Truman Capote tinha um talento acima do habitual, mesmo entre escritores, para ganhar a confiança de qualquer pessoa. Dar o salto de uma interacção comum a um registo de cumplicidade, podendo dizer que conhecia ou era amigo de uma quantidade absurda de gente, sem se ficar pelo verniz social, fazendo-o estalar. Identificava as pessoas com quem se cruzava, mostrando-se supremamente hábil, quase infalível na hora de esboçar um contorno rápido mas que atingia algo de mais profundo e íntimo. A sua extraordinária aptidão para se relacionar fosse com quem fosse, e a perícia com que conduzia a conversa, levando a que os seus interlocutores traíssem as suas defesas ou reservas, sentindo o desejo de se lhe revelarem, é uma característica que lhe dava um avanço imenso face a escritores porventura até mais esmerados na hora de compor um parágrafo. Havia nele esse génio da intimidade que faz com que certas pessoas se tornem centros de gravidade em qualquer contexto social, confessores ao ouvido de quem uma época deposita os seus mais embaraçosos segredos. Isso fazia dele um adversário temível, e havia nele o gosto de ajustar contas servindo-se daquela dose de divina mesquinhez própria dos grandes cortesãos, essa capacidade de infundir no que há de mais baixo um certo resíduo de magnificência que gerava alguma benevolência, como se tudo devesse ser-lhe perdoado.
A par da extrema lucidez que foi afinando na escrita, tinha acesso às reservas inesgotáveis do génio cruel que é capaz de lançar um olhar e despir uma cena e todo um elenco, revelando as suas motivações mais profanas e inconfessáveis, não mostrando qualquer indulgência para consigo ou para com os outros. Havia na sua forma de elaborar uma facilidade criminosa, sendo um ser com uma capacidade de funcionar como o eixo de qualquer cerimónia, ferindo os tabus até certo ponto, sempre nessa capacidade de flirtar com os limites, o que lhe dava um encanto perigoso, uma capacidade de sedução extraordinária, uma vez que, estando ele presente, ninguém se queria ausentar. Tinha assim do seu lado esse poder de decidir o momento de interromper a festa, fazer despenhar os ânimos.
Sabia servir-se da intriga e elevá-la, produzir mitos tenazes, não se ficando nunca pela orquestração doentia nem por uma certa aura rançosa que caracteriza aqueles que são apenas capazes de sustentar um ambiente de desgovernada maledicência. Ele distribuía um jogo cativante, mantendo sempre uma distância segura desse regime de necrofilia social, atraindo o foco ao mesmo tempo que organizava ele o complô, gerando uma tensão romanesca a partir de elementos triviais de qualquer círculo, fosse da alta sociedade nova-iorquina, fosse de uma desses pequenos povoados nalgum cu de judas onde não parecia haver nada de interessante para ver ou fazer. Sabia cozinhar esses elementos pois conseguia descortinar os elementos de fantasia, os desejos e aspirações, e sobretudo os aspectos censuráveis, os comportamentos libidinosos e indignantes.
Era um maestro capaz de fazer desenrolar o enredo, ainda que, de partida, não lhe fossem oferecidos senão os elementos mais banais para construir a sua intriga. Havia nele um discernimento muito particular, essa capacidade de nos guiar nos aspectos alucinatórios de uma determinada realidade, compondo e recompondo-a para forçar algum juízo ou divertimento. Sabia que os sentimentos devem ser dispensados e que um escritor tem tudo a ganhar em livrar-se dos seus remorsos ou de um excesso de escrúpulo, isto se aquilo que lhe importa é seduzir uma audiência. Neste capítulo, Capote não tinha rivais à altura. No seu melhor, ele sabia exactamente como as coisas devem ser abordadas, mantendo o elemento de temor e estremecimento, mas ficando longe de qualquer efusividade emocional. Sabia mover-se como um contrabandista do que possa haver de essencial, sem se perder nos labirintos da moral, ficando por uma informação cúmplice e por elementos de perversidade apanhados de forma ousada, recorrendo à imaginação sobretudo a um nível formal, no efeito de montagem.
