Não tão tech assim

À medida que mais informações pessoais são coletadas e processadas por algoritmos de IA, surge a preocupação com quem tem acesso a esses mesmos dados e a forma como são utilizados.

Num mundo onde os Flintstones construíam as suas casas de pedra e viajavam em carros movidos à força dos pés, a ideia de uma inteligência artificial teria parecido tão distante e absurda quanto a ideia de um dinossauro domesticado. No entanto, à medida que avançamos para uma era digital, a inteligência artificial emergiu como uma força transformadora, trazendo consigo desafios éticos, jurídicos e sociais que rivalizam com as aventuras e os desafios da família Flintstone.

Assim como os Flintstones precisavam de encontrar soluções criativas para os desafios do seu mundo, também nós enfrentamos diversas dificuldades ao integrar a inteligência artificial nas nossas vidas. Um dos maiores problemas é a privacidade dos dados.  À medida que mais informações pessoais são coletadas e processadas por algoritmos de IA, surge a preocupação com quem tem acesso a esses mesmos dados e a forma como são utilizados.  

Naquela época, as preocupações de privacidade estavam mais ligadas à proteção contra predadores naturais ou à manutenção da segurança dentro da comunidade de BedRock. As casas de pedra dos Flintstones, embora rudimentares, ofereciam um certo nível de privacidade física relativamente ao ambiente externo.  Para Fred Flintstone e a sua família, a privacidade estava mais ligada à proteção dos próprios assuntos dentro da comunidade pré-histórica de Bedrock. Os seus lares, embora não fossem equipados com tecnologias de vigilância ou dispositivos de monitorização, ofereciam um espaço onde se podiam isolar da sociedade e desfrutar de momentos de intimidade com os seus entes queridos.

No entanto, com o avanço da tecnologia, especialmente com a introdução da inteligência artificial, as preocupações com a privacidade tornaram-se muito mais complexas. A recolha massiva de dados pessoais por meio de dispositivos conectados à internet, como smartphones, computadores e dispositivos domésticos inteligentes, levanta questões sobre quem tem acesso a essas informações e como as mesmas estão a ser utilizadas.

Algoritmos poderosos são capazes de analisar grandes quantidades de dados pessoais para traçar perfis detalhados dos indivíduos, incluindo as suas preferências, comportamentos e até mesmo as suas emoções. Esta realidade levanta preocupações significativas sobre a invasão da privacidade e o potencial para a utilização indevida dessas informações, como o direcionamento de publicidade altamente segmentada ou a discriminação algorítmica.  Relembre-se o leitor do que sucede no seu smartphone quando vai a um Centro Comercial e começa a receber anúncios das grandes superfícies ou das operadoras de telecomunicações.  Já pensou nisso?

Os Flintstones tinham que se preocupar com a segurança das suas casas de pedra contra intrusos, nós agora enfrentamos o desafio de proteger a nossa privacidade digital num mundo cada vez mais dominado pela inteligência artificial o que requer uma combinação de medidas técnicas e organizativas como a criptografia e controlos de privacidade que, em conjunto com regulamentações e políticas garantam a proteção dos direitos individuais dos utilizadores e consumidores de tecnologia.

No entanto, o paradoxo desta nossa aldeia global como muitos teimam em chamar, é que acaba por existir muito mais privacidade no mundo digital do que numa aldeia remota em Trás-os-Montes.   Na aldeia todos sabem a vida de todos e aí não possuem configurações técnicas especificas para determinarem qual o nível da privacidade individual que deve ou pode ser partilhada nem configurações de cookies que permitam de forma automática o tipo de informações das suas vidas quotidianas que poderão ou não ser partilhados com os vizinhos.

