Foi a última semana de debates, depois de duas semanas intensas de frente-a-frentes, seguido sempre de discussão das propostas, nos mais diferentes cenários, seja pelos próprios protagonistas, seja por representantes ou comentadores. Mais do que nunca a forma contava, pois em matéria de conteúdo dificilmente haveria novidade.
É justo dizer que, considerando apenas os debates, Pedro Nuno Santos assume a liderança, mesmo que com pouca vantagem de Luís Montenegro. Sem hostilizar os votos ao centro, que era para mim um dos maiores desafios deste ‘jovem turco’, conseguiu rapidamente ajustar a estratégia à definição dos partidos mais à direita, em particular na sequência do ‘não é não’ de Montenegro a André Ventura. Assistimos a partir daqui a um reforço do apelo ao voto útil, feito sempre de forma equilibrada, ancorado na ideia de estabilidade à esquerda com provas dadas, numa alusão clara ao sucesso da ‘geringonça’. Perante um PSD incapaz de liderar o que por diversas vezes rotulou de bagunça à direita, Pedro Nuno Santos tentou sucessivamente passar a ideia de um líder preocupado com o futuro, responsável face ao passado, com estratégia e vontade de ação. Claro que o meu comentário não reflete declarações seguintes, as quais incompreensivelmente parecem querer deitar por terra o capital alcançado.
Luís Montenegro, por sua vez, apesar de uma prestação menos bem conseguida no debate com Pedro Nuno Santos, tem demonstrado consistência nas mensagens e preparação nos temas.
Naturalmente que o tabu sobre a governabilidade em caso de a AD perder as eleições não o favoreceu, mas, refletindo politicamente e com base no cenário atual, nomeadamente da força do Chega, que muito gostaria de o ouvir dizer que viabilizaria um governo PS, creio que o prejudicou menos do que uma eventual resposta.
Mais à esquerda, e em particular o Bloco, creio que os partidos não perderam votos, consolidando as suas bases eleitorais. O Livre parece ter espaço para crescer, enquanto a CDU, apesar de ter surpreendido nas suas últimas prestações, vai seguramente confrontar-se com uma nova realidade em matéria de representatividade do partido no país. Finalmente o PAN, ao afirmar-se como um partido de causas, capaz de negociar o apoio em função de projetos concretos sem curar de refletir sobre o espetro mais geral da coerência programática, não creio que aumente a votação, principalmente se a estratégia de bipolarização entre PS e AD aumentar de intensidade.
À direita, enquanto a IL parece estar bem de saúde, eventualmente até captando votos que se julgavam perdidos, o Chega vai capitalizando a indignação. A definição de Montenegro em relação a André Ventura corre contra o Chega, ainda assim, parece-me que o efeito é limitado. Tudo parece indicar que a votação não andará longe de algumas das últimas sondagens.
Isto dito, os debates ajudam a esclarecer, mas dificilmente, de forma isolada, definem o voto. Pelo que, as próximas semanas serão sem dúvida determinantes, eventualmente até pela expectativa criada. Uma coisa parece ser quase certa: está tudo em aberto.
Rui Rocha vs. Luís Montenegro
Mesa negocial
Em clima de negociação e com direito a caderno de encargos, de Rui Rocha para Montenegro, foi um debate equilibrado e esclarecedor. Rui Rocha esteve muito bem quando com assertividade afirmou que a solução para o país estava naquela mesa, salientando em seguida a mais valia da IL enquanto partido da solução e garantia de mudança. Luís Montenegro, como seria expectável, foi apontando as diferenças, em torno essencialmente de argumentos entre menos Estado e mais Estado, ancorado no que rotulou de complexo ideológico, enquanto ia sugerindo haver espaço para conciliar posições, como nos impostos e na saúde, mas também linhas vermelhas, como na CGD.
Rui Tavares vs. André Ventura
Um debate de surdos
Vantagem de cá, vantagem de lá, as acusações sucederam-se, com particular responsabilidade de Rui Tavares. E por uma razão simples, foi ele que escolheu jogar no campo do adversário. Se o caso das fotografias, abusivamente tiradas dos filhos deste numa escola privada, pertence ao foro da justiça, a questão subjacente, com a qual discordo em absoluto, é passível de debate político. Em causa está a hipocrisia de uma certa esquerda do ‘faz o que eu digo não faças o que eu faço’, que rasga as vestes pela escola pública, enquanto tem os filhos nos colégios privados. E o mote estava lançado, com o feitiço a virar-se contra o feiticeiro.
Rui Tavares vs. Luís Montenegro
Conversa útil
Uma tranquila troca de ideias, com importantes pontes de diálogo. No caso da justiça, tema que foi bem explorado, concordaram ambos com a criminalização do enriquecimento ilícito, com Montenegro a relembrar as reformas executadas por ocasião da troika e a manifestar disponibilidade para consensos, alargado a todos os partidos e a envolver os principais operadores. Já quando o tema se centrou nos jovens, em modo de duelo, quase concordaram na semana de quatro dias, tema caro a Tavares e que Montenegro disse valer a pena explorar, apenas com a ressalva de ter sempre de ser uma política facultativa, por um lado, e, por outro, conciliável com a natureza da empresa.
