Uma carreira com altos e baixos. João Lagos, que foi campeão de ténis em Portugal, cansou-se do amadorismo e mudou para a carreira de empresário. Foi o rosto do Estoril Open durante 25 edições, mas os problemas financeiros causados pelo cancelamento do rally Dakar trocaram-lhe as voltas e viu-se obrigado a desistir do torneio que mantém o nome, mas está em outras mãos. Agora, quer concorrer ao autódromo do Estoril até para preservar a memória do filho que perdeu no ano passado.
Tornou-se conhecido dos portugueses pelo ténis, mas li que a sua paixão inicial era o futebol, e que foi desviado desse sonho por ter sido encontrado um desvio no septo nasal. Então o ténis não foi amor à primeira vista? Amor à primeira vista tive uma série deles e ao mesmo tempo. O futebol é uma coisa óbvia. Qualquer criança começa por dar uns pontapés numa bola antes de qualquer outro brinquedo que possa ter. Há uns que têm mais jeito do que outros.
Como entrou no ténis? Toda a família jogava ténis, o meu avô materno tinha uma casa na Cruz Quebrada e ainda antes de existir o Estádio Nacional – o Jamor, com aqueles campos de ténis e estádio de futebol – já o meu avô tinha um campo nas traseiras da casa, a meias com um vizinho. Toda a minha família jogava e eram oito irmãos: cinco raparigas e três rapazes. Mais tarde, o meu pai quando começou a namorar com a minha mãe também aprendeu a jogar. Por isso, começar a jogar era uma coisa natural. Uns anos mais tarde, 10 de junho de 1994, nasceu o Estádio Nacional com todo aquele complexo desportivo.
Acabou por entrar no mundo profissional do ténis. Isso foi quando? É muito mais tarde. Com dez anos de idade vou para o liceu Passos Manuel e descubro um amigo, Manuel Salgado, o famoso arquiteto. Éramos garotos no primeiro ano do liceu e disse-me que jogava ténis em Cascais e que havia uns campeonatos para miúdos. Pensei: o que é isso de campeonatos para miúdos? Fiquei curioso e quis ir jogar com ele, se jogava em campeonatos queria saber qual era o meu nível. Jogava ténis com a família, mas não tinha ideia nenhuma de qual seria o nível em competição face a miúdos da minha idade. Surpreendentemente, ganhei. Fiquei com a ideia que jogava bem. Nos primeiros campeonatos no Jamor não havia para jovens e, em determinada altura, em que me inscrevo percebi que os jogos caseiros davam para ganhar a todos.
Aos 18 anos mudou-se para Londres. Portugal não estava preparado para levar esta modalidade a sério? Já era campeão Júnior. Aos 18 anos, um grande amigo que vivia em Londres, o José Almeida Araújo, agora com 100 anos, desafia-me. Achava que aqui não saía da cepa torta e que em Inglaterra o nível do ténis era muito superior. Fui e tive a oportunidade de ficar os primeiros tempos em casa dele. Introduziu-me no Queens Club, o melhor que havia em Londres. Aliás, era o único que tinha campos cobertos. Em Londres por causa daquele clima não era o sítio ideal para seguir uma carreira. O normal era ter ido para a Florida ou Austrália, onde o clima fosse bom o ano inteiro para se poder jogar sistematicamente. Em Londres não era de todo assim, os campos cobertos eram bastante reduzidos e apesar de ter podido frequentar o clube através desse amigo, as facilidades não eram as ideais, mas mesmo assim era um bocadinho melhor do que aqui em termos de nível e isso, de alguma forma, ajudou-me a que me desenvolvesse. Cresci sobretudo porque viver em Londres só de si já é uma grande escola cívica e, apesar de não ter um treino específico por aí além, o facto de viver lá, vivendo naquele ambiente do clube e de jogar com os membros do clube, com quem fazia apostas, era ainda uma forma de ganhar umas massas para me aguentar por lá.
Li que teve vários trabalhos para pagar os treinos, desde lavar carros, a trabalhar em restaurantes, até fazer desfiles… Costumo brincar que andei à volta das panelas. Ia para a cave dos restaurantes e havia mais panelas do que pratos. Enfim fazia de tudo um pouco.
