A dimensão tecnológica do Dakar

Camiões a hidrogénio, motos elétricas e SSV híbridos utilizaram as areias do deserto como laboratório para testar e validar diferentes energias alternativas com vista à desejada transição energética até 2030. O Dakar está numa onda verde.

O desporto motorizado está a reinventar-se de modo a reduzir o impacto ambiental dos motores de combustão: os carros mais potentes gastam mais de 300 litros de combustível nas especiais do Dakar. É nesse sentido que a Amaury Sport Organisation (ASO) lançou o Dakar Future, um projeto destinado a incentivar os construtores a desenvolver tecnologias alternativas que sejam neutras do ponto de vista de emissões de carbono. Os organizadores pretendem ter uma categoria com veículos 100% elétricos, a hidrogénio e híbridos em 2030.

A edição deste ano contou com motos, camiões e SSV com diferentes tecnologias, que fizeram um percurso diário de 100 quilómetros até alcançarem um total de 1000 quilómetros. A Ecovergy é especialista em energias renováveis e alinhou no Dakar com um camião KH7 Ecovergy, um MAN 6×6 de 800 cv alimentado a hidrogénio e HVO (combustível renovável produzido a partir de óleos vegetais e gorduras residuais e animais) que ganhou a categoria Future Mission 1000. O hidrogénio estava armazenado em dois tanques e o veículo podia fazer 900 quilómetros com apenas 10 quilos de hidrogénio. O camião fez uma prova excelente, com a tripulação a tirar o máximo rendimento do motor em condições extremas e com emissões de CO2 praticamente nulas. O KH7 Ecovergy ficou também conhecido como o “anjo do deserto”, já que a sua destreza permitiu ajudar outros pilotos que tinham ficado atascados nas dunas sauditas e até a própria organização pediu a sua ajuda.

A equipa Tigres do Deserto ficou em segundo lugar com um protótipo construído por dois engenheiros da Airbus. Partiram de um Can Am para criar um veículo 4×4 híbrido, que combina o motor de combustão alimentado a bioetanol com 200 cv, usado nas especiais, com o motor elétrico, utilizado nas zonas urbanas e no bivouac, com uma autonomia de 250 quilómetros. O consórcio HySE, que junta Toyota, Honda, Suzuki, Yamaha e Kawasaki, desenvolveu o buggy HySE-X1 para participar na categoria Mission 1000. O veículo tem por base um chassis já existente e recebeu o motor Kawasaki de quatro cilindros e 998 cc com 150 cv, preparado para usar hidrogénio como combustível.

A Tacita Formula Corsa enfrentou o desafio de fazer o Dakar com duas motos Discanto equipadas com motor elétrico capaz de atingir 150 km/h (velocidade limitada eletronicamente) e baterias de última geração. Possui um avançado sistema de gestão de bateria para monitorar a sua eficiência e desempenho. O sistema Battery Swap permite aos pilotos trocar rapidamente as baterias gastas por outras carregadas. Num registo 100% elétrico, a equipa italiana utilizava painéis solares e geradores eólicos para alimentar as baterias das motos e a assistência.

Em 2025, vamos assistir ao uso generalizado de biocombustíveis em carros e camiões e, em 2026, todas as equipas da categoria principal devem cumprir a nova legislação que prevê baixas emissões e, em 2030, os carros e camiões têm obrigatoriamente de fazer parte da categoria de veículos de baixas emissões. David Castera, responsável da ASO, espera que em 2030 possa organizar o Dakar com propulsão a hidrogénio com a ajuda do governo da Arábia Saudita.

Os organizadores pensam em outras medidas para tornar o Dakar mais ecológico. A energia usada nos bivouac no final das etapas vem de geradores alimentados a gasolina e diesel, mas no futuro serão usados painéis solares para alimentar esses acampamentos. O problema dos dejetos preocupa igualmente a ASO. A utilização do plástico aumentou devido às medidas sanitárias relacionadas com a Covid-19, a solução passa por usar utensílios e acessórios em cartão, bambu e biodegradáveis. A aventura vai continuar, mas com outras prioridades.