Mariana Mortágua vs. Rui Rocha
Vamos lá fazer contas
Um debate com muita ideologia – e contas – que acabou por ser genericamente bom para ambos os candidatos. Rui Rocha procurou colar o BE ao PS e a uma visão que não traz crescimento ao país. Em modo comício, identificou-se como sendo do partido ‘dos que querem crescer pelo seu trabalho’ e ‘das empresas que querem ser grandes’. Mariana Mortágua, por sua vez, acusada de enviesamento ideológico, foi firme na defesa das suas propostas, principalmente em matéria de habitação, acusando o adversário de querer dar cheques aos privados e promover borlas fiscais aos mais ricos. Públicos diferentes e votos também seguramente muito diferentes.
Mariana Mortágua vs. Pedro Nuno Santos
Pisca-pisca
Em ambiente de saudosismo da geringonça, que Pedro Nuno Santos qualificou como 4 anos de ‘boa memória’, Mariana Mortágua, por vezes a falar pelos dois, manteve-se firme na clarificação de diferenças, como nas privatizações e na CGD, mas também na definição de temas prioritários, como a habitação, saúde e salários. Reforçando constantemente a necessidade de clareza, foi eficaz na desvalorização das maiorias absolutas. Pedro Nuno Santos, sem hostilizar, terminou a dizer com frontalidade que o país tem hoje prioridades de futuro, que é fundamental andar em frente e que qualquer processo negocial necessita de clareza, mas também de abertura.
Paulo Raimundo vs. Pedro Nuno Santos
Porto seguro
Um bom debate, mas sem grandes surpresas. Como já tinha acontecido com Luís Montenegro, Paulo Raimundo voltou a apontar o dedo a PS e PSD pelo estado do país, definindo-se como ‘porto seguro’ da esquerda, capaz de condicionar as soluções a partir de 11 de março. Pedro Nuno Santos, por sua vez, assumiu a voz da responsabilidade, defendendo a sustentabilidade das contas públicas e acusando o PCP de cair na tentação da ‘chuva de promessas’. Perante um Paulo Raimundo muito direto e crítico, a questionar por que razão tudo o que foi dito não foi feito, o abraço da paz veio de Pedro Nuno Santos, que, em tom motivacional, acabou a lembrar a geringonça: ‘Vamos agarrar-nos a isso’.
Mariana Mortágua vs. Inês Sousa Real
Incoerências
Apesar dos vários pontos de entendimento, como a falência da maioria absoluta, a revogação dos projetos PIN e o Simplex Ambiental, também houve divergências, com Mariana Mortágua a ser novamente cirúrgica ao questionar a coerência do PAN no apoio que deu ao governo da Madeira, exemplo de destruição ambiental, e dos Açores, de ataque à igualdade. Inicialmente à defesa, Sousa Real começou com a ladainha das causas e das iniciativas aprovadas, logo entrando em modo de contra-ataque com a luta contra o crescimento de forças populistas antidemocráticas. Genericamente bom, com ligeira vantagem para Mortágua, que nunca se esquece com quem está a debater.
Pedro Nuno Santos vs. Luís Montenegro
Incómodos
Era o debate mais aguardado, mas dificilmente respondeu às expectativas dos eleitores. Mais do que nunca a forma contava e aqui Luís Montenegro perdeu. Em tom agressivo e sem deixar Pedro Nuno Santos falar, raramente respondia às perguntas de forma direta, sendo claramente superado pelo adversário nos primeiros minutos quando num cenário de quase cerco por polícias aos gritos limitou-se a responder que a primeira coisa que fará ao assumir a liderança do governo é negociar o suplemento remuneratório. Todas as manifestações são legítimas, mas naquele contexto Pedro Nuno Santos fez muito bem lembrar que nunca se negoceia sob coação, nem mesmo se esta for simplesmente aparente. A novidade da noite também pertence ao candidato socialista, que admitiu viabilizar um governo vencedor da AD, não propondo, nem viabilizando uma moção de rejeição. Já quanto ao orçamento, aproveitou bem a oportunidade para salientar as diferenças programáticas entre os partidos e a importância de respeitar o voto dos eleitores nunca aprovando ou prometendo aprovar em abstrato o que não se conhece. Passado este momento assistimos à execução das estratégias entretanto ensaiadas, executadas com maior ou menor eficácia em todos os temas discutidos. Enquanto Pedro Nuno Santos se agarrou à retórica da ação e de uma solução governativa de estabilidade à esquerda, Luís Montenegro reforçou o cenário de um país sem esperança, da necessidade de mudança e de uma irremediável imaturidade do adversário. Um empate que deixa tudo em aberto, talvez com desvantagem para Montenegro.