O formato não permitiu grande debate de ideias e muitos temas ficaram de fora. Não se falou de temas relevantes como a educação, política internacional, em particular europeia, assim como de digitalização (exceção de Rui Tavares, que ainda tentou). A curiosidade era o desempenho dos novos líderes, que são quase todos. E a surpresa acabou por ser Rui Rocha. O líder da Iniciativa Liberal acusou algum cansaço ou desgaste no terceiro debate que travou esta semana. Por outro lado, André Ventura, já muito habituado ao modelo do confronto, destacou-se pela negativa não tendo conseguido liderar qualquer um dos debates. O presidente do Chega, talvez por excesso de confiança, não conseguiu desmontar o à vontade de Inês Sousa Real e deixou-se vencer por Rui Rocha. Perante uma Iniciativa Liberal que, goste-se ou não, tem ideias definidas, André Ventura andou da direita à esquerda do hemiciclo parlamentar e sem ter conseguido responder com eficácia ao custo das medidas que propunha. Destoando do posicionamento que Rui Rocha manteve. Com a líder do PAN, não emendou a mão. Ventura ajudou a preencher 25 minutos de debate com interrupções, sobreposições de argumento tornando-se penoso conseguir acompanhar a discussão às 22 horas. Inês Sousa Real, apesar de tudo, revelou-se preparada, segura e nunca se escusou a responder a uma única pergunta.
Luís Montenegro, que apenas travou um debate, conseguiu sair quase imaculado. Mantendo a calma e revelando que está bem preparado, conseguiu ganhar espaço com Mariana Mortágua para expor as suas propostas. Com uma postura paternalista e com a vantagem de estar a debater com uma adversária que está nos seus antípodas, o líder da AD parece ter ganho um fôlego que antes dos debates todos duvidavam que tivesse. Neste debate, entre a AD e o BE, cada um falou para o seu eleitorado e segurou os votos dos seus. A líder do BE esteve bem e mais assertiva do que a temos visto nos últimos tempos. Acabou por conseguir marcar pontos no tema da habitação, sendo que Montenegro esteve melhor quando se debateu a Saúde.
Pedro Nuno Santos não conseguiu convencer num estilo quase irreconhecível. Tentou passar a ideia de um líder calmo, sereno, apaziguador e sem dogmas. Tudo aquilo a que não estamos habituados quando o ouvimos. Foi esta a sua grande fragilidade no debate. Entre querer descolar-se dos oito anos de governo e ao mesmo tempo defender a anterior governação, o novo líder do PS ficou no limbo. Ainda assim só teve um debate, tal como Montenegro, e muita pedra há para partir.
Rui Tavares e Paulo Raimundo não emocionaram nem surpreenderam. Rui Tavares, ainda assim, foi muito eficaz para o público que escolheu, os mais novos. Ao contrário de Paulo Raimundo, que consegue conquistar a simpatia mas mantém o discurso de um PCP intemporal.
Concordando-se ou não com o formato escolhido pelas televisões, o arranque destes debates foi um bom pontapé de saída para a campanha eleitoral e para posicionamento dos líderes partidários para o que aí vem. Para a semana há mais.
Pedro Nuno Santos vs. Rui Rocha – Perdida a oportunidade de criar uma primeira boa impressão
Foi a estreia dos debates e creio que podemos concordar que a prestação não correspondeu às expectativas de ninguém, sendo talvez pior para os apoiantes de Pedro Nuno Santos. Ainda assim, devo confessar a minha surpresa, pela positiva, em relação a Rui Rocha. Valeu-lhe o rótulo de aventureiro, irrealista e radical. Pedro Nuno Santos, por sua vez, procurou – e bem – assumir uma postura de responsabilidade, de partido que governa, referindo por diversas vezes que não tem dogmas fiscais, nem tão pouco na área da saúde, e alertando os ouvintes para o perigo das ideias «panfletárias» da IL, receita de austeridade enquanto possíveis ideias de uma AD ganhadora. O jovem turco tentou surgir como estadista. E quase conseguia. Mas foi fatal o «Diga lá o que é que não funciona?». Fez esquecer tudo o resto e Rui Rocha aproveitou muito bem, colando-o ao Governo anterior, denunciando que se trata de mais do mesmo e apontando, com enorme eficácia nos minutos finais, as várias incompetências do outrora ministro e agora candidato. O formato não permite grande confronto de ideias, pelo que infelizmente discutiram-se mais os problemas do que as soluções, sendo claro o confronto ideológico. Mas houve alguns momentos com propostas. Dou o exemplo da saúde, onde Rui Rocha optou por destacar uma medida que considero muito discutível no campo constitucional e que se traduz no acesso automático de certas faixas etárias e grávidas aos médicos de família, dando como argumento o uso mais intensivo do SNS por estes utentes. Em resumo, apesar de pouco entusiasmante, foi um debate que marcou o timbre para a IL e serviu de aviso para o PS.
André Ventura vs. Inês Sousa Real – A batalha campal
Uma batalha campal é a melhor discrição. Inês Sousa Real apareceu calma, segura e marcou o debate quando a certa altura, acusada de ser «muleta do PS», diz que o Chega votou mais ao lado do PS do que o PAN. Uma medalha difícil de esquecer tendo em conta o interlocutor. André Ventura, como seria de esperar, abordou bem a questão dos polícias e falou com autoridade quando rejeitou a possibilidade de boicote às eleições. Parecia um porta-voz. Inês Sousa Real, por sua vez, foi inteligente ao elencar leis propostas pelo PAN, ou seja, por ela própria enquanto deputada única, isto para em seguida repetidamente salientar a falta de produtividade do partido de André Ventura, com 12 deputados e 0 medidas aprovadas. Conseguiram coincidir, se entendi bem no meio de todo o barulho, na contribuição extraordinária sobre os lucros da banca, no aumento de impostos sobre as petrolíferas e no crédito bonificado para os jovens no acesso à habitação. Tirando isto, foi uma troca constante de acusações que não me permitem fazer mais qualquer comentário a não ser que sou solidária com o moderador.