Sabia que os relatos que mais cativam são esses que conseguem valer-se da mentira para ir mais longe na exposição da verdade. Tudo era uma imensa paródia, mas espreitava algures uma cólera mortífera. Sabia manobrar as consciências, agitá-las, gerando suspeitas fantásticas. Se estamos todos de algum modo esgotados pelo tédio da verdade, com o seu talento malicioso, ele sabia conferir à realidade o enlevo que parecia estar ausente, e assim atiçar novamente o imaginário. No fundo, Capote veio lembrar-nos que o campo da mundanidade é ainda uma zona bastante selvagem, isto para os espíritos capazes de manter com relação a esta uma vigilância inquieta, uma curiosidade intensa, recusando-se a prestar contas seja a quem for na hora de levar até ao fim alguma das suas exposições.
Este escritor parecia vir de um outro mundo, um lugar tão alhures, que olhava tudo com um fascínio tal que fazia com que as coisas mais banais se esforçassem por parecer subitamente relevantes. Não teria precisado de um crime escabroso para entreter e prolongar o efeito de escândalo, pois sabia que qualquer representação depende tanto dos elementos grandiosos como dos símbolos que é possível retirar dos triviais. Tudo consolava a sua mente que nos primeiros anos não tinha mais nada de que se ocupar, e por isso foi o mais insaciável dos cronistas, deliciando-se com as relações de força, os ciúmes, os golpes baixos e as injustiças. Tinha uma certa candura em relação aos sentimentos mais desprezíveis, e conseguia por isso compreender as armadilhas sociais, e a razão porque certos indivíduos tomam decisões drásticas deitando tudo a perder.
Registava tudo, das promoções inesperadas aos mimos hipócritas e aos golpes abafados. “Música para Camaleões” foi o título da sua derradeira recolha de textos, entre o conto e o relato, terminando com alguns dos perfis que fez sobre figuras ilustres. Este título diz-nos muito sobre a natureza dessas personagens que conquistam o seu espaço dando notícias de uma à outra margem sem pertencerem a nenhuma. Como nos diz Martin Amis, quando chegou a vez de o entrevistar, cerca de seis anos antes da sua morte, precisamente quando estava ocupado na promoção deste derradeiro livro, Capote gerava vulnerabilidade e candura, sem ter nenhuma da impetuosidade real do seu amigo Tennessee Williams ou do seu velho inimigo Gore Vidal. No livro, ele mesmo se rebaixa antes que outros o façam: “Sou um alcoólico, um dependente químico. Sou um homossexual.” Mas depois também teremos de lhe conceder que não exagera quando logo de seguida adianta: “Sou um génio.” Com aquela voz que lembrava um clarinete cambaleando com esforço como se fosse soprado por um asmático, deixando escapar algumas notas mais agudas num registo de resto ronronado, sibilino, ele percebeu cedo que a chave do seu triunfo estava nessa capacidade de se misturar e dominar o foco, servindo-se dos outros para dar provas da sua existência, sendo o guarda e o animador de uma imensa galeria de espelhos. Isto permitiu-lhe gozar aquela arrogância tranquila do génio e, em vez de ter de procurar assumir destaque, limitava-se a ocupar o lugar de um juiz.
Tendo nascido em Nova Orleães, cedo foi deixado ao cuidado de familiares numa quinta rural, passando a maior parte da sua infância em Monroeville, no Alabama. Amis notava que até ao fim ele nunca se livrou inteiramente da condição de um erudito provinciano, e que talvez isto explique como conviviam nele de forma harmoniosa a sua obsessão com a alta sociedade e o interesse por homicidas e por esses indivíduos que acolhem os seus impulsos mais violentos e degradantes. Mesmo no tocante às suas preferências sexuais, em vez de procurar parceiros com a mesma inclinação, ele preferia seduzir homens de família que, num momento de crise, se deixavam guiar por ele àquele regime de fantasia e dissolução. A celebridade e os seus mistérios sempre o atraíram, acabando por se tornar um especialista capaz de antever os seus movimentos e processos.
