Touradas nem na cama

Dado o cartaz ter sido concebido por um partido que se afirma defensor dos animais, a questão assume uma dimensão ontológica grave.

O novo cartaz do PAN – ‘Touradas só na cama; e com consentimento’ – deixou-me perplexo. Em primeiro lugar, não consigo imaginar a líder do PAN numa tourada na cama. Consigo imaginar uma data de senhoras da televisão em touradas na cama, fico com vontade de pegar numa capa vermelha e colocar aquele chapéu com orelhas de ratinho, mas falha-me a imaginação quando tento pôr a líder do PAN num confronto tauromáquico numa cama. O problema, porém, deve ser meu pois quem teve semelhante ideia para uma campanha eleitoral deve certamente ter muita experiência na matéria.

No entanto, dado o cartaz ter sido concebido por um partido que se afirma defensor dos animais, a questão assume uma dimensão ontológica grave. Desde há dois mil anos antes de Cristo que na Mesopotâmia, assim como no Egito e na Índia, são representadas touradas entre homens e mulheres, só entre homens ou só entre mulheres, ou em orgias que nem se conseguem ver internet. E decerto que esses povos depravados usavam uma linguagem com conotações animalistas para descrever os atos sexuais. Por exemplo, a expressão ‘levar um par de cornos’ já existia entre os antigos gregos e romanos e remete para a virilidade dos bovinos – o que nos aproxima novamente da tourada. A diferença é que nesses tempos longínquos ainda não tinham sido inventados os direitos dos animais, só havia vegetarianos à força e o veganismo era considerado uma doença mental. Portanto, era-lhes indiferente que o bom nome dos touros, das vacas e dos cavalos pudesse ser associado às perversões dos seres humanos.

No presente, as coisas mudaram. Os animais passaram a ter direitos e já não podem ser tratados de qualquer maneira. Sobretudo se forem animais sencientes: com sentimentos e inteligência, como os taurinos e equídeos. Impunha-se, portanto, outra sensibilidade animalista por parte do PAN. Se não se pode maltratar um animal ou causar-lhe stress, então tão-pouco será correto enxovalhá-lo. Porque é mesmo disso que se trata quando se associam duas raças de animais a atos sexuais humanos não destinados à procriação.

Assim sendo, os intervenientes nas touradas deveriam ter sido consultados. É claro que não se esperava que o PAN se deslocasse a uma lezíria e começasse a mugir diante de uma manada de touros. Provavelmente não seriam entendidos. No entanto, tendo em conta os avanços da IA, não seria descabido exigir ao PAN que investisse num algoritmo animalista capaz de estabelecer a comunicação entre homens e animais. Ou então, que recorresse aos únicos homens que fazem isso desde sempre: os pastores que têm relações íntimas com cabras. E só depois, caso os touros dessem a aprovação, colocariam o cartaz.

Pela minha parte, como não vejo touradas na arena, também não as praticarei na cama. Vou dar-lhes outros nomes fornecidos pela linguagem vernácula.

Escritor