Encerrado o ato eleitoral, o comentariado político, dedica-se agora a encontrar um vencedor e a procurar adivinhar o tempo de vida do próximo governo.
Esta cacofonia é sempre um must na apreciação pós eleições, só que, desta vez, atingiu um ruído maior porque há mais ‘especialistas’ e porque a complexidade do resultado final suporta apreciações mais variadas.
No país ou no estrangeiro, só há um critério objetivo para declarar um vencedor: ganha as eleições quem sair delas em melhor posição para formar governo e para assumir o poder que resulta dessa condição.
Normalmente isso sucede com o partido (ou coligação) mais votado.
Por isso, nas recentes eleições legislativas, há um vencedor inequívoco – a AD – não apenas porque foi a formação política mais votada, mas também porque, ao declarar a indisponibilidade para um acordo com o Chega inviabilizou qualquer outro veredicto no pressuposto (correto) de que seria impossível uma coligação da extrema-direita com o Partido Socialista.
Mas, se não é difícil nas atuais circunstâncias, declarar um vencedor, mais fácil é ainda declarar o PS como vencido, pelo número de votos que perdeu e porque o eleitorado, desta vez avisado, rejeitou categoricamente ressuscitar a ‘geringonça’ que o seu líder propunha.
São, por isso, ridículas as iniciativas da extrema-esquerda na tentativa de reescrever o veredicto popular com a caricata teoria dos três blocos políticos que justificaria a criação de um movimento frentista.
Com os recorrentes insultos ao PS, a ‘geringonça da oposição’ começaria bem.
Se aceitasse esta tese, a reboque de quem a propõe, o partido não só ofenderia a história, a cultura e os valores socialistas, como, a concretizar-se, asseguraria ‘per se’ um tempo de vida adicional ao governo da AD.
Quanto ao executivo a maioria dos analistas têm declarado que será de curta duração.
Este juízo assenta em duas premissas.
– O Chega, apesar dos seus 50 deputados (mais de 4 vezes o total de deputados da extrema-esquerda) pode ser ignorado nas grandes discussões da governação.
– A AD encontra-se refém do PS, porque não ‘podendo’ recorrer ao Chega, cairá quando o PS o desejar.
Esta é uma forma sofisticada, sem o confessarem, de validar a teoria dos três blocos.
Mas este raciocínio é uma evidente falácia, pois, apesar de um compromisso eleitoral corajoso de Luís Montenegro ‘(não é não!’) que será cumprido, nada impede, nem deve impedir, que no quadro parlamentar se procurem soluções maioritárias para resolver problemas e, neste contexto, o Chega será um parceiro como os outros.
De resto, com o decorrer do tempo político, e a assunção de responsabilidades, este partido será progressivamente normalizado.
António Costa acaba de o fazer através das suas recentes declarações em Bruxelas.
Será prudente que o líder do PS medite nessa legitimação e nos seus efeitos, não apenas nos aspetos institucionais, mas também no impacto que terá no interior do seu próprio partido.
Só que isto são contas de outro rosário e possível apreciação em crónicas vindouras.
Na verdade, a AD só está refém da sua capacidade para resolver os problemas do país pois se a tiver, não faltarão, à sua esquerda e à sua direita, os apoios necessários. Por convicção ou por elementar oportunismo.