O potencial viés algorítmico ou “bias”, representa outro desafio significativo à inteligência artificial. Aquilo que a sabedoria popular poderia indicar como “Quem conta um conto, acrescenta um ponto”! A exclamação é propositada.   Os algoritmos de IA podem assim refletir e amplificar preconceitos existentes na sociedade, conduzindo a resultados discriminatórios em áreas como a contratação, o crédito, a justiça ou outros. Assim como os Flintstones enfrentavam perigos imprevistos nas suas aventuras, nós também enfrentamos o desafio de garantir que os sistemas de IA sejam justos, transparentes e imparciais.  Nos Flintstones, a noção de justiça e imparcialidade era simplificada e baseada em princípios básicos de equidade dentro da comunidade pré-histórica.

Na era digital da inteligência artificial, os desafios para garantir a justiça e a imparcialidade são muito mais complexos. Os algoritmos de IA, embora sejam desenvolvidos com o objetivo de tomar decisões de forma objetiva, podem inadvertidamente perpetuar preconceitos e discriminação presentes na sociedade.  E isso pode ocorrer de várias maneiras, desde a seleção de candidatos para empregos até à concessão ou não de crédito e descriminação.

À medida que a automação e a inteligência artificial transformam a forma como trabalhamos, também muitos empregos tradicionais poderão ser substituídos por máquinas e algoritmos.    Fred Flintstone e os seus amigos tiveram que adaptar às novas tecnologias da época, como carros movidos a pés, telefones de conchas, televisores com ecrans de pedra e até a uma icónica hamburgueria de fast food, o Pedregulho Burger com um dinossauro que triturava a carne e um pássaro que servia refrigerantes, qual MacDonalds dos tempos modernos!   Nós, enfrentamos a necessidade de nos adaptarmos a uma economia cada vez mais digitalizada, automatizada e agora sim verdadeiramente global.  Historicamente, um exemplo claro desse impacto pode ser observado no setor produtivo durante a Revolução Industrial, onde os avanços tecnológicos da época, como máquinas a vapor e sistemas de produção em massa substituíram muitos empregos manuais e artesanais. Da mesma forma que na era digital, o avanço da automação e da mecanização na Revolução Industrial resultou na substituição de trabalhadores por máquinas capazes de realizar tarefas de forma mais eficiente e económica.  A história é cíclica e nada melhor do que relembrar os ensinamentos passados para perpetuarmos um futuro melhor.

Tal como os Flintstones precisavam de se adaptar às novas tecnologias para sobreviver, nós também enfrentamos o desafio de requalificação e realocação de trabalhadores numa economia cada vez mais digitalizada. Isso requer investimentos na educação e na formação para garantir que os trabalhadores estejam preparados para os empregos do futuro e sejam capazes de se adaptar às mudanças tecnológicas em curso.

Além dos desafios técnicos e humanos, também nos deparamos com questões éticas e jurídicas complexas relacionadas com a inteligência artificial. Quem é responsável quando um algoritmo comete um erro? Como garantimos que os direitos individuais sejam protegidos num mundo cada vez mais dominado pela tecnologia? Estas são perguntas urgentes que exigem respostas claras e regulamentação adequada.

Para superar todos estes obstáculos, é essencial uma abordagem colaborativa e multidisciplinar. Assim como os Flintstones confiavam uns nos outros para enfrentar os desafios do seu mundo, também nós devemos trabalhar em conjunto para desenvolver políticas e regulamentação que garantam que a inteligência artificial seja usada de forma ética e responsável.

Embora os desafios que enfrentamos na era da inteligência artificial sejam significativos, também representam oportunidades para impulsionar a inovação e melhorar a qualidade de vida em todo o mundo.

À medida que confiamos mais e mais em algoritmos e sistemas automatizados, surge a preocupação com o controle e a transparência dessas tecnologias. Fred Flintstone confiava na sua engenhosidade para enfrentar os desafios do seu mundo, nós devemos encontrar maneiras de garantir que a inteligência artificial seja usada de forma ética e responsável.

A adaptação é essencial para sobreviver e prosperar num mundo em constante mudança. Assim como Fred, Wilma, Barney e Betty precisaram de se ajustar às novas tecnologias e desafios, também nós devemos estar dispostos a aprender e evoluir para acompanhar o ritmo das inovações tecnológicas. Yabadabadoooo!!!!

Advogado e Diretor Jurídico e de Compliance na Unbabel