Como lavar carros? Fiz de tudo um pouco. Estive três anos em Londres, mas estive um mês na casa do meu amigo que tinha um carro lindo que era um Aston Martin DB4, e mesmo quando não estava na sua casa, em Chelsea, frequentava-a muito e quando chegava ao sábado ia-lhe lavar o carro que estava parado à porta. Por delicadeza, por gentileza lavava-lhe o carro, mas como lavava com tanto cuidado, os vizinhos que também tinham carros bons vieram-me perguntar se lhes podia fazer o mesmo. Aproveitei, disse que não era profissional. Arranjei uma série de clientes e ia fazendo umas massas.
Tornar-se profissional no ténis exigia muito dinheiro? Enquanto jogador era extremamente dispendioso. O ténis, naquela época, nos anos 60, não estava nem de perto nem de longe com a organização que tem de alguns anos a esta parte, nem havia tantos torneios e era 100% amador. Não havia um ATP [torneio mundial de ténis], não havia uma organização internacional e universal com um calendário, nem internet, em que os torneios eram todos catalogados por ordem de calendarização ao longo do ano. Havia realmente torneios, mas primeiro que descobríssemos onde é que iria haver era complicado. Era tudo 100% amador. Não havia um prize money. Se quisesse jogar num campeonato qualquer, não sei aonde, tinha de pagar todas as despesas, desde avião, a hotel, etc. E mesmo que ganhasse o campeonato não dava para nada, porque a despesa era maior, uma vez que, à medida que se vai ganhando vai-se ficando a semana toda fora. Era muito difícil e, por essa razão, fiquei muito aquém daquilo que poderia ser o meu potencial atlético.
Mas sagrou-se campeão da modalidade… Em 65, 66, 67, em singulares. Depois aborreci-me, era fácil demais ganhar o campeonato de Portugal, que era o mais importante na nossa carreira naqueles tempos. O que queríamos era jogar fora, mas isso não era uma coisa evidente. As dificuldades eram muitas. Tudo era muito difícil e, por isso, a minha carreira enquanto jogador foi muito limitada. Costumo dizer que não atingi nem 50% do meu potencial.
Acabou por abandonar a carreira cedo… Nasci em 1944, o 25 de Abril chega quando tenho 30 anos e vejo o ténis conotado como um desporto de elite neste país. Naquela época, havia esse constrangimento e era claríssimo que o ténis era uma modalidade para acabar, assim como o golfe e a vela. Um disparate, mas era essa a ideia que havia e é, nessa altura, que resolvo agarrar o ténis. Para mim era inconcebível pensar que iriam acabar com isso. Pensei, vou-me bater, sem sequer imaginar o que poderia vir a acontecer. Fundei a minha escola de ténis um mês depois do 25 de Abril, mas fundar a minha escola não tinha nada que saber, bastava comprar um balde e 50 bolas para meter lá dentro. Fiz um acordo, na altura com o CIF, Clube Internacional de Futebol, em que cada dia que ia havia cada vez menos gente. As pessoas tinham medo de praticar ténis porque eram conotadas como sendo fascistas. Como as pessoas tinham receio, o clube estava cada vez mais deserto e tive dias e meses em que estava sozinho, apenas com os alunos que, entretanto, fui conseguindo entre a comunidade dos meus amigos. Muitos foram para fora nessa altura, nomeadamente para o Brasil, mas entre aqueles que ficaram que, apesar de tudo eram bastantes, digo-lhes que vou começar a ETJL, Escola de Ténis João Lagos, a minha escola de ténis, e tinha o sonho antigo de um dia transformar o ténis numa coisa bem diferente daquilo que foi nos meus tempos de jogador, que era algo muito pequenino e muito pouco desenvolvido. Pensei onde é que vou arranjar alunos? Na altura, não havia telemóveis. O único ponto de encontro que havia das minhas relações mais próximas era a discoteca Stones, não era o sítio mais ideal e mais indicado para se arrancar com um projeto desportivo. Mas era um ponto de encontro e quando dizia que ia começar a escola de ténis, muitos amigos disseram-me que agora é que iriam começar a jogar. Foi o passa palavra e ao fim de um mês estava carregado desde as 8h da manhã até ao pôr do sol. Lembro-me que nem tempo tinha para almoçar. O presidente do clube, o António Pinto Basto, estava encantado por estar a dar um mínimo de vida ao clube. Depois a coisa foi-se desenvolvendo.
