Ciências Forenses e Criminais. “É algo que pode alterar a nossa sociedade”

Em 2008, foi criada a primeira licenciatura portuguesa em Ciências Forenses e Criminais, na Egas Moniz School of Health and Science. O nosso jornal tentou perceber em que se baseia esta licenciatura e o que a mesma oferece aos estudantes que pretendem seguir uma carreira que, cada vez, se torna mais diferenciada.

De que formação necessita alguém que trabalha na área das ciências forenses e criminais? Esta é uma pergunta que surge muitas das vezes. Antes de passarmos a esse ponto, importa referir que este campo constitui uma área multidisciplinar que utiliza conhecimentos e técnicas de diversas ciências, como química, biologia, física e medicina, para auxiliar na investigação de crimes e na análise de evidências. O termo “forense” deriva do latim “forensis”, que significa “pertencente ao fórum”, referindo-se originalmente ao local onde os romanos realizavam julgamentos. 

Assim, estas ciências são aplicadas em diversas áreas dentro do contexto criminal, como na análise de cenas de crime, na identificação e análise de substâncias químicas e biológicas, na investigação de ferimentos e mortes, na análise de documentos, na balística forense, na análise de computadores e dispositivos eletrónicos, entre outras. O principal objetivo das Ciências Forenses é fornecer evidências científicas e objetivas que possam ajudar na resolução de crimes e na identificação de suspeitos. Os profissionais que trabalham nesta área são treinados para recolher, preservar e analisar evidências de maneira imparcial e rigorosa, seguindo procedimentos específicos para garantir a integridade dos resultados.

Deste modo, foi criado, há cerca de 16 anos, em Portugal, a licenciatura em Ciências Forenses e Criminais, na Egas Moniz School of Health and Science, no Monte de Caparica, após uma extensa pesquisa levada a cabo por Alexandre Quintas, Professor Associado nesta instituição e coordenador do curso em causa, assim como do mestrado em Tecnologias Laboratoriais em Ciências Forenses. Mas falemos do primeiro ciclo de estudos, pioneiro em território nacional. “Fiz pesquisa durante um ano, andei a entrevistar pessoas de diversos órgãos de polícia criminal e de laboratórios, inclusive do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, e percebi que esta formação não nos era muito querida”, explica o docente universitário, adiantando que, por exemplo, nos países anglo-saxónicos a mesma já estava totalmente consolidada.

“Quando se ingressa nesta licenciatura, há uma série de premissas que se apreende logo no início, nos primeiros anos de curso, que acabam por ser fundamentais. Coisas tão simples como a noção de cadeia de custódia e de que aquilo que nós recolhemos, por exemplo, num local de crime, tem de ser preservado de uma forma extremamente perfeita até chegar ao laboratório e depois do laboratório até chegar ao tribunal com evidência para ser utilizada como prova ou não. Isso já é uma matéria de tribunal”, diz Alexandre Quintas, recordando que, num congresso internacional em que esteve presente, o representante de um laboratório australiano deixou claro que não contratava pessoas que não tivessem, pelo menos, a licenciatura em Ciências Forenses e Criminais.

“É um curso de ciências para começar. E Ciências Forenses faz parte de umas das três grandes áreas que estão a montante dos tribunais e dos procuradores, que são a criminalística, as ciências forenses e a criminologia. A criminalística hoje em dia é feita com a análise de cena de crime, tem a ver com tudo que acontece nos locais, seja em algum domicílio, num computador, seja o que for, é o local, no momento que tem de ser preservado, onde se encontram vestígios do ato ilícito. E o nosso curso tem uma componente forte de cena de crime e investigação criminal também”, afirma, abordando igualmente a importância das ciências forenses e da criminologia.

“Temos a parte que é vulgarmente conhecida como criminologia, que tem a ver com o estudo do epifenómeno que é o crime. Porque é que se cometem crimes, aquilo que aparece no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI)”, sublinha, explicitando, de seguida, o conteúdo programático da licenciatura. “O primeiro ano é de fundamentos. Tem desde matemática até anatomia passando por química até direito. Estão a estudar ciências para ambiente de justiça, portanto, têm de entender esta área. O segundo e o terceiro anos já são mais específicos, digamos assim, com unidades curriculares lecionadas por professores de áreas distintas e até de outras instituições. Os estudantes lidam com pessoas oriundas das diversas polícias, juízes, etc. Também há um estágio final, feito numa área ao gosto de cada um, mas que passa, sempre que possível, por uma das estruturas que servem a sociedade como os laboratórios de polícia científica”, continua, sendo que existem 56 vagas para estudantes nacionais e quatro para os internacionais e têm sido sempre preenchidas na totalidade. 

“Quando abrem os concursos, por exemplo, da Polícia Judiciária, nós temos tido pelo menos uma percentagem de 5 a 10% das vagas preenchidas por alunos nossos. Temos alunos que depois ingressam noutras instituições associadas à medicina legal, nos laboratórios de investigação… Também existem alumni na Interpol e na Europol. Não consigo detalhar todos os casos individualmente porque o curso tem tido um enorme sucesso. Mais do que estava à espera”, confessa, explicando que, mais durante os anos iniciais de existência da licenciatura, havia estudantes provenientes de outras áreas, como a de Línguas e Humanidades ou até mesmo licenciaturas de Letras ou Ciências Sociais, que decidiam candidatar-se a esta licenciatura e tinham muito sucesso. ”Ficava com o coração nas mãos, mas depois via que eram extremamente bem-sucedidos, tal como os colegas”, admite Alexandre Quintas. 

“É importante dizer que os estudantes têm um nível de preparação muito bom para começarem a trabalhar. Posso afirmar que esta vai sendo uma profissão cada vez mais definida, mais consolidada, e que são eles que fazem essa mudança no terreno. Espero que, mesmo quando já não estiver à frente do curso, o mesmo continue a crescer e a formar cada vez mais profissionais. É algo que pode alterar a nossa sociedade”, sublinha o Professor doutorado em Química Biológica pela Universidade de Coimbra cujas áreas de investigação são as Ciências Forenses, a Toxicologia Forense, a Química Analítica e a Bioquímica Estrutural. “Temos a investigação, o ensino e a prestação de serviços. Unimos esses três pilares. Não é perfeito, mas damos a nossa melhor contribuição”, finaliza, destacando a existência e o trabalho do Laboratório de Ciências Forenses e Psicológicas (LCFPEM) da instituição onde leciona, sendo que através do mesmo são realizadas perícias médico-legais e técnico-científicas.

Além da licenciatura e do mestrado referidos, existem outras instituições que seguiram o percurso indicado pela Egas Moniz School of Health and Science como a licenciatura em Ciências Laboratoriais Forenses do Instituto Universitário de Ciências da Saúde (CESPU) e o mestrado em Ciências e Técnicas Laboratoriais Forenses da mesma instituição ou o  mestrado em Ciências Forenses da Universidade do Porto, o mestrado em Estudos em Medicina Legal e Ciências Forenses da Universidade de Coimbra, o mestrado em Estudos em Toxicologia Analítica Clínica e Forense da Universidade do Porto e, por último, o doutoramento em Ciências Forenses na mesma universidade.