Peritos Forenses. Privados entram na corrida e há muito por desvendar

Acidentes rodoviários, crimes ou negligência médica são agora investigados por entidades privadas ou mesmo públicas. As contraprovas podem valer muito dinheiro e uma segunda opinião ajudará a fazer-se luz

As séries de investigação criminal americanas muito contribuíram para um certo fascínio pela profissão de investigador forense. Os fãs do CSI deliravam com as peripécias e com as descobertas em laboratório, embora a parte das autópsias não fosse tão fascinante assim. Mac Taylor, Gil Grisson ou o canastrão Horacio Caine prendiam os espetadores com as suas descobertas e muito se falou, por isso, no aumento de candidatos a peritos forenses da Polícia Judiciária.

Como já salientado, as séries de televisão trouxeram uma maior visibilidade aos peritos forenses em Portugal, resultando num aumento no interesse por esta profissão e na procura por cursos de formação na área das ciências forenses. No entanto, também surgiram novos desafios devido às expectativas criadas pelas representações exageradas na televisão. As séries como o CSI levaram mais pessoas a interessarem-se pelo trabalho nos laboratórios da polícia científica e a procurarem oportunidades para integrar esses quadros profissionais, até pelo glamour da profissão. Nas séries, como é natural, todos são muito bonitos, inteligentes e têm uma vida agitada.

Além disso, o surgimento de pós-graduações e cursos de formação em ciências forenses, assim como de licenciaturas, mestrados e até de um doutoramento, em várias instituições de ensino superior, também foi observado, possivelmente como resultado desse aumento de interesse. Porém, já em 2012, o presidente da Associação dos Peritos Forenses destacava que as séries também geraram expectativas irrealistas sobre o trabalho destes profissionais. O processo de investigação forense retratado nas séries é, muitas das vezes, simplificado, levando a que as pessoas acreditem que as perícias podem ser realizadas de forma rápida e fácil, como é mostrado na televisão.

Mas, na realidade, são complexas e exigem tempo e expertise. Por exemplo, ao contrário do que é mostrado no CSI, não é possível obter resultados instantâneos pressionando “um botão”, como explicou Carlos Farinha à agência Lusa, há 12 anos, num laboratório forense. O trabalho dos peritos envolve processos meticulosos e precisos, que podem levar horas, dias ou até semanas para serem concluídos. Da mesma forma, as bases de dados forenses não permitem identificações instantâneas como aquelas que são mostradas nas séries.

Apesar destas diferenças entre a realidade e a ficção, existem cada vez mais peritos forenses e, consequentemente, mais trabalho na área das ciências forenses e criminais. A título de exemplo, dois anos antes, em 2010, Carlos Farinha, também em entrevista à Lusa, falou do Laboratório de Polícia Científica (LPC), que coordenava, e membros do mesmo deram a conhecer que, até 1974, a quantidade de pedidos na área físico-documental era de aproximadamente 450 a 500 por ano. No entanto, após esse período, houve um aumento gradual e significativo na procura por estes serviços, atingindo cerca de 1500 pedidos por ano desde 1999. Já na área da biotoxicologia, antes da introdução da análise de ADN, eram realizados cerca de 200 exames por ano. Com a chegada da análise de ADN, houve um aumento exponencial na procura, com os pedidos a aumentar em mil por cento.

Indemnizações astronómicas 

Há uns bons 25 anos, quando procurava investigar a maior indemnização paga pelo Estado português a uma companhia de seguros estrangeira, devido a um acidente rodoviário, percebi que a referida companhia tinha enviado a Portugal uma equipa de peritos que terá conseguido provar que nem a sinalização, nem o pavimento cumpriam as regras da segurança rodoviária. Nunca consegui apurar o caso em concreto, mas passados tantos anos, estava num almoço e alguém começou a dizer a um amigo comum o que fazia, falando nomeadamente na peritagem rodoviária. Facilmente percebi que as peritagens forenses estão a chegar a Portugal, no que diz respeito aos privados. Uma atividade que mexe com tantos milhões nos países anglo saxónicos, passava praticamente despercebida por cá.

Sendo nitidamente um negócio de futuro, fomos tentar descobrir um pouco do que está por detrás desse mundo. Além das perícias forenses no que diz respeito à sinistralidade rodoviária, onde se tenta reconstruir o acidente, com recurso às tecnologias mais avançadas e aos melhores ensinamentos científicos, já há empresas que entram no campo da Medicina, na genética, além da grafologia e grafotécnica. 

Indo para exemplos práticos: um acidente de viação com mortos ou feridos pode ser investigado por empresas privadas que depois apresentam as suas conclusões, que servem de prova documental. Os principais clientes, obviamente, são os escritórios de advogados, bem como as companhias de seguros. Mas qualquer privado pode também recorrer a essas perícias, para tentar não pagar ou para ganhar uma indemnização. E há casos que chegam aos largos milhares de euros.

É óbvio que essas empresas vão buscar os melhores profissionais a cada ramo, pois só assim conseguem tentar arranjar contraprovas ao que foi apurado pelas forças policiais e não só. Por exemplo, alguém desconfia que o médico X aplicou a um familiar um fármaco que lhe foi prejudicial e o levou à morte. Normalmente podia apresentar queixa e a Ordem dos Médicos (OM) poderia averiguar, mas agora os lesados, neste caso familiares, podem recorrer a perícias forenses e tentar contestar em tribunal hipotéticos pareceres da OM. É um exemplo entre tantos outros, para não se falar na esfera da privacidade. Um pai que desconfia que o filho se droga e quer ter a certeza, só precisa de levar um fio do cabelo que os peritos dizem-lhe tudo. É um mundo novo em Portugal, que irá dar muito que falar.