E foi crescendo… Nessa altura, a miudagem estava um bocadinho agarrada a Alfredo Vaz Pinto, o meu grande rival nos campeonatos. Tinha mais cinco anos do que eu e já era campeão quando o destronei com os meus títulos de campeão nacional de ténis de 65, 66 e 67. Ele era professor de educação física e tinha uma escola, onde treinava os miúdos com mais talento. Juntavam-se à volta dele no Jamor, mas não tinha muito tempo porque tinha muitas aulas de ginástica nos liceus e como não prestava a atenção que alguns desses meninos talentosos sentiam que precisavam, começaram a vir ter comigo ao CIF. Às tantas tinha uma turma de miudagem, em que ninguém me pagava nada. Treinava-os, dava umas luzes, mas primeiro tinha de dar as minhas aulas comerciais e, como tal, não tinha muito tempo para me dedicar a eles, mas encaixava-os nas horas vagas e dava-lhes uma série de orientações de treino. A miudagem fluía e melhorava o seu ténis, ia evoluindo com muita rapidez com os conselhos que lhes dava, no entanto, como não havia campeonatos pensavam porque é que estavam a treinar. Queriam competir e naquele tempo não havia campeonatos suficientes nem pouco mais ou menos – então pensei lá vou eu arranjar campeonatos. Não havia ninguém para os fazer. A federação coitadinha não tinha dinâmica nenhuma, estava quase moribunda e é quando começo a organizar. O primeiro campeonato que organizo para miúdos abaixo dos 18 anos foi em 1976, dois anos depois de ter iniciado a escola. Arranjei um sponsor, um amigo de um aluno meu, o engenheiro Jorge Olivela, que estava a viver em Portugal e que tinha uma fábrica de jeans. Eu, já com a mania das grandezas, arranjei uma coisa para complicar, como não queria um torneio só com os meus alunos, queria que os miúdos do Porto também tivessem acesso e que fosse uma coisa geral para todos e não apenas para o meu grupo restrito e ficar todo vaidoso para não pensar que os meus é que ganhavam tudo. Não havia outra solução: tinha de arranjar competição para eles. Assim nasceu o primeiro troféu internacional RICA LEWIS, um torneio de duas semanas, com seleções nacionais de diferentes países. Acho que eram umas 11 ou 12 seleções europeias. Na primeira semana, comecei no Porto, na Foz do Douro, onde era muito querido porque tinha ganho lá um dos meus campeonatos de Portugal. As equipas dos países podiam ter dois ou três jogadores, jogavam singular cada um e depois jogavam os dois a dupla. E na semana a seguir era individual em Lisboa, no CIF. Imagine para quem não tem estrutura e não tem organização conseguir montar esse evento, mas correu tudo às mil maravilhas. Nessa altura, quem veio como capitão dos miúdos suecos era o treinador do Björn Borg, Lennart Bergellin, que já era um grande campeão nessa altura e que acabaria por vir a Portugal em 82, seis anos depois. E foi por aí que comecei até chegar ao Estoril Open.
Muitos anos mais tarde… O primeiro Estoril Open foi em 1990. Começa em 87 com um Challenger durante dois anos em Cascais, mas depois aquilo corria tão bem, tão bem que me convidaram a entrar no circuito principal que ainda estaria num formato novo abaixo do comando da federação dos jogadores do ATP. Em 1990 tive a oportunidade de fazer um upgrade do Estoril Open do escalão inferior para entrar no grande circuito- ATP Tour. Neste período, entre 1976 até 1990 fiz centenas de torneios, circuitos de satélites. Chegámos a fazer mais de 30 semanas por ano de campeonatos.
