A propósito do Dia Mundial da Obesidade, a 4 de março, ocorreu-me o seguinte: “O que já andamos e o que ainda nos falta para andar”. É preciso que todos saibam que é uma doença, porque se o diagnóstico de obesidade for feito, o doente tem mais probabilidade de ser seguido em consultas diferenciadas e de ser devidamente tratado.
Em 2024, Portugal celebra 20 anos do reconhecimento pela Direção-Geral de Saúde de que a obesidade é uma doença. Este é um facto muito importante, porque só recentemente países como a Itália reconheceram a obesidade como doença e outros ainda não o fizeram. Portanto, Portugal foi pioneiro. Este é um ponto positivo para o nosso país, mas falta muito ainda para fazer uma correta abordagem das pessoas com obesidade.
O facto de ser considerada uma doença é extremamente importante. Estudos científicos mostraram que se o diagnóstico de obesidade for feito, o doente tem mais probabilidade de ser seguido em consultas e de lhe ser proposto um tratamento e ter a sua doença tratada.
Nós já sabemos muito sobre obesidade. Por exemplo, sabemos que é uma doença crónica, complexa, multifatorial, progressiva e recidivante – e que está associada a múltiplas comorbilidades, ou seja, à ocorrência de várias doenças no mesmo doente e ao mesmo tempo, que se podem potenciar mutuamente.
De facto, sabemos que a obesidade está associada a mais de 200 outras doenças ou comorbilidades. São as chamadas “4 Ms”: “Metabólicas”, como a diabetes, a dislipidemia (colesterol e triglicerídeos aumentados), a hipertensão, a doença cardiovascular e os cancros; “Mecânicas”, como a osteoartrite, a apneia do sono, a incontinência urinária, o refluxo gastroesofágico e as varizes; “Mentais”, como a ansiedade a depressão; mas também “Monetárias”. Tratar a obesidade pode ser uma despesa, mas não fazer nada e deixar que todas estas complicações se instalem, para mais tarde as tentar tratar, sai ainda muito mais caro.
Hoje nós sabemos muitas coisas sobre a obesidade.
Hoje nós sabemos que a obesidade pode ter várias causas, que o peso da genética é enorme, obviamente tendo em consideração o ambiente em que vivemos. Hoje nós sabemos que o cérebro tem um papel importantíssimo no controlo da regulação do apetite e saciedade.
Hoje nós sabemos que existem vários tratamentos que são eficazes e seguros. Mas, sabemos que ainda não temos acesso a todos os fármacos já aprovados pela EMA em Portugal.
Hoje nós sabemos que se o doente perder 5%, 10% ou 15% do excesso de peso, poderá ter uma regressão ou uma melhoria das múltiplas comorbilidades, reduzir as suas medicações crónicas, ter melhor qualidade de vida e viver mais anos com qualidade.
Nós também sabemos que em Portugal, cerca de 60% das pessoas têm obesidade e pré-obesidade.
Então, temos de nos questionar: porque é que não tratamos a obesidade à luz dos conhecimentos atuais? Porque ainda se diz que o tratamento desta doença é muito simples: “basta comer menos e mexer mais”? Esta afirmação não considera a complexidade da obesidade, das alterações genéticas, biológicas, hormonais, entre outras que lhe estão subjacentes.
Isto provavelmente significa que temos de fazer mais formação em obesidade dirigida a toda a classe científica, mas também para o público em geral, para que não olhem para as pessoas com obesidade como “pessoas com falta de força de vontade ou até preguiçosas…”. Porque nós sabemos que o estigma associado ainda é enorme.
E mais, quando se fala em prevenção, é fundamental referir que esta é extremamente importante para aqueles que ainda não têm a doença, mas, sobretudo para aqueles que já a têm – e atualmente, são mais do que os que não têm. É igualmente essencial que todos os fármacos disponíveis na Europa sejam acessíveis para todas as classes sociais, já que também sabemos que a obesidade é mais comum nas classes sociais mais desfavorecidas, que têm menos acessibilidade quer a consultas quer aos fármacos que não são comparticipados.
E questiono: será que nós entendemos a doença chamada obesidade? Provavelmente ainda não completamente.
A força da mudança reside não só na comunidade científica, mas sobretudo nos doentes e nas associações de doentes com obesidade. Para que o Dia Mundial da Obesidade não seja apenas uma data no calendário anual para falar desta doença e no dia seguinte seja completamente votada ao esquecimento, é preciso contar mesmo com todos.
Paula Freitas
Coordenadora de Endocrinologia do Hospital CUF Porto | Professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto