Saída de Mali, Burkina Faso e Níger da CEDEAO complica região do Sahel

Juntas militares dos três países acusam organização de impor sanções desumanas para  inverter recentes golpes de Estado. UE reitera apoio ao bloco regional e alerta para diminuição de paz e segurança naquela região africana.

As juntas militares do Mali, Burkina Faso e Níger anunciaram a retirada imediata da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), acusando a organização de impor sanções desumanas para inverter os seus recentes golpes de Estado .

A declaração conjunta, transmitida pela televisão estatal dos três países, afirma que a decisão de se retirarem foi tomada com total soberania e alega que CEDEAO, após quase 50 anos de existência, se desviou dos ideais dos seus pais fundadores e do pan-africanismo.

Segundo a declaração, as juntas militares, «assumindo plenamente as suas responsabilidades perante a história e respondendo às expectativas, preocupações e aspirações das suas populações, decidiram, em plena soberania, retirar sem demora o Burkina Faso, o Mali e o Níger» da CEDEAO. As juntas afirmaram ainda que a o bloco regional, influenciada por potências estrangeiras, se tinha tornado uma ameaça para os países membros e para as suas populações.

A decisão significa a aprovação final do grupo que os três países decidiram formar em setembro de 2023, a Aliança dos Estados do Sahel.

A União Europeia (UE) lamentou «esta decisão numa altura em que a CEDEAO está a liderar os esforços de mediação para restaurar a ordem constitucional em vários países da região», considerando o papel da CEDEAO «primordial» para garantir a paz e a segurança na região, reiterando seu apoio ao bloco e referindo que a posição «irá isolar ainda mais os países afetados e as suas populações».

Autoridade política e regional A CEDEAO, criada em 1975 para promover a integração económica dos Estados membros, é considerada a principal autoridade política e regional da África Ocidental. A organização defende-se, afirmando que «tem trabalhado arduamente com os países envolvidos com vista a restaurar a ordem constitucional» e sublinhou que “continua determinada a encontrar uma solução negociada para o impasse político» na região .

Os golpes de Estado no Mali (24 de maio de 2021), Níger (26 de julho de 2023), Burkina Faso (06 de agosto de 2023) derrubaram governos eleitos e conduziram ao poder juntas militares que acusaram o Ocidente, em particular a antiga potência colonial, a França, de ingerência.

As juntas alegam também estar sob ataque de grupos extremistas islâmicos e acusaram os governos anteriores de terem falhado neste combate Os três países acordaram ainda reforçar a cooperação e auxílio militar, em caso de intervenção externa.

As tropas francesas saíram dos três países e tem havido relatos da presença de elementos do grupo de mercenários russo Wagner no terreno.

Oportunidade para a Rússia

A saída da CEDEAO pode atrasar o regresso da democracia nos três países e originar golpes de Estado noutros. «Se já não fazem parte do bloco da CEDEAO, não têm de cumprir os prazos de transição anteriores, promulgados como forma de aliviar as sanções contra eles» disse o diretor da Signal Risk, empresa de consultoria de segurança centrada em África.

Ryan Cummings diz ainda ser uma oportunidade para a Rússia expandir a sua presença e os seus interesses em África.

As relações outrora amigáveis entre os três países e as nações desenvolvidas do Ocidente e da Europa já tinham azedado após os golpes de Estado. Entretanto, a Rússia tem sido mais acolhedora e continua a jogar com o sentimento anti-francês, apresentando-se às nações africanas como um país que nunca colonizou o continente.

O grupo mercenário russo Wagner tem estado presente no Mali, onde está a colaborar com o exército na luta contra os rebeldes armados. No Burkina Faso, os meios de comunicação social estatais noticiaram na semana passada a chegada de soldados russos para «reforçar a cooperação militar e estratégica» entre os dois países. Altos funcionários russos e do Níger também se têm reunido.

«Nos últimos meses, estes países reforçaram e consolidaram as parcerias com a Rússia, desde a segurança nacional à economia», afirmou Cummings, da Signal Risk.

Resta saber qual o apoio que poderão obter da Rússia. Nos países africanos onde o Wagner esteve, as crises de segurança persistiram.

magalhaes.afonso@newsplex.pt