Quando pensou em criar o Estoril Open qual foi a reação? Pensaram que era uma loucura querer atrair os melhores jogadores para Portugal? Já ia trazendo os melhores jogadores de ténis antes do Open. Quando comecei a fazer os primeiros torneios não havia um jornal que escrevesse uma linha sobre ténis então criámos o Jornal do Ténis, em 1978. Não percebia nada de jornais, mas arranjei quem percebesse minimamente e o que é certo é que o jornal
passou a sair, passou a divulgar e a grande dificuldade era fazer chegar ao maior número de pessoas possível para ter audiência para a publicidade e para os sponsors terem alguma visibilidade, tendo chegado a ser distribuído encartado no Correio da Manhã. Além disso, era preciso dar importância ao ténis. Havia campeonatos lá fora como o Roland-Garros e o Wimbledon com milhões de pessoas que gostavam e em Portugal nada. Pensei que no dia em que começássemos a mostrar, a malta também iria gostar. Agora como é que vamos mostrar? Com torneios. Primeiro o Jornal do Ténis, depois com a oportunidade de trazer um grande nome que foi o Borg ainda no seu auge em 1982.
Uma sorte… Uma sorte, mas que dá muito trabalho. Esses milhões de torneios, de circuitos satélites pequenos, mas internacionais davam pontos para o ranking do ATP. Era a única oportunidade de os portugueses poderem jogar internacionalmente porque éramos nós a organizar, pois lá fora não tinham acesso direto. Quando se é organizador no seu próprio país temos convites, logo podem entrar, mostrar a sua habilidade e começar a ganhar os primeiros pontos. E como bom português, bom anfitrião, aliás, como somos todos enquanto organizadores de torneios internacionais, quando essa miudagem vinha para cá jogar ficava com uma imagem muito boa do país. O efeito disso era tanto que, a dada altura, em 1982, o manager do jogador dinamarquês Peter Bastianssen – que tinha vindo cá jogar muitos desses torneios e ganhava – ligou-me a dizer que tinha um torneio de exibição em Copenhaga que era suposto serem três dias, mas como lhe falhou um sponsor andava aflito a ver se arranjava alguém que ficasse com os dois dias que tinha contratado e que lhe ia custar dinheiro. Peter Bastianssen viu o manager aflito e numa tentativa de o ajudar disse que se lembrava que havia um tipo em Portugal que os tratava muito bem, que era desenrascado e deu o meu nome. Faltavam uns 15 dias para o evento, mas pensei que se conseguisse trazer o Borg já seria uma coisa maluca para ocorrer em Portugal e meti-me em campo. Consegui arranjar um sponsor que gostou da ideia, no entanto, perguntou-me se tinha televisão. Nunca tinha tido pois o nível de provas que fazia não justificava ter televisão, ainda por cima, era uma época em que só havia a RTP. Pensei que se tivesse televisão se calhar pegava. Nem sabia onde era a televisão. Estava ao pé do José Machado Leite, CEO da Macieira, empresa de bebidas, por volta das 9h da manhã e segui para a RTP. Vou lá num dia de chuva. Falar com quem? Cheguei ao balcão e pedi para falar com o presidente que nem sequer sabia quem era. As telefonistas olharam para mim de fato de treino, meio molhado às 10h, olhavam umas para as outras e riam-se. Disseram-me para esperar um bocadinho, esperei uns dez minutos, a menina chamou-me e mandou-me subir. Era no último andar, e entretanto já me tinha esquecido do nome do presidente. Entro no elevador e quando se abre a porta imagine quem é que estava à porta? Daniel Proença de Carvalho, grande senhor presidente. Lá expliquei o que me levava lá: Borg, eu estava entusiasmadíssimo e ele ficou. Achou piada, perguntou quanto custava. Pegou no telefone e chamou o diretor financeiro. Entrou muito sorridente e perguntou-me se podia dar o equivalente ao valor que tinha dito -– não me lembro do valor, ainda era em contos – em AD time. Não sabia o que é que aquilo queria dizer, mas estava-me a dar um crédito em publicidade. Disse-me para ir