Que país é este?

É preciso investir na família, apostar nos jovens, lutar contra o desemprego e contra a falta de habitação…

Ouvi recentemente na TSF uma arrepiante reportagem que me deixou inquieto e pensativo. Dizia respeito aos sem-abrigo que estão a viver na Gare do Oriente – com entrevistas na primeira pessoa em que eles relatam os motivos que os levaram a cair naquela situação.

Não posso dizer que tenha ficado totalmente surpreendido ao ouvir aquele excelente trabalho radiofónico, pois Joana Figueiredo, a experiente diretora de serviços da Casa do Artista, conhecedora do problema, já me tinha alertado para essa triste realidade. Trata-se, portanto, de uma situação bem identificada e, como tal, do conhecimento dos responsáveis do setor.
Tocaram-me particularmente as razões invocadas pelos ‘residentes’, que nos devem obrigar a refletir e a tirar as respetivas conclusões. Segundo eles, aquilo que os levou a viver na rua foi a falta de família, a falta de emprego, e a incapacidade para suportarem as despesas inerentes a uma habitação.
E tudo isto revelado por pessoas na idade média da vida, o que deveras me impressionou.

Pensei com os meus botões: os jovens são ‘convidados’ a sair para o estrangeiro, os idosos que sobrevivem e que a sociedade considera ‘descartáveis’ são despejados em lares, sabe-se lá em que condições, e pessoas na idade média da vida com problemas graves e sem esperança de um futuro melhor estão condenadas a ficar ao relento nos espaços públicos. Mas que país é este? E não há nada a fazer? Temos de nos resignar perante as exigências desta nova vida? Ninguém tem uma palavra a dizer face a este cenário desolador que a todos nos envergonha?

É certo que a situação do país em que vivemos é algo complexa. Os recursos económicos são escassos, os tempos são outros e as mentalidades alteraram-se. A vida de hoje nada tem que ver com a de antigamente. Mas uma coisa é certa: sem família, sem trabalho e sem habitação é difícil encarar o presente, muito menos o futuro. Antes pelo contrário: abre-se a porta à solidão, à pobreza e ao sofrimento, que acabam no desespero de onde, muitas vezes, não se consegue sair.

Como profissional de saúde, tenho ainda mais razões para estar apreensivo. Ouve-se falar com frequência no saneamento básico, nas normas essenciais definidas pela Saúde Pública – nomeadamente nas campanhas de vacinação –, alerta-se a população para a necessidade de se proteger contra o frio excessivo ou contra as vagas de calor sazonais, e este problema elementar de pessoas a viver ao relento passa-nos ao lado?

É que esse panorama trágico e com tendência para aumentar não é só de alguns, é de todos. Estão ali seres humanos à espera de alguém que lhes estenda a mão! Se o diagnóstico está feito, há que passar ao tratamento: investir na família, apostar nos jovens, lutar contra o desemprego e contra a falta de habitação. Para muitos estas prioridades podem parecer uma utopia, qualquer coisa impossível de atingir por estarem fora do nosso alcance, mas todos podemos e devemos ser solidários e ajudar os outros dentro das nossas possibilidades, como, por exemplo, na alimentação. Neste contexto, é de louvar a ação do Banco Alimentar Contra a Fome, que tem feito um trabalho de excelência a favor dos mais necessitados.

Que país é este? É o país que temos! É o país que somos! Um país que apesar das suas múltiplas potencialidades e do muito de positivo que tem feito nos últimos anos – e que não devemos esquecer –, não conseguiu ainda resolver o drama de seres humanos vivendo na pobreza e abandonados à sua sorte, ao frio e à chuva na Gare do Oriente, nas estações do metropolitano ou à porta das igrejas – com muita gente que se cruza com eles a procurar ignorá-los, quando não mesmo mudando de direção.

Oxalá aquela meritória reportagem tenha servido para abanar consciências, estabelecer prioridades e definir orientações. Não queremos, de todo, continuar a assistir a este filme. O que está mal tem de ser mudado. De nada adianta ir adiando a resolução dos problemas como é nosso hábito. Vamos ao trabalho! Está só nas nossas mãos.