Em muitas ocasiões disse que desde cedo soube que ia ser rico e famoso, não tendo demorado a perceber que a celebridade, particularmente na América, se alcança por meio de um ludíbrio pessoal, o desse indivíduo que vai instruindo uma espécie de culto ao viver profundamente o seu próprio mito. Um pouco como o airoso impostor que deu o título à novela de Jean Cocteau. Vale a pena transcrever o momento em que este no-lo apresenta: “Há pessoas que possuem tudo quanto há, mas ninguém acredita; ricos tão pobres e nobres tão ordinários que a incredulidade que suscitam acaba por os tornar tímidos e lhes dar uma atitude suspeita. Em certas mulheres, as mais belas pérolas parecem falsas. Em outras, ao contrário, as pérolas falsas parecem verdadeiras. Do mesmo modo, há homens que inspiram uma confiança cega e gozam de privilégios a que nunca poderiam pretender naturalmente. Guilherme Tomaz pertencia a esta raça bem-aventurada. Acreditavam nele. Não precisava de tomar quaisquer precauções nem de fazer quaisquer cálculos. Uma estrela de mentira levava-o aos fins que almejava sem rodeios. Nunca arvorava, por isso, a máscara perturbada e perseguida dos malandros. Não sabendo nadar, nem patinar, era capaz de dizer: sei patinar e sei nadar. Todos o viam imediatamente a patinar e a nadar.”
Como regista Amis, as primeiras novelas e contos de Capote, com os seus cenários sulistas um tanto nauseantes e a elevada incidência de elementos grotescos, parecem colocá-lo na tradição gótica de Carson McCullers e Eudora Welty, contudo, a partir do momento em que o seu talento começou a gerar algum alvoroço no meio literário, ele deu uma guinada e provou os seus dotes na hora de compor quadros sofisticados e em ambiente metropolitano. “Acima de tudo, o seu ouvido de romancista provou uma estupenda capacidade de adaptação: a novela Breakfast at Tiffany’s (1958) mostrou que conseguia captar Nova Iorque com a mesma acuidade com que tinha escutado Nova Orleães. E, por essa altura, vinha já produzindo também um jornalismo excepcionalmente perspicaz e original – assinara um retrato cruelmente delicado de Marlon Brando, um relato hilariante de uma viagem à Rússia com uma companhia de negros americanos a interpretar Porgy and Bess.”
Amis adianta ainda que foi nesses anos que ele teve a intuição de que havia uma forma de arte que estava ainda por ser reconhecida e que se escondia por entre as convenções do jornalismo: a ideia era que uma história verdadeira podia ser contada, fielmente, mas de forma a sugerir a amplitude da ficção trazendo para as descrições certos detalhes capazes de sugerir decisivas enfâses poéticas. Esta foi a ideia que acabou por resultar nesse romance charneira da não-ficção que é A Sangue Frio (1966), a história do brutal assassínio da família Clutter em Holcomb, Kansas. Capote passou seis anos a estudar as circunstâncias do crime e o impacto que este teve, sem saber se tinha um livro, e não só enfrentando a angústia própria do processo criativo como ainda a enorme hostilidade dos habitantes da povoação, que depois de serem abalados pelo inesperado massacre, sempre olharam com suspeita as intenções daquela rara figura que se veio ocupar deles.
Apesar da recepção crítica na altura ter-se mostrado bastante ambivalente, a controvérsia à volta do romance só aguçou ainda mais a curiosidade dos leitores, e Capote fez uma fortuna. Cumprira-se o seu próprio vaticínio, mas ele reconheceu instantaneamente que o favor do público depressa se transforma numa maldição, e que quando o monstro da curiosidade desperta faminto, este não pode realmente ser saciado, mas apenas iludido, sendo necessário manipular contra ele a sua fome de forma a mantê-lo em perpétua perseguição. Para instigar esse imenso culto que se erguera à sua volta, depois de se dar conta disto, Capote provou uma astúcia incomparável ao acicatar continuamente as expectativas com aquele que viria a ser considerado o mais ansiado romance da literatura norte-americana que nunca chegou a materializar-se.
