Quando se reparte umbolo, a única forma de dar a alguém uma fatia maior é reduzir o tamanho das fatias que alguns dos outros recebem. Chama-se a isto um jogo de soma nula, em que mais para uns implica menos para os outros.
É como um jogo de soma zero que esquerda mais radical (e crescentemente a direita nacionalista) vê as democracias liberais capitalistas. Ilustrando, Paulo Raimundo afirma que existe em Portugal suficiente riqueza só que está mal distribuída, enquanto que o Bloco de Esquerda propõe-se ir buscar o dinheiro onde ele está. Esta política à ‘Robin dos Bosques’ aparece, por vezes, em formas mais subtis. Por exemplo, ‘dificultar os despedimentos para combater o desemprego’, ‘restringir importações para proteger a indústria nacional’, ‘proibir a compra de casa por não residentes para facilitar o acesso à habitação’, ‘limitar os salários mais altos para poder aumentar os mais baixos’, ‘a concorrência dos privados enfraquece o SNS’ ou ‘os imigrantes roubam empregos aos nossos’. Alimenta-se, assim, uma visão conspirativa e antagonística do mundo, marcado pela divisão entre ‘nós e eles’, ‘opressores e oprimidos’, ‘bons e maus’. O erro fundamental desta conceção é ignorar que o ser humano reage a incentivos económicos para trabalhar, cooperar, investir e assumir riscos. Como a história demonstra, ignorar esses incentivos sempre acabou por gerar um bolo menor e agudizou conflitos sociais pela sua repartição.
Os liberais, mais à direita ou mais à esquerda, que são naturalmente progressistas e otimistas, sempre contestaram esta mundivisão. Para eles a atividade de indivíduos livres, interagindo, cooperando e concorrendo numa economia de mercado pode tornar o bolo maior. E, aumentado o tamanho do bolo, é possível reparti-lo de uma forma a que ninguém fique prejudicado. Alguns poderão ganhar mais, mas todos poderão (potencialmente) ver o seu quinhão acrescido. É por isso que os liberais dão tanta importância ao sistema incentivos a criar riqueza.
Mas também entre os liberais existem ilusões. A mais comum é acreditar que os frutos do crescimento económico são necessária e automaticamente partilhados por todos. Nada, na realidade, garante que a possibilidade de todos ganharem se torne realidade. Mas dessa ilusão resulta a crença, algo ingénua, de que os problemas do tamanho do bolo e o da sua repartição podem ser separados e tratados sequencialmente, ‘primeiro criar riqueza e depois pensar como a distribuir’, como se ouve muitas vezes entre muitos liberais nacionais. A razão pela qual os ganhos do crescimento não são, necessariamente, socializados é fácil de entender: não existe qualquer mecanismo natural ou de mercado que force os ‘vencedores’ (que também são os mais poderosos), por muitas promessas que estes façam, a compensar os ‘perdedores’. Só as instituições da sociedade e o Estado podem resolver este problema, arbitrando entre os interesses conflituantes sobre a divisão do bolo e, desde modo, criar os consensos sociais indispensáveis ao crescimento.
Todos ambicionamos viver numa sociedade mais rica, mais livre e mais justa. Tal só se consegue com um equilíbrio inteligente entre o mercado e o Estado. Ao contrário do que Pedro Nuno Santos afirma, não existe escolha entre Estado social e liberal. Não é por acaso que os países europeus no top 10 do índice de liberdade económica da Heritage Foundation são os mais ricos e também aqueles que têm estados sociais mais desenvolvidos.
Professor universitário