O Vasco da Gama do Rio de Janeiro é, que eu saiba, o clube mais antigo com esse nome (calma que, de um momento para o outro, somos surpreendidos por alguma novidade vinda dos confins dos tempos…) e foi fundado em 21 de Agosto de 1898 por um grupo de rapazes que quis assinalar o quarto centenário da descoberta do caminho marítimo para as Índias (1498). Deram-lhe, como nome completo, Club de Regatas Vasco da Gama já que os tais moços tinham o remo como desporto favorito. Por curiosidade, já vi jogar o Vasco da Gama, lá no Rio de Janeiro, Cidade Maravilhosa, e também o Vasco da Gama Atlético Clube, em Sines, que nasceu em 1966, e o Clube de Desportos de Vasco da Gama, que é de Goa, de uma povoação chamada precisamente Vasco de Gama (eles teimam no DE), e nasceu em 1966. Mas há um Vasco da Gama que nunca vi jogar: o Vasco da Gama Futebol Clube, de Recarei, concelho de Paredes, o mais antigo depois do seu homónimo carioca (foi fundado em 1930), mas que não tenho notícias que esteja, neste momento, a participar de qualquer campeonato cá dos nossos mas que, pelo que percebo, tem gente com vontade de o fazer regressar à vida (vejam por exemplo o https://vascodagamafcrecarei.blogspot.com/) e possui um livro sobre a sua antiquíssima história que acabei de encomendar, além de umas camisolas bem significativas que são mais ou menos gémeas do terceiro equipamento do Vascão – os cariocas têm três equipamentos oficiais, todos com a lista diagonal – um em branco cortado a preto; outro preto cortado a branco; e finalmente aquele que chamam o equipamento português, vermelho cortado a verde. Em_Recarei preferiu-se um vermelho cortado a azul e muito bem, há sobretudo que reconhecer que este nosso tão português Vasco da Gama lá do norte varia ligeiramente do de Sines e do de Goa pois estes preferiram copiar o original do primeiro dos Vascos.
Esse ano de 1923
Antes que a prosa se torne demasiado confusa, vamos aos factos. O Campeonato Carioca de 1923 foi a primeira grande conquista do clube que tem a alcunha de cruzmaltino por via do seu emblema com a Cruz de Malta. Com um significado mais profundo ainda: é que essa equipa que jogava de camisas negras era formada essencialmente por jogadores negros e das classes mais baixas do Rio de Janeiro de então. Ora, esse não foi, certamente, um pormenor despiciendo para que o Clube de Regatas Vasco da Gama tenha ganhado raízes profundamente populares e aumentado muito a sua preferência junto dos descamisados da Cidade Maravilhosa que tem uma ou duas coisas muito pouco maravilhosas como não podia deixar de ser.
No ano seguinte, um cidadão português, nortenho, natural de Recarei, de apelido Ferreira da Silva, foi ao Rio de Janeiro para um daqueles casamentos muitos próprios da altura, arranjados pelas famílias. Encantou-se pela noiva, felizmente para a família que, ao que se sabe, medrou até aos dias de hoje, e encantou-se pelo ambiente carnavalesco que envolvia o Vasco da Gama promovido pelos seus adeptos. Um ambiente carnavalesco que era, igualmente, um ambiente de luta saudável contra o racismo que ainda se fazia sentir no Brasil com bastante agressividade. O noivo voltou a casa como marido, trouxe no coração a paixão pelo Vascão, e quando encontrou condições necessárias para o fazer, fundou o Vasco da Gama Futebol Clube de Recarei, uma zona que ficara marcada por alguns assaltos perpetrados por José Teixeira da Silva, o famoso José do Telhado, ao qual o Camillo Castelo Branco aplicou a alcunha de Repartidor de Bens Indivisos, contribuindo para a lenda que fez dele uma espécie de Robin dos Bosques à portuguesa, mesmo que tenha sido condenado ao degredo e tenha deixado as ossadas em Angola, em Mucari, na província de Malanje.
A história do Vasco da Gama de Recarei ficou por conta de um dos descendentes do seu fundador, Ivo Rafael, que pertence já à quarta geração de homens ligados ao clube. E a instituição cresceu durante os primeiros anos de existência com fortes ligações à filosofia do Vasco da Gama campeão carioca de 1923 – apoiada na classe operária, tendo como jogadores e adeptos gente que trabalhava de sol a sol para sobreviver e para garantir a sobrevivência dos seus. Hoje, quando o Vascão entra em campo com a camisola vermelha cortada pela diagonal verde não presta apenas homenagem aos muitos portugueses que estiveram na génese da sua aparição. É como se fosse uma versão gigante do Vasco da Gama de Recarei que, tal como Dom Sebastião, promete voltar um destes dias.