Paulo Raimundo vs. Inês Sousa Real – Quase nada a registar
Um debate tranquilo e com poucos pontos de discórdia, tirando a regulamentação do lobby e pequenas divergências na agricultura. Foi, de facto, interessante ouvir os dois sobre o tema da corrupção e da regulamentação do lobby. Se Paulo Raimundo estava mais focado em falar da privatização da ANA, Inês Sousa Real esteve muito bem na explicação do que entende ser a mais-valia desta regulamentação no campo da transparência e da democratização do acesso aos corredores de decisão, sempre alertando para os limites da medida num quadro mais geral do combate à corrupção. Na agricultura coincidem no diagnóstico, na recusa de um conflito agricultores-ambiente e nas críticas à PAC. Divergem nas soluções. Quanto a soluções governativas emergentes das eleições, Paulo Raimundo foi firme no compromisso de luta contra a direita, enquanto o PAN, recordando que tem linhas vermelhas, remete tudo para possíveis acordos. Apesar da imagem de simpatia e seriedade do recém líder do PCP, este foi um debate que tornou ainda mais clara a dificuldade deste partido em adaptar-se a um mundo diferente e muito mais exigente no conteúdo da cassete.
Luís Montenegro vs. Mariana Mortágua – O primeiro teste de Montenegro
Um bom debate. Assistimos a uma discussão civilizada de ideias que dificilmente não seriam antagónicas, entre uma Mariana Mortágua mais assertiva e um Luís Montenegro bem preparado, a ensaiar pose de estado. Foram raros os momentos de demagogia, mas também os houve e de ambas as partes. Mariana Mortágua falou da avó para se referir aos problemas da habitação e Luís Montenegro da vontade do Bloco de Esquerda de transformar Portugal numa «nova Venezuela ou Cuba». Perante uma adversária ao ataque, e com a lengalenga habitual da vertigem dos privados e do amor pelas PPPs, na saúde Luís Montenegro revelou mais segurança e conseguiu desenvolver algumas ideias da AD, como a promessa da aprovação nos primeiros 60 dias de Governo de um programa de emergência para a acabar com as listas de espera. Já na habitação, tema caro ao Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua foi mais eficaz. Podemos discordar das propostas, até pelo seu pendor altamente ideológico, mas esta é uma área em que o Bloco de Esquerda tem conhecimento e trabalho, pelo que dificilmente não se destacaria. Em suma, ficámos a conhecer melhor, em versão de confronto, estes dois candidatos, afinal líderes recentes, bem como as respetivas visões para o país, ainda que com a importante nota de o programa da AD não ser conhecido, o qual, assumindo que é uma coligação de partidos e tendo o CDS ideias vincadas em certas matérias, imagino não ser totalmente coincidente com as propostas anteriormente apresentadas do PSD. Digo eu.
André Ventura vs. Rui Rocha – Um socialista na direita
O segundo debate para ambos, onde novamente Rui Rocha supera as expectativas e André Ventura tem dificuldade em liderar. Talvez porque procura vestir uma capa mais moderada, apesar de certos laivos do passado, como quando mistura sem critério o tema da migração com terroristas. Ou talvez também porque ao invés de ser o partido de todos os portugueses, surge como o partido de todos os partidos, a debitar propostas com difícil nexo, da esquerda à direita, cuja execução, em algumas matérias, remete para fontes de financiamento que devendo ser certas, seguem uma lógica própria e de quantificação claramente incerta. Falo, por exemplo, da corrupção e da economia paralela. E assim de repente, o mágico e aventureiro do debate com Pedro Nuno Santos era o mais responsável da sala. Seguindo uma cartilha idêntica, perguntou sobre a forma de financiamento e acusou o adversário de levar o país à bancarrota com propostas como o aumento das pensões para o nível do salário mínimo nacional. Mas a ironia não ficou por aqui. Rui Rocha, que continuou a não conseguir explicar as contas do Estado e o crescimento económico, dando mesmo a entender que deixaria cair a TAP e a EFACEC, ainda conseguiu fazer de André Ventura um socialista, desmontando algumas propostas e levando-o a recusar falar do apoio do Chega a um eventual governo minoritário. Em suma, ao contrário do que disse André Ventura, referindo-se ao debate da IL com o PS, Rui Rocha esteve bem longe de levar «uma coça dos dois».
Rui Tavares vs. Rui Rocha – O debate das frases feitas
Tenho que confessar que é sempre bom ouvir Rui Tavares. Tem um discurso fluente e muito pedagógico, que na minha opinião lhe apõe justamente o rótulo de investigador, ainda que para Rui Rocha viva num laboratório sem adesão à realidade. Foi um debate equilibrado e com conteúdo, mas sem grande novidade. Rui Rocha tinha a vantagem da experiência, conseguindo mesmo impor um slogan de fazer inveja a Rui Tavares. Ainda assim, manteve as fragilidades anteriores na explicação do custo do programa, o que levou Rui Tavares a denunciar a leveza com que se fala em cortes na ordem dos milhões e a irresponsável crença na magia do crescimento. Sendo o terceiro debate da IL esperava-se mais. Resumidamente, ambos foram desenvolvendo as suas ideias, com Rui Tavares mais seguro a defender fervorosamente a semana dos quatro dias e a falácia do argumento do opositor de que para qualquer problema a solução «é o mercado a funcionar», e Rui Rocha, mais disperso e agarrado a frases feitas, a denunciar a imoralidade do imposto sucessório do Livre.