Óscares. A rendição incondicional a Nolan

Numa noite em que não houve surpresas, a Academia apresentou a sua rendição a Christopher Nolan, com Oppenheimer a conquistar 7 das 13 categorias para que estava nomeado, entre elas da melhor filme e melhor realização, o que veio cimentar o estatuto de Nolan como o principal cineasta da sua geração.

Numa noite e madrugada em que as atenções, no nosso país, decididamente não estavam focadas na gala dos Óscares, desta vez esta assumiu um recorte quase formal, numa espécie de rendição aos mais óbvios nomeados. Num ano em que o triunfo de Christopher Nolan, com Oppenheimer, marcou um raro alinhamento dos astros, obtendo não apenas um sucesso na bilheteira como um significativo reconhecimento por parte da generalidade da crítica, há sinais de que o cinema voltou a ser uma arte para adultos, capaz de abarcar temas complexos e de se servir da sua potência omnívora entre os diferentes registos artísticos para confrontar com os aspetos mais delicados da nossa época.

Apesar de ter sido uma noite importante, não trouxe quaisquer surpresas, e Oppenheimer arrebatou sete das 13 estatuetas para as quais estava nomeado, dominando nas principais categorias, com as distinções para melhor filme, melhor realização e melhores atores, principal e secundário. Coube à RTP2 transmitir a cerimónia, que acabou por funcionar como uma espécie de calmante, uma linha de apoio moral quando, por cá, a noite eleitoral configurava plenamente um quadro de ingovernabilidade para os tempos mais próximos.

Assim, a fábrica de sonhos de Hollywood parecia cingir-se ao seu papel, e lembrava-nos que há mundo para lá do enredo abespinhado deste pequeno inferno, e de um registo de enquadramento e discussão política onde quem realmente prevalece são os nossos incontornáveis painéis de comentarolas, que nos próximos dias, como eles próprios reconheciam, terão “interminável matéria diegética sobre a qual laborar e faturar”. Enquanto os portugueses pareciam dar um sinal de estarem fartos do tacticismo político que nos conduziu a um impasse desolador, rejeitando o condicionamento mediático e expressando um veemente protesto face à dinâmica do voto útil, que apenas tem garantido uma alternância degradante entre duas formações políticas sem qualquer visão ou projeto, em Hollywood, a esmagadora vitória de Oppenheimer não apenas cimentou o estatuto de Christopher Nolan como o principal cineasta da sua geração, como serviu para sacudir a tendência para os estúdios se verem reféns desses filmes que, como “parques temáticos”, procuram atrair um público infanto-juvenil que prefere formas de entretenimento escapistas e bastante inócuas.

Aos 53 anos, e tendo por várias vezes sido nomeado fosse como realizador ou argumentista, Nolan nunca levara a estatueta para casa, e, por fim, este domingo ficou claro que o seu triunfo consistiu menos numa homenagem do que numa rendição incondicional ao seu génio.

Cillian Murphy e Robert Downey Jr. levaram os prémios de ator masculino, Jennifer Lame venceu na categoria de montagem, Hoyte van Hoytema na de fotografia e o prémio para banda sonora também foi conquistado pelo filme, ficando nas mãos de Ludwig Göransson. “O cinema tem pouco mais de 100 anos”, disse Nolan ao receber a estatueta pela realização. “Imaginem estar lá 100 anos depois da pintura ou do teatro. Não sabemos para onde é que esta incrível viagem vai a partir daqui. Mas saber que acham que sou uma parte importante dela significa muito para mim”.

A gala poderá não ter tido muitos motivos para cativar grandes audiências, mas manteve aquela contenção e dignidade de uma arte que reclama assim a sua maturidade e força, e o The New York Times assinalava como, ao honrar Oppenheimer, Hollywood estava a premiar o filme tanto pela audácia artística como pelo seu formidável desempenho nas salas de cinema. “Numa época em que os super-heróis, as sequelas de franquias e os filmes baseados em brinquedos apagaram a produção cinematográfica tradicional nas bilheteiras, Oppenheimer, um drama com quase mil milhões de dólares em vendas de bilhetes, deu à elite cinematográfica a esperança de que o cinema tradicional não está totalmente perdido.”

O diário vincava ainda como o filme de Nolan vinha contrariar uma tendência para os prémios da Academia distinguirem pequenas produções independentes. “Chamem-lhe a vingança do filme de estúdio. Nos últimos anos, o prémio mais importante de Hollywood foi atribuído quase exclusivamente a filmes independentes como Tudo em todo o lado ao mesmo tempo, CODA, Parasitas e Moonlight. Oppenheimer, uma fita com o selo da Universal Pictures, marca o regresso triunfal de um grande estúdio.”

Entre as distinções que consagram este filme, aquela que foi atribuída a Downey reveste-se de particular significado, uma vez que este ator consegue assim fechar um arco de carreira notável, desde um enfant terrible que conseguia roubar cenas nos anos 80, a toxicodependente desempregado nos anos 90, a um inesperado regresso como super-herói nos anos 2000 e 2010, à glória do Óscar neste desempenho em que consegue, por fim, virar costas a Tony Stark e ao Iron Man. “Gostaria de agradecer à minha terrível infância e à Academia, por esta ordem”, brincou Downey num curto discurso de aceitação em que não trocou a sua faceta de espontâneo humorista por um desses discursos assoberbados pela emoção e, por vezes, um tanto embaraçantes.

O outro filme que esteve em destaque nesta noite foi Pobres Criaturas, de Yorgos Lanthimos, que arrecadou um quarteto de Óscares no total, com a estatueta de melhor atriz principal a ser entregue a Emma Stone, e vencendo também pelos figurinos, design de produção e maquilhagem e penteado. Quando subiu ao palco para receber o Óscar, Stone fez uma menção especial a Lily Gladstone, dizendo que partilhava com ela o prémio, reconhecendo a importância de a Academia ter nomeado pela primeira vez uma nativa americana para o prémio de interpretação. Stone vencera já na mesma categoria pelo seu desempenho em La La Land, em 2017.

Por fim, Barbie soube emprestar uma boa dose de encanto suplementar à cerimónia, ficando adiada uma eventual consagração da sua realizadora, Greta Gerwig, que conseguia comandar esta enorme produção e alcançar um fabuloso desempenho nas bilheteiras, sendo o grande blockbuster de 2023. Por outro lado, e apesar de alguns momentos comoventes e até relevantes do ponto de vista de uma crítica feminista, este grande produto sintético acabou por derreter enquanto candidato ao Óscar, convertendo apenas uma das suas oito nomeações em vitória: Billie Eilish e Finneas O’Connell levaram o troféu de melhor canção por What Was I Made For? (e Eilish, aos 22 anos, torna-se a pessoa mais jovem a ter ganho dois Óscares, tendo conseguido uma vitória na categoria de melhor canção em 2022 por No Time to Die). Ainda que não se tenha conseguido impor a nível do palmarés, Barbie proporcionou um dos momentos ao vivo mais empolgantes da transmissão, quando Ryan Gosling, que interpretou Ken, cantou uma das outras canções nomeadas naquela categoria (I’m Just Ken) como um elaborado número de música e dança acompanhado por três dúzias de outros Kens, fogos de artifício e uma aparição surpresa de Slash, o lendário guitarrista dos Guns N ‘Roses.