Crise da habitação. Um problema europeu

Custos de construção, inflação, turismo… são muitos os fatores que, juntos, formam a tempestade perfeita para a falta de casas e o aumento dos preços. Portugal vive com esse problema, mas existe um pouco por toda a Europa. Os Governos veem-se obrigados a tomar medidas, mas parece não ser suficiente.

Desengane-se quem pensa que é apenas Portugal que sofre com a crise habitacional. O problema vai além-fronteiras e acontece um pouco por toda a Europa. Um dos temas mais preocupantes são os preços. Os dados mais recentes do Eurostat mostram que os preços das casas na União Europeia aumentaram 48% e as rendas 22% desde 2010. Comparando o terceiro trimestre de 2023 com 2010, os preços das casas aumentaram mais do que as rendas em 18 dos 27 países da UE.

No entanto, os dados não são assim tão lineares. Esses mesmos dados do Eurostat, divulgados a meio deste mês, detalham que, no terceiro trimestre do ano passado, tanto os preços das casas como as rendas na UE registaram um crescimento de 0,8% face ao trimestre antecedente. Comparando com igual período do ano anterior, os valores são diferentes: os preços das casas caíram 1% e os das rendas cresceram 3%.

“Os preços e as rendas da habitação na UE seguiram uma trajetória ascendente comparável entre 2010 e o segundo trimestre de 2011. Após este trimestre, os preços e as rendas da habitação evoluíram de forma diferente. Embora as rendas tenham aumentado de forma constante ao longo deste período até ao segundo trimestre de 2023, os preços das casas flutuaram consideravelmente”, detalha o gabinete de estatística europeu.

Olhando novamente para o período compreendido entre 2010 e 2023, os preços mais do que triplicaram na Estónia (+210%) e mais do que duplicaram na Hungria (+185%), Lituânia (+158%), Letónia (+141%), Áustria (+123%), República Checa (+122%) e Luxemburgo (+107%). Quedas apenas em três países: Grécia (-14%, ver notas metodológicas), Itália (-8%) e Chipre (-2%).

Já as rendas cresceram em 26 países da UE, com os maiores aumentos na Estónia (+218%), Lituânia (+170%) e Irlanda (+100%). A única diminuição dos preços das rendas foi registada na Grécia (-20%).

Em Portugal, os dados mais atuais do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, o valor mediano de avaliação bancária na habitação foi 1536 euros por metro quadrado em dezembro do ano passado, mais seis euros face ao observado no mês anterior. Em termos homólogos, a taxa de variação fixou-se em 5,3%. Olhando para o balanço do ano 2023, o valor mediano de avaliação situou-se em 1521 euros por metro quadrado, traduzindo um aumento de 8,6% relativamente ao ano anterior.

Problemas em vários países 

Mas a crise na habitação é real. Em Portugal, na Europa e no mundo. Um dos casos mais gritantes pelo menos no último ano é a Turquia onde, a título de exemplo, os aumentos das rendas foram de tal ordem que levaram à violência entre proprietários e inquilinos. Resultado? A imprensa local relata pelo menos 11 mortes e 46 feridos.

Em números, os preços das rendas cresceram 121% desde 2022 e olhando para grandes cidades como Ancara ou Istambul, os crescimentos nos preços chegaram aos 188%.

Nesse sentido, o Governo turco limitou os aumentos em 25% para as famílias e alinhou-os com a taxa de inflação oficial para as empresas. Segundo a imprensa turca, nos primeiros seis meses de 2023, foram iniciados cerca de 47 mil processos de despejo e 100 mil outros relativos a aumentos ilegais de renda. Mais do dobro quando comparado com o mesmo período de 2022.

Os casos multiplicam-se. Mesmo Luxemburgo, considerado um país rico e onde se vive bem, conta com estes problemas. “Cada vez mais luxemburgueses atravessam a fronteira para viver na Alemanha, na Bélgica ou em França, simplesmente porque as rendas e os preços de venda das casas são mais baixos”, chegou a dizer, em outubro do ano passado, Antoine Paccoud, investigador do Observatório da Habitação.

Chamado já a “pior crise da habitação das últimas décadas”, este problema tem como uma das principais causas a falta de oferta que é justificada pela Bloomberg em novembro do ano passado são os custos de construção que dispararam nos últimos dois anos devido à inflação, as burocracias no que diz, por exemplo, respeito a licenciamentos, a falta de terrenos, o maior custo de financiamento devido à subida dos juros, entre outros.

Em Espanha, a crise habitacional – que trouxe de volta os “okupas” – obrigou o Governo a tomar medidas. Uma delas está relacionada com os jovens até aos 35 anos que já não terão que arcar com, pelo menos, 20% do preço do imóvel como entrada. Antes, Espanha tinha decidido que o aumento das rendas seria no máximo de 2% em 2023 e 3% em 2024. A partir de 2025, haverá um novo índice para atualizar as rendas, previa o governo espanhol.

Na Alemanha, por exemplo, está em vigor desde 2015 a lei de travão do arrendamento. A legislação obriga os proprietários a cobrar uma parcela de, no máximo, 10% acima do valor da região. 

Na Grécia, os preços das casas e das rendas aumentaram até 50% nos últimos sete anos. Nesse sentido, o Governo está a tentar colocar mais apartamentos no mercado para ajudar a reduzir os preços.

Há precisamente um ano, recorde-se, fora da Europa, no Canadá, os preços das casas e a falta deles criaram um problema de habitação para os residentes. E entrou em vigor uma nova lei que proíbe estrangeiros de comprar casas como investimento por dois anos.

Outros dados 

O relatório Housing in Europe do Eurostat revela que, em 2022, mais de dois terços das pessoas na UE viviam em agregados familiares que possuíam casa própria. No entanto, ser proprietário ou inquilino da sua casa é algo que difere significativamente entre os Estados-Membros. Nesse ano, 69% da população vivia  em casa própria, enquanto os restantes 31% viviam em habitação arrendada. As percentagens mais elevadas de propriedade foram observadas na Roménia (95% da população vivia num agregado familiar que possuía casa própria), na Eslováquia (93%), na Croácia (91%) e na Hungria (90%).

Em todos os Estados-Membros, exceto na Alemanha, a propriedade era mais comum. Na Alemanha, o arrendamento era um pouco mais comum, com 53% da população sendo inquilina. Seguiram-se a Áustria (49%) e a Dinamarca (40%).

Já no que diz respeito à qualidade da habitação, a história é outra. E pode ser medida de várias maneiras. Uma delas é se as pessoas vivem numa casa sobrelotada. Na UE, em 2022, 16,8% da população vivia nessas condições, uma percentagem que diminuiu em relação aos 19,1% em 2010.

Em 2022, as taxas de sobrelotação mais elevadas foram observadas na Letónia (41,7%), Roménia (40,5%) e Bulgária (36,2%), e as mais baixas no Chipre (2,2%), Malta (2,8%) e Países Baixos (2,9%) .

Mas o oposto também acontece e há muitas pessoas que vivem em espaços considerados demasiado grandes para as necessidades do agregado familiar que nele vive. A causa mais conhecida é o facto de indivíduos mais velhos ou casais permanecerem em casa depois de os filhos terem crescido e terem ido embora. Na UE, em 2022, um terço da população (33,6%) vivia numa casa nestas condições, uma percentagem que se tem mantido bastante estável desde 2010.

Recorde-se ainda que é em Portugal, Croácia, Eslováquia, Grécia e Bulgária que os jovens saem cada vez mais tarde de casa dos pais, já depois dos 30.