falar com os homens da Macieira, lá vou eu outra vez para dizer que já tínhamos televisão e mais um pacote de publicidade. Naquele tempo não havia restrições às bebidas alcoólicas na televisão. Machado Leite disse que estava a correr bem, mas que tinha de falar com o Dr. Paixão do departamento comercial da Maceira. Era também no Chiado, mas noutro escritório. Lá fui eu explicar e deu ok. Conclusão: deram-me o dinheiro para fazer o evento. E agora? Não podia ser ao ar livre porque o risco de chuva era tremendo e era preciso arranjar um sítio. O Dramático de Cascais que era o único pavilhão que tinha alguma dimensão para fazer este tipo de coisas, mas era preciso convencê-los porque o pavilhão estava carregado de atividades de manhã à noite. Tiveram de parar a atividade toda, não só para aqueles dois dias, mas também antes para preparar o espaço. Foi um trinta por uma linha em termos de logística e de produção para uma coisa destas e não tinha qualquer tipo de experiência a esse nível. Mas fomos resolvendo, fomos ultrapassando os obstáculos e o que é certo é que o Borg jogou e aquilo encheu. O povo televisivo português levou com ténis durante uma série de horas, sem alternativa nenhuma, em horário nobre, sexta e sábado à noite. Houve talvez quem tivesse desligado ou foi dormir ou foi ouvir rádio ou foi fazer outra coisa qualquer. Mas muitos ficaram a ver e gostaram. E Borg era um mito. Houve uma propaganda danada para o ténis. Não havia bolas, raquetes, tudo o que haveria em lojas de desporto do país inteiro esgotou. Foi uma coisa em grande e fiquei com a perceção que fazer um espetáculo desportivo com um grande nome é a maior propaganda que se pode dar a uma modalidade. E aí todos os jornais já falavam de ténis. Tudo isso foram pontos de partida importantes. E depois todos os anos, numa ânsia de promover o ténis, trouxe os campeões todos: Yannick Noah, Jimmy Connors, McEnroe, Lendl, entre outros. Todos os anos consegui trazer grandes nomes e a televisão a dar.
O mais difícil foi começar… E estava testado. Um grande nome, um grande espetáculo é a melhor propaganda que existe. Se tivesse de pagar publicidade para promover não havia dinheiro para isso. Ia-se arranjando patrocínios, o ténis ia ganhando notoriedade e havia cada vez mais gente a gostar de ver na televisão. A grande massa que hoje em dia gosta de ver ténis na televisão na sua maioria não joga, mas gosta de ver. No entanto, agora há largas centenas de milhares de pessoas a jogar ténis, milhões a assistir e a apostar…
Em 1990 arranca o Estoril Open… É uma prova oficial, com toda a importância que tem. Puxámos muito por aquilo e transformámos o evento num veículo maior de promoção da modalidade anualmente, sempre na mesma altura, e no Jamor. O Estoril Open era um dos torneios, na altura havia cerca de 80, fundadores do ATP Tour. E por tudo o que já tinha feito acharam que era suficientemente competente para fazer um torneio para estar na elite dos torneios mundiais.
Depois tentou atrair outros eventos desportivos, como o Lisboa-Dakar e correu mal… Começou por correr muito bem. Fizemos dois anos, foi um mega sucesso, em 2006 e em 2007. Em 2008 continuaria a ser, mas houve uns distúrbios terroristas na Mauritânia e cancelaram-me o Dakar na véspera com toda a despesa feita, na sua maioria. Contava com etapas no Alentejo e no Algarve, em que a partida era em Lisboa. Eram cinco mil pessoas, camiões, motos, carros, tudo.
O que sentiu? Senti o chão a ir por ali abaixo. Tornei-me num empresário de sucesso, sabia fazer estas coisas e ao saber fazê-las ganhava dinheiro, mas precisava de ter resultados positivos para poder continuar. E ganhava dinheiro com isso, mas quando ganhava dinheiro não era para fazer coleção. Ganho 10 alavanco 100, ganho 100 alavanco mil, etc. É para crescer, é para continuar. E não é só no ténis. Como é que fui parar ao Dakar, ao golfe, ao surf, ao surf, ao futebol, etc.?
