Os comentadores contra o povo

Ventura não convence os comentadores, mas na rua tem muitos apoiantes das suas prestações televisivas.

Há uns bons anos, mais de 20, estava na redação e alguém entrou e disse: «Sabe que o patrão, por curiosidade, foi a uma discoteca [loja de discos] e perguntou quantos exemplares tinham sido vendidos de um autor que tinha merecido duas páginas do jornal e que tinha sido considerado um génio pelo crítico?». Respondi que não fazia a mínima ideia, mas não demorei muito a saber. «Um exemplar!».  O mesmo se passava e passa com as críticas de filmes em que, por norma, os mais ‘estrelados’ são os menos vistos.

Como é óbvio, qualquer crítico tem o direito de não gostar de filmes ou discos comerciais e daí não vem mal ao mundo. Embora, por vezes, me façam lembrar uma cena de um episódio da série Murphy Brown, em que o homem que fazia uns biscates em casa da jornalista e comentadora política revelou alguns dotes a pintar a sua casa. Murphy entusiasmou-se com o talento do seu ‘empregado’ e decidiu organizar-lhe uma exposição em Nova Iorque, a que não deixaram de estar presentes os mais afamados críticos do New York Times, da TheNew Yorker, da Time e da Newsweek. Quando entraram, depararam-se com paredes brancas e logo começaram a elogiar a genialidade da distância do interruptor para o chão, entre outras preciosidades. O artista, com os cabelos em pé, pedia: «Estúpidos, olhem para o teto», onde estava o seu trabalho. Não seria uma obra de Michelangelo ou de Boticelli, mas era a sua.

Vem esta conversa a propósito dos debates eleitorais, onde depois dos artistas principais defenderem as suas teses, quando o conseguem, surgem em antena exércitos de comentadores, alguns dos quais meus amigos e por quem tenho imensa consideração e amizade, que levam horas a debater quem ganhou ou perdeu. É natural que a figura de André Ventura provoque uma certa urticária à larga maioria de comentadores, até por ser uma figura irritante que interrompe os outros, fala pelos cotovelos e tem propostas, segundo dizem, completamente lunáticas.

Tudo isso pode ser verdade, mas quando saio de casa e vou ao café ou ao restaurante, quando estou em locais públicos, ao ouvir os comentários das pessoas e o que circula nas redes sociais pergunto-me se André Ventura terá perdido todos os debates, como defende a larga maioria dos comentadores. É óbvio que também oiço muitos dizer dele o que Maomé não disse do toucinho. Claro que se pode argumentar que, como indicam as sondagens, terá 15% de eleitores e que é natural que não falte quem diga bem do líder do Chega, da mesma forma que haverá mais de 80% que diga o pior. Que é racista, xenófobo e até fascista – calculo que Benito Mussolini esteja às voltas no túmulo com tal comparação.

Quanto aos debates, é difícil, de facto, aturar tanta algazarra e tão pouco esclarecimento, mas o que me deixou surpreendido foi o tema da Justiça só ter entrado em cena tão tarde. Lamentável, à semelhança da parcialidade de um ou outro pivô.l

P. S. 1. Donald Trump ameaça infernizar-nos a vida de novo e a sua sugestão de incentivar Putin a invadir os países que não paguem à NATO o que é devido ultrapassa tudo. Mas que a Europa tem de perceber que não pode querer que os americanos paguem a nossa defesa, lá isso é verdade.

P. S. 2. Morreu um dos génios que conheci, e que entrevistei várias vezes, André Jordan de seu nome. Até sempre e obrigado pelo que me ensinou.

vitor.rainho@nascerdosol.pt