Sem se deixar abater pela síndrome do impostor, deu-se conta de que só lhe restava manter o próprio enredo se espicaçasse constantemente a imaginação dos leitores, sabendo que, no momento em que lhes entregasse fosse o que fosse, só poderia decepcioná-los. Depois do sucesso de A Sangue Frio, para manter a besta a salivar, teria de prometer um imenso romance que retratasse até aos detalhes mais sórdidos a alta sociedade no seio da qual, entretanto, ele se vira acolhido. Esta sua obra letal iria tomar balanço no próprio passado do autor, e incorporar duas décadas de um sumptuário trilho de migalhas entre diários e cartas cheias de pormenores terrivelmente íntimos, e confidências arrancadas de entre as brasas da excitação e do estupor melancólico das suas anfitriãs e dos seus maridos bilionários e presunçosos, tantos deles dados à tagarelice. Ia ser um tour de force para empanturrar esse apetite brutal por revelações escandalosas sobre a elite, mas este banquete seria servido não apenas da forma mais perversa, num enredo magistral, que deveria corresponder à mestria arquitetónica de Proust.
Se esta elite tinha Capote como a sua mascote, se ele mesmo se acomodou aos privilégios como um omnipresente cão de colo dessa alta sociedade, na verdade, esse ser que se habituara a disfarçar o seu lado tenebroso recortando uma figura pouco ameaçadora, com aquela voz doce e amaneirada, empoleirado nas bordas dos sofás e das camas, cantarolando e induzindo um estado de transe que lhe permitia andar de um lado para o outro na intimidade dos seus convivas, não era outra coisa senão um “impiedoso satirista a aguardar o momento mais favorável” para desferir o seu golpe, como vinca Amis.
Quando quatro capítulos do labiríntico roman à clef vieram a lume nas páginas da revista Esquire, em 1975 e 1976, Capote viu-se subitamente ostracizado por aquele círculo. Na altura, ele assinalou o óbvio: “Mas, se eu sou um escritor, o que é eles esperavam?” A verdade é que, depois de expor aquela gente e provocar um colapso, deixando para trás os destroços, em vez de procurar um outro reino para dinamitar, Capote veio-se também abaixo, afundando-se no álcool e nas drogas, e ficando ainda mais exposto ao desdém e às represálias da tal elite. Mais tarde viria a desvalorizar esse período de depressão, atribuindo-lhe outras causas, enquanto garantia que as quatro secções do romance não eram mais que disparos de aviso, e mesmo se, na intimidade, não conseguia impedir-se de ser acossado por remorsos e dúvidas, nunca deixou transparecer que tudo aquilo pudesse ser uma tremenda impostura: “Esperem só até eles verem o resto que lhes está reservado”. Mas, por esses dias, já nem todos acreditavam nele.
Gore Vidal foi um dos primeiros a apontar a fraude, e numa entrevista, em 1979, expôs a sua táctica: “Sendo isto a América, se publicitares uma obra inexistente de forma insistente, esta acaba por se tornar positivamente palpável. Teria muita graça se viéssemos a receber o Nobel à boleia dessas Súplicas Atendidas, que ele, na verdade, nunca escreveu. No fundo, não passam de algumas peças desirmanadas daquilo que poderia vir a ser um romance de mexericos publicado em fascículos na Esquire. O resto é silêncio; e litigância e… ruído na televisão.” Neste caso, foi o vaticínio de Vidal que acabou por se impor.
Na segunda temporada da série antológica de Ryan Murphy, “Feud”, os oito episódios procuram dissecar o período de enamoramento e a posterior desavença entre Capote e os “cisnes” da alta sociedade nova-iorquina. A acção da série, que está a ser exibida por cá pela HBO Max, decorre entre a publicação do conto “La Côte Basque, 1965”, em novembro de 1975 e a morte, em julho de 1978, de Babe Paley, uma das socialites por quem ele mostrou mais estima e que recusou até ao fim todas as suas tentativas para obter redenção.