No surf também houve um problema com o 11 de Setembro… E em plena fase de sucesso e de implementação do surf em Portugal, em que trouxemos um grande evento que levava a televisão e público para promover a modalidade. Era na Figueira da Foz, mas dois atletas americanos candidatos a campeões do mundo – o circuito do surf é o WCT – tinham de passar pela prova portuguesa e ainda havia mais uma. Ainda havia muita disputa e esses dois atletas americanos, não me lembro agora dos nomes, para serem campeões do mundo tinham de vir cá pontuar. Eram fortíssimos candidatos, mas ficaram “presos” em casa e não conseguiram viajar. E todos os outros atletas que já estavam na Figueira a treinar inviabilizaram a realização da prova. Ninguém queria ser campeão do mundo sem a presença deles… Lindo gesto, mas o Lagos ficou a chuchar no dedo.
Mas aí os problemas financeiros não eram tão grandes… São sempre, mas é evidente que o Dakar é muito maior. Nesse evento ainda fomos gerindo as perdas porque apesar de ter uma certa dimensão, em vez de devolvermos o dinheiro aos sponsors, como tínhamos muitos eventos, foram solidários e foi possível chegar a acordo. No Dakar era impossível. Ganhava bom dinheiro com aquilo e precisava de ganhar esse dinheiro para sustentar a estrutura. Tinha dezenas de pessoas que trabalhavam comigo e dizia-se que pagava bem, ainda por cima.
Era generoso… Diz-se isso mais agora do que se calhar na altura. O não ganhar esse dinheiro que era suposto ganhar fez falta. E já estava metido em outros projetos e já estava envolvido a alavancar outras coisas.
E a partir daí deixa de ter condições financeiras para organizar o Estoril Open… Fiz durante 25 anos o Estoril Open, o último foi em 2014, depois de seis anos superação extrema a gerir a crise pós Dakar, tendo sido forçado a interromper a atividade.
Entretanto houve uma série de negociações… Quando parei, parei. Cheguei às 25 edições do Estoril Open e tinha mesmo de parar. Esteve por um fio, mas não tendo reunido as condições parei. E a marca Estoril Open não era registável, naquela altura. Entretanto tinha substituído a marca Estoril Open por Portugal, pensando que se chamasse Portugal Open merecesse outro nível de apoio oficial do Governo central, mas sem sucesso, por isso, 2014 foi o último. Depois aparece uma outra entidade para continuar a fazer um Open, achei ótimo que alguém continuasse a fazer um Open, mas daí a fazer um Open com o meu nome e com a minha marca é de mau gosto. Não vale a pena. São águas passadas. Era dono da minha empresa a 100%, mas tinha uns potenciais sócios a quem abri completamente o jogo todo, mas que ouviram e que usaram essa informação, traindo-me. Portaram-se muito mal comigo. Nosso Senhor castiga, não sou eu que vou castigar.
Neste momento consegue ver os jogos do Estoril Open? A única coisa que não resisto a não ver são os jogos dos portugueses. Com algum custo, mas tenho de ver, pela TV, claro.
Li que o pior jogo que assistiu foi de Rafael Nadal quando teve uma lesão. O Nadal teve uma lesão em Portugal. Era muito miúdo, estava na iminência de explodir, jogou e lesionou-se. Teve uma fratura de stress no pé, não sei se é a mesma que ainda hoje tem. Ganhou o jogo contra um grande rival dele e no dia seguinte já não jogou com a lesão. Geralmente quando a pessoa está a pensar em desistir não ganha o jogo para que esse possa jogar no dia seguinte, mas deve ter seguido os conselhos do médico. Foi obrigado a desistir nesse ano, no ano seguinte ganha Roland Garros e depois nunca mais parou de ganhar e ganhou 14 vezes. Se não tivesse tido aquele problema no pé quando estava a jogar aqui teria ganho aqui e provavelmente teria ganho Roland Garros também, e logo nesse ano.
Arrepende-se de alguma decisão que tomou? Sou empresário, sou empreendedor, mas se fosse uma pessoa que tivesse em conta todas as cautelas, todas as avaliações de riscos, etc. não teria feito nem pouco mais ou menos o que fiz. Voltaria a fazer a mesma coisa? Acho que sim.
