Minervino Pietra. O regresso definitivo ao Largo da Paz

1954-2024. Era ele contra o mundo no Belenenses e no Benfica

Atirado para o ringue, nesta luta de boxe contra a morte, vou sofrendo KO todas as semanas. O murro bruto da Senhora da Gadanha não me dá descanso até que sangre por dentro as lágrimas que há muito deixei de saber chorar. Era no Largo da Paz, no final dos anos 80, que as nossas tertúlias se repetiam  mais vezes. Às vezes aparecia o Eusébio, ou o João Alves, ou o Manuel José. O Pietra, Minervino José Lopes Pietra, tinha acabado a carreira de jogador há pouco tempo e ainda não seguira o caminho de treinador. Magrinho, desgrenhado, somava alcunhas: Petrarca, Cara d’Aço, Cara d’Osga… Amigo querido que fui encontrando, depois, aqui e ali, conforme ia saltando de clube para clube, mas sobretudo naquela viagem aos Açores quando estava no comando de um Alverca que Luís Filipe Vieira prometera levar até à I_Divisão. Mas antes disso houve momentos inesquecíveis dele ainda dentro de campo, como aquele golo à Suécia que, na Luz, por momentos, ainda nos fez sonhar com a presença no Campeonato do Mundo de 1982, em Espanha, aqui ao lado – recordo-me da chuva intempestiva de outubro e do seu golpe súbito de cabeça –, ou os dois golos que eliminaram o BK 1903, lá nos idos de 1977, o primeiro aqui em Lisboa, de penálti, exibição de coragem numa equipa que tremia ao sabor da ventania.

Pietra foi um jogador de coragem. Era ele contra o mundo, se preciso fosse, no Belenenses ou no Benfica, aquela figura fininha que erguia a voz sobre a voz dos outros e, fora de campo, falava com a placidez de rapazinho descabelado, fomos conversando enquanto pôde, sentia verdadeiras saudades das nossas conversas, mandei-lhe uma mensagem que, perante a sua incapacidade, foi o filho Hugo que respondeu. Aí soube. Já sabia há muito, mas soube sem lugar a mais esperanças. Petrarca, mano velho, caminhei a teu lado enquanto fui capaz, desculpa-me por não conseguir, no ringue da morte e da vida, bater nesta besta que vos tem levado a todos, meus amigos queridos, e levado tanto de mim que jamais voltará a existir. Lutaste até o fim porque era assim que jogavas e tantas vezes te vi jogar. Conservaste a tua invejável humildade, tu que foste um dos grandes e também um dos grandes esquecidos. Eu não esqueci. Não esqueço. Nunca esquecerei.