Diz Miguel Esteves Cardoso que os pobres são quem mais gasta com medo de amanhã já não poderem comprar e os ricos poupam porque têm pavor de ficar sem dinheiro. Por isso é que os ricos são ricos e os pobres são pobres. Hoje chama-se a isto iliteracia financeira. É o nome técnico para a incapacidade de gerir dinheiro ou viver acima das possibilidades. Os ricos são forretas, calculistas, poupados; os remediados são mais sôfregos, gastadores e deslumbram-se com facilidade.
O livro de Nuno Palma sobre as causas do atraso português explica que sofremos de dois males: más decisões políticas e a forma como (não) investimos ou aproveitamos o dinheiro que nos cai do céu – o ouro do Brasil e os fundos europeus. Sendo estes os dois momentos da nossa História em que entrou mais dinheiro em Portugal. E o que é fizemos com tantos milhões? Consumimos, importamos, gastamos e vivemos à grande como se fossemos ricos. Numa lógica de satisfação imediata. E é exatamente assim que educamos os nossos filhos, não fossemos nós lusitanos de gema que ainda caminham em cima de calçada romana.
Os indicadores mais visíveis desta realidade são os ténis All Star e os iPhones. Não há jovem adolescente que não se passeie com All Star ou não tenha um iPhone de última geração. São estes os novos sinais de pobreza. Estes ténis de lona rasgam-se com facilidade, descolam-se com as primeiras chuvas, são permeáveis ao frio e à água como um passador e custam os olhos da cara. Os iPhones têm uma bateria com a esperança média de vida de uma borboleta, desatualizam-se com mais velocidade do que qualquer moda Outono/Inverno e custam quase o mesmo que um carro em segunda mão. Mas os nossos filhos não prescindem destes estranhos luxos. Desde pequeninos que ambicionam um iPhone porque ‘todos têm’ e porque é o melhor, o mais caro e pelo estatuto que lhes empresta. Com os ténis é o mesmo. Uns ténis sem marca visível, mais baratos e resistentes é sinal de pobreza, de falhanço. Preferem os tristes All Star rasgados.
Dei ao meu filho de 10 anos um telemóvel de teclas e o primeiro telefonema que ele me fez foi a meio de um dia de escola a queixar-se que «todos gozam comigo». Com a voz embargada, contou que os amigos preferem não ter telemóvel a ter um daqueles, remediado, humilde, inútil para aceder às redes. «Sou o único», reclamou. Por sorte estava a ler o livro de Nuno Palma e não vacilei. Ri-me sem vontade e tentei explicar-lhe sem sucesso que era melhor e mais eficaz ter um telemóvel de teclas do que fazer sinais de fumo cada vez que ele quisesse falar comigo ou enviar mensagens. E ele sofre.
Não há como combater o flagelo da pobreza em Portugal. Vivemos complexados com o que não temos. Ter vale muito mais do que ser; parecer é muito mais importante do que saber. A satisfação imediata do consumo está-nos no sangue como o fado na nossa cultura. Mas o que mais nos importa, aquilo que nos causa maior angústia é o que os outros têm e nós não. Se só alguns tivessem iPhone – aqueles que têm dinheiro para o pagar e manter sem terem de se endividar – seriamos o país dos androids mais baratos. Mas não. Somos o país que destruiu a indústria nacional para podermos importar e ajudar a desenvolver a industria estrangeira. A verdade é que damos pouco valor ao dinheiro e muito valor à galinha do vizinho. Assim como as crianças.