Que projetos tem agora em mãos? Tive um ano trágico no ano passado com a morte de um filho, que tinha 42 anos. Com 80 anos dizem que eu devia era ter juízo, estar sossegadinho e gozar a reforma. E como ainda me resta um bocadinho de físico continuo a jogar o meu ténis quase diariamente. Mas nunca estive quieto. Tenho muita gente que me vem pedir ajuda para isto e para aquilo e gosto de estar envolvido. Ainda me resta um bocado de energia para isso. Um desses projetos é mega, e se vier a acontecer poderá tornar-se o mais importante da minha vida, pela dimensão e contexto. É um projeto de capital intensivo e, pela primeira vez na minha vida, que já vai longa nestas matérias, tenho o funding garantido à cabeça. Não tenho de ir correr atrás como sempre fiz nos outros sonhos.
Qual é o projeto? É um concurso. Há N interessados atrás do Autódromo do Estoril. Tem um historial muito interessante ao nível do desporto automóvel que passou para a Parpública por problemas financeiros e é suposto ser posto à venda para uma eventual nova vida futura. Há vários candidatos, sou um deles. O meu filho Tomás que perdi era muito apaixonado por tudo quanto era desporto, mas muito especialmente pelo desporto automóvel. Tinha um simulador e era detentor de recordes incríveis. O normal era que desistisse – como qualquer comum mortal desistiria – mas ainda quero mais. Tenho um outro projeto em que estou envolvido com os gémeos Ricardo e Tiago Mira, que é um grande fórum de desporto, Cascais World Sports Fórum, com ligação aos negócios (2Build Talks).
Tem vários amigos conhecidos. Um deles é Marcelo Rebelo de Sousa, outro é Ricardo Salgado… São grandes amigos. Podem-se chamar amigos de infância. Marcelo é um apaixonado de ténis, é uma figura ímpar na nossa sociedade, com quem joguei um bocadinho de ténis. Quando tive a oportunidade de fazer o Estoril Open em 1990, dois anos antes de ganhar essa candidatura, em 87/78, Marcelo foi um parceiro com quem conversei. Ele era também, naturalmente, um entusiasta. Gostava muito que pudesse acontecer em Portugal e foi um parceiro que me ajudou a engendrar a ideia, isto muitos anos antes de ser Presidente da República. Foi sempre um grande amigo, um conselheiro e que me ajudou muito. Costumo dizer que é quase como se fosse fundador do Estoril Open porque ajudou-me imenso a conhecer pessoas. Marcelo apresentou-me pessoas e serviu de ponte em muitas situações. Ajudou-me imenso nesses tempos de forma puramente desinteressada. Íamos para o estrangeiro ver campeonatos de ténis e lembro-me de estarmos a assistir e de ele estar a ver testes da faculdade. Uma vez em Sevilha, numa final da Taça Davis, da Espanha contra os Estados Unidos, uma coisa gigante montada num estádio de futebol, arranjei lá um camarote, tinha direito a essas coisas e lá fomos nós, com Marcelo a corrigir testes enquanto víamos jogos.
E em relação a Ricardo Salgado? Um amigo de infância com quem joguei um bocadinho de ténis, pois a modalidade dele era vela. O banco era um dos grandes sponsors que tive no Open durante muitos anos, ainda antes do Ricardo Salgado comandar as lides do Banco, após regressar do seu exílio no Brasil.
Mas chegou a ser acionista da sua empresa… Era uma empresa capital de risco, mas o banco foi o patrocinador principal durante muitos anos. Foi um parceiro que me ajudou a viabilizar o maior torneio de ténis do país durante a maior parte da sua história. Uma relação fantástica e que continua forte. Há amigos que viram as costas nas horas más e há outros que ainda estreitam mais. Sei muito bem o que isso é, sei muito bem os amigos que tenho ou que tive e nas várias fases que passei tenho uma facilidade muito grande em classificar esta gente toda. Ricardo é um grande amigo. Acho inclusive que é uma história muito mal contada. Ajudou todo o mundo, a família e mais alguns, nomeadamente as altamente deficitárias empresas públicas. Isso é uma coisa que se fala pouco ou nada e quando ele mais precisou viraram-lhe as costas, e se calhar por isso aconteceu o que aconteceu, só que multiplicado por mil. Mas o tempo o dirá e mostrará a muita injustiça nesse processo todo.