilidade de as empresas de Avelino Farinha, como a Afavias, Engenharia e Construções, SA e a Construtora do Tâmega Madeira, SA (que integrou o Grupo AFA a partir de 2013), terem tido «acesso prévio a propostas e valores apresentados pelas suas concorrentes nos concursos, possibilitando a apresentação de propostas mais vantajosas e peças processuais feitas à medida de requisitos pré-determinados de modo a só poderem ser preenchidos por aquele grupo empresarial».

O despacho não faz referência a factos em concreto praticados pelos arguidos. Descrevem-se sumariamente os concursos públicos e ajustes diretos em causa. A megaoperação de buscas visou recolher todas as provas, documentais ou outras, que possam comprovar as suspeitas.

A investigação abrange 145 contratos, incluindo individuais e em consórcio, que abrangem cinco anos – entre 2015 e 2020 na Região Autónoma da Madeira, num valor que ultrapassa os 260 milhões de euros. Só em contratos obtidos pelo grupo AFA, de Avelino Farinha, através de ajustes diretos, foram 47, enquanto os adjudicados por via de concurso público foram 23.

O grupo AFA, que iniciou a sua atividade no setor da hotelaria em 1999 e detém as unidades Savoy na Madeira, alargou a sua área de negócios e, atualmente, tem braços em vários setores, da comercialização de cimento a concessões rodoviárias, e até mesmo na comunicação social, através da da aquisição de 50,5% do capital social da EJM, detentora da Rádio JM e do Jornal da Madeira.

Será neste âmbito que se insere a suspeita do crime de atentado contra o Estado de Direito, imputada a Miguel Albuquerque, estando sob investigação «atuações que visariam condicionar/evitar a publicação de notícias prejudiciais à imagem do Governo Regional em jornais da região, em moldes que são suscetíveis de consubstanciar violação da liberdade de imprensa», informou o DCIAP, na quarta-feira, dia em que o presidente do Governo Regional da Madeira foi constituído arguido.

Em causa estão também suspeitas relacionadas com a venda da Quinta do Arco, propriedade de Miguel Albuquerque, ao Fundo CA Património Crescente, e o subsequente arrendamento do imóvel ao Pestana Hotel Group. «Isto, no enquadramento temporal em que aquele grupo empresarial veio a ser sócio do Governo Regional da Madeira e da sociedade Francisco da Costa & Filhos, SA, na SDM – Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, à qual foi adjudicada, por ajuste direto, a concessão do serviço público de administração e exploração da Zona Franca da Madeira ou Centro Internacional de negócios da Madeira», como vem referido no despacho de indiciação.

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