Rui Patrício. O último MNE do Estado Novo

1932-2024. Até ao fim, Patrício continuou a defender o império colonial português.

Não seria o futuro a demovê-lo, nem as últimas décadas da nossa desventurada democracia a forçar qualquer abalo nas suas convicções. Até ao fim, e depois de meio século a viver no Brasil, se lhe perguntassem, Rui Patrício, o último ministro dos Negócios Estrangeiros do Estado Novo, continuava a afirmar que o «25 de Abril foi a derrota de uma nação». E agora que novos personagens fascistas ascendem um pouco por toda a parte e reclamam com o maior descaro uma grandeza que nunca existiu, muitos tenderão a concordar com ele. Provavelmente os mesmos que nestas alturas sempre se esquecem de como, nos subterrâneos daquele regime defunto, jaz ainda um bom número de cadáveres por identificar ou resgatar ao esquecimento. Sobre eles e e sobre tantos outros, «pesou a mão implacável de um sistema que não foi apenas retrógrado e medíocre, mas criminoso», como vincava Eduardo Lourenço. O filósofo assinalava como «uma das especialidades desse sistema e da classe que nele se revia com delícia foi a de conferir uma honorabilidade, uma moralidade políticas a actos contrários aos mais elementares direitos humanos». Rui Patrício morreu este domingo, aos 91 anos, no Brasil (Rio de Janeiro), país para onde fugiu na sequência da Revolução do 25 de Abril dos Cravos. Ainda serviu Salazar como subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino. Marcello Caetano fê-lo ministro dos Negócios Estrangeiros, a 11 de janeiro de 1970, tinha ele 33 anos. Nos quatro anos que se seguiram, sob o fogo da diplomacia internacional, coube-lhe defender o isolamento da posição lusa, sendo Portugal o único país da Europa que teimava em manter as colónias. Ele estava ao lado de Marcelo Caetano nas horas de agonia final daquele regime. Naquela quinta-feira de abril de 1974, refugiou-se no Quartel do Carmo com o chefe do Governo, a conselho do diretor da polícia política, Silva Pais. Patrício acompanharia ainda Caetano na chaimite Bula, entre o Carmo e o Posto de Comando do MFA, no Quartel da Pontinha. Nunca superou essas horas em que misturado ao medo se terá sentido aviltado, enquanto o blindado abri com as maiores dificuldades o caminho por entre a multidão que enchia o Largo do Carmo, ouvindo os gritos: «Assassinos!», «Assassinos!». Por muito negra que lhe parecesse a perspetiva nessa noite, que passou em claro, com um guarda armado à porta do quarto, o privilégio nunca se esqueceu de cuidar dos seus. Na manhã seguinte, foi avisado de que iria para a Madeira, como medida de proteção. Não quis ir e não foi. Fez um compasso de espera e cinco meses depois resolveu ir para Paris, à procura de algum cargo. Esteve um mês e meio em França antes de se tornar claro que seria mais fácil tentar do outro lado do Atlântico. No Brasil, arranjaram-lhe uma posição no Departamento Financeiro de uma empresa de venda de automóveis, mas em breve seria feito administrador de várias empresas. Nascido em Lisboa, em 1932, Rui Manuel de Medeiros d’Espinay Patrício formou-se na Faculdade de Direito de Lisboa, e foi assistente durante cinco anos (1958-1963) antes de iniciar a sua carreira governativa. Terá morrido com as suas convicções intactas, tendo regressado uma única vez a Portugal, em 2008, para participar num colóquio sobre a diplomacia portuguesa entre 1968 e 1974. Nesse evento, defendeu as suas ideias de sempre. «O 25 de Abril e a descolonização que se lhe seguiu foi a autoderrota da Nação. África fazia parte da Nação portuguesa», proclamou em tom perentório.