Com um elenco de luxo, em que Naomi Watts, Diane Lane, Chloë Sevigny, Calista Flockhart e Demi Moore, em lugar de destratarem, defendem e emprestam encanto às socialites, e Tom Hollander a não se envergonhar no papel de Capote depois da magnífica interpretação que valeu a Philip Seymour Hoffman o Óscar, e com Gus Van Sant a realizar seis episódios, esta produção consegue oferecer-nos um abrigo de sete horas face ao ruído que enche a televisão. É como se Murphy tivesse conseguido, em parte, redimir o material e as aspirações de Capote, e, ao mesmo tempo, também os cisnes, que conseguem renascer e sublevar-se, escapando ao registo mais caricatural, como um bando de medíocres mimadas, figuras de cera num tedioso museu de aparências.
O que empresta alguma sofisticação à narração é a abordagem fracturada à história, com a acção a saltar para trás e para diante no tempo, dando margem para construir um retrato bastante complexo de Truman Capote. As retrospectivas levam-nos até à sua infância dura e rude por um lado, mas por outro também expansiva e estimulante para a sua capacidade de composição, leva-nos aqueles lugares onde lhe foi possível ouvir a sua harpa de ervas, sempre a contar histórias sobre todas aquelas pessoas que fazem do fim do mundo um limite entre a realidade e a imaginação. Foi esse ambiente em iguais doses desolado e encantado que fez dele um eterno cúmplice dos seres inadaptados e, ao mesmo tempo, ansiosos de serem acolhidos.
Estas retrospectivas também nos fazem acompanhar Capote no período da sua ascensão à fama, e permitem-nos ter uma perspectiva bastante cativante dos elementos que fazem dele, segundo Martin Amis, aquele vulto que condensou em si e acelerou os atributos e peripécias que compõem a lendária imagem do grande romancista americano. “Aos oito anos era escritor, aos doze era bêbedo, aos dezasseis era uma celebridade, aos quarenta era multimilionário e aos cinquenta e nove estava morto. Todo o excesso, solipsismo, inimizade, paranoia e ambição das letras americanas foram amontoados nesses anos”, lembra Amis.
Se “Capote vs. the Swans” não pode fazer inteira justiça a um tão formidável personagem, consegue dar-nos um espirituoso relato de um período devastador na sua vida, e a série brilha à luz do pálido fogo da doença, ilustrando na perfeição a sensação de que não houve um só dia na vida de Capote que não tenha sido colorido por ela. Amis diz-nos que a sua ficha clínica deveria estar carregada de convulsões, vícios, males provocados pela desidratação; e, no entanto, o mal-estar parece ter-se tornado um hábito, uma espécie de devoção, como se Capote bebesse e se drogasse principalmente para aliviar a dor.
Se a série se faz valer das coscuvilhices e do registo de perversidade que acicata os humores, não perde também oportunidade para construir um entretenimento que balança entre a leveza e a tragédia, abrindo margem a um elemento de imaginação moral que em certas alturas não envergonha as melhores páginas de Capote. “Aquilo que eu supunha era: aqui estava um pequenote sem grandes atributos para causar uma excelente impressão, mas dotado de uma mente dramática que, tal como tantas das suas heroínas, busca atenção e quer conquistar-nos servindo uma série de mentiras meio convincentes a um bando de absolutos estranhos. Estranhos porque ele não tem amigos, e não tem amigos porque as únicas pessoas por quem nutre verdadeiros sentimentos são as suas personagens e ele mesmo – todos os outros não fazem mais do que compor a sua audiência.”
No fim de contas, talvez ninguém como ele tenha compreendido que a obsessão pela fama e pelas celebridades não é senão a expressão dessa urgência de constituir uma mitologia a partir do ímpeto para nos convencermos de que um homem pode realmente fazer a diferença e ter em si as respostas para os anseios de toda uma geração. No fundo, ele soube representar essa tragédia particular de um país imenso e que retirou toda a sua força de afirmação mítica de um tremendo devaneio individualista, uma cultura na qual a ficção não faz falta, pois a realidade é ela mesma a mais insaciável das imposturas.