A propósito dos 50 anos do 25 de Abril, golpe militar liderado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) que acabou com o Estado Novo, o Nascer do SOL decidiu pedir entrevistas às mais altas chefias militares (do Estado-Maior-General e dos três ramos: Armada, Exército e Força Aérea). As perguntas, a pedido dos próprios, tiveram de ser feitas por escrito e foram enviadas antes das eleições legislativas. Esta semana, publicamos a entrevista com o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), general José Nunes da Fonseca. Na próxima semana, será a vez do chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo; seguindo-se a do chefe do Estado-Maior do Exército, general Mendes Ferrão.
Onde estava e o que fazia no 25 de Abril de 1974?
Eu era aluno do Instituto dos Pupilos do Exército (IPE) em regime de internato, tinha 13 anos, e frequentava o 3.º ano do Liceu. Recordo que no dia 25 de Abril, todos nós alunos tivemos a sensação de que estaria a acontecer algo fora do IPE, sem nos apercebermos bem do que seria, mas as aulas decorreram, como habitualmente, durante todo o dia. Só posteriormente, vim a ter conhecimento que tinha ocorrido o movimento dos Capitães.
Como analisa, cinco décadas depois, a contribuição das Forças Armadas (FA) para o processo de democratização do país?
Passados 50 anos, é possível afirmar, com propriedade, que as Forças Armadas assumiram um papel decisivo que permitiu promover a alteração do regime e a subsequente consolidação da Democracia em Portugal.
No âmbito da transição, a Instituição Militar espoletou a operação que resultaria no derrube do regime vigente até então, abrindo desta forma a porta para a implementação da democracia em Portugal. Após uma fase inicial extremamente complexa, em que as Forças Armadas detiveram um papel predominante na condução dos assuntos do Estado, caminhou-se para uma crescente afirmação da democracia, em que os militares se refocaram na sua missão específica.
É neste sentido que as Forças Armadas têm contribuído, desde então, para a consolidação da Democracia, cumprindo diariamente, com abnegação e patriotismo, um dos mais relevantes desígnios de afirmação nacional – a Defesa militar da República.
Como estão as nossas Forças Armadas 50 anos depois?
Até abril de 1974, as Forças Armadas estavam pensadas e organizadas para dar resposta, essencialmente, ao esforço de guerra em território ultramarino. Após o 25 de Abril, houve uma necessidade de reajustamento, e, depois, uma focalização progressiva da instituição militar em servir os Portugueses, no âmbito das organizações internacionais e multilaterais que Portugal integra.
Nestes 50 anos, as Forças Armadas evoluíram, com o propósito de responder, com eficiência e eficácia, aos complexos desafios de segurança num mundo globalizado. As Forças Armadas de hoje são o resultado da influência europeia e transatlântica que modernizou meios, modelou a cultura organizacional, gerou conhecimento, valorizou o factor humano e criou novas estruturas. Inerentemente, colocou os militares portugueses num elevado patamar de intercâmbio e de proficiência técnico-militar.
Respeitaremos o legado dos que nos antecederam, continuando a desenvolver todos os esforços no sentido de providenciar ao País umas Forças Armadas prontas, flexíveis, interoperáveis e tecnologicamente inovadoras. Edificadas com realismo e aptas a cumprir missões com credibilidade.
Com a falta de efetivos, pensa que as missões portuguesas estão em risco? Neste momento há mais oficiais e sargentos do que praças…
O cumprimento eficaz das missões das Forças Armadas, implica a necessidade de assegurar a obtenção, existência e a manutenção de recursos humanos em patamares de sustentabilidade e de estabilidade adequados.
De facto, as missões não têm sido afetadas, porque são sempre prioritárias. No âmbito do funcionamento das Forças Armadas, já foram feitas opções no sentido de contratualizar externamente a realização de tarefas não operacionais, para, desta forma, libertar efetivos que garantam o cumprimento das missões específicas militares.
Numas Forças Armadas que se pretendem modernas, tecnologicamente inovadoras, coesas e prontas a dar resposta aos complexos desafios da atualidade, todos são necessários, Oficiais, Sargentos, Praças e Trabalhadores Civis.
Neste sentido, o EMGFA, em articulação e coordenação com os ramos das Forças Armadas, tem assegurado e continuará a manter um diálogo permanente com o Ministério da Defesa Nacional no sentido de prosseguir a adopção de medidas atempadas que contribuam para melhor recrutar, reter e motivar efetivos, concretamente por via do reconhecimento dos seus méritos e abnegação, bem como da revalorização das suas carreiras.
Nos últimos anos, foi possível garantir medidas concretas, tais como a implementação do Regime de Contrato Especial, bem como a criação dos Quadros Permanentes na categoria de Praças no Exército e na Força Aérea, que vieram reforçar a complementaridade das diversas formas de prestação de serviço militar efetivo.
Tomando em linha de conta a evolução do nível de vida e das condições económicas do País, outras medidas a desenvolver prendem-se com a atualização das remunerações dos militares das Forças Armadas, cuja implementação irá contribuir para o aumento do grau de satisfação organizacional, da atratividade das Forças Armadas e das taxas de retenção.
Em prol de umas Forças Armadas que proporcionem atratividade, dignidade, oportunidade e confiança no futuro, é também necessário assegurar a continuidade do trajeto de melhoria das condições de habitabilidade, de trabalho e de segurança nas instalações militares, consolidar o alinhamento da formação profissional ministrada pelas Forças Armadas com o Sistema Nacional de Qualificações e reforçar os incentivos para apoio ao processo de transição para o mercado de trabalho após a prestação do serviço militar em regime de contrato.
As Forças Armadas têm mesmo meios e capacidade para honrar os compromissos assumidos com a NATO?
A conjuntura de conflitualidade que atravessamos, marcada pela guerra na Ucrânia, tem inexoravelmente impelido Portugal, e todos os aliados, a incrementar a representação e a participação em missões militares no quadro das organizações internacionais que integram.
No âmbito NATO, as Forças Armadas têm contribuído para a afirmação de Portugal como coprodutor de segurança, presentemente, através da presença militar na Roménia, na Lituânia, no Mar do Norte e no Mar Báltico. Um sinal de coesão e de solidariedade face aos seus parceiros de Leste. Esta participação, seja através de exercícios, seja em operações, permite incrementos de eficácia e melhorias de interoperabilidade, sendo demonstradora de um forte alinhamento entre Forças Armadas aliadas.
As Forças Armadas Portuguesas, com realismo e credibilidade, continuarão a honrar os compromissos com os seus Aliados, desenvolvendo a sua capacidade militar e contribuindo para as capacidades coletivas da Aliança, no sentido de enfrentar as ameaças atuais e emergentes, em todos os domínios das Operações – no mar, na terra, no ar, no espaço e no ciberespaço.
As Forças Armadas Portuguesas continuarão a representar e a honrar Portugal.
A ‘tropa’ portuguesa é bastante enaltecida em países estrangeiros devido à sua participação em zonas como a Bósnia ou a República Centro Africana. Acha que em Portugal tem o mesmo reconhecimento?
Os militares portugueses revelam duas características fundamentais do nosso povo: resiliência e humanidade. Ao longo da história foi esta a forma portuguesa de se relacionar com outros povos e culturas e que os militares colocam, também hoje, em prática. São estas características que, associadas à valia dos equipamentos, das técnicas, dos procedimentos e do treino, potenciam o desempenho dos nossos militares e, por consequência, conduzem ao reconhecimento internacional, mesmo nos Teatros de Operações mais exigentes.
Em território nacional, empenhamo-nos igualmente para que os Portugueses beneficiem do esforço diário que as Forças Armadas são chamadas a desenvolver.
Em 2023, as Forças Armadas realizaram diversas ações de apoio militar a emergências civis em Portugal Continental e nas Regiões Autónomas, num contributo permanente para a salvaguarda e proteção das populações.
Nós, militares, quando cumprimos a nossa missão, temos sempre em mente servir a Nação e Honrar a Pátria. O reconhecimento surge daí, naturalmente.
Como analisa a situação da segurança na Europa?
As sociedades contemporâneas atravessam um período conturbado, marcado pela volatilidade e polarização. As ameaças à situação de segurança são globais e interligadas, num amplo espectro que inclui a ameaça terrorista transnacional e os bem conhecidos desafios à estabilidade internacional decorrentes da rivalidade geopolítica, das emergências no flanco sul, das atividades mal-intencionadas no ciberespaço e no espaço, do uso de tecnologias disruptivas, da erosão do controlo de armamentos, do desarmamento e da não-proliferação, e da competição por recursos e as alterações climáticas.
Para fazer face, com pragmatismo, a estas ameaças, dever-se-á manter uma abordagem abrangente, de 360º, e reforçar a ligação das Forças Armadas aos cidadãos. Deverá ser dada continuidade ao caminho da adequação da dissuasão, de melhoria da prontidão, da capacidade de resposta, da agilização e transformação digital, da integração e da interoperabilidade das forças aliadas.
Pode identificar as principais carências de armamento das Forças Armadas em geral?
Com o propósito de resolver as lacunas mais prementes em termos de armamento e equipamento, as Forças Armadas, de modo pragmático e realista, propuseram no âmbito da Lei de Programação Militar, que fossem garantidos 3 eixos de ação:
- Compensar o passado, através do financiamento das ações necessárias para colmatar o défice de manutenção dos meios das Forças Armadas;
- Assegurar o presente, através do financiamento da sustentação e da modernização, em permanente aperfeiçoamento, e da evolução dos meios existentes;
- Projetar o futuro, através do reforço do financiamento nos novos domínios das operações: no Ciberespaço e Espaço, nas Tecnologias Emergentes e Disruptivas e, de forma geral, na Investigação & Desenvolvimento e Inovação.
Neste sentido, foi dada prioridade a projetos estruturantes, tais como, a Ciberdefesa, o Navio Patrulha Oceânico, o Navio Polivalente Logístico, o Navio Reabastecedor, o Sistema de Combate do Soldado, a completa edificação das Forças Médias do Exército, o Helicóptero de Apoio, Proteção e Evacuação, a Aeronave de Apoio Próximo e o KC-390. Capacidades imprescindíveis num ambiente operacional cada vez mais exigente e complexo, que exige uma resposta conjunta e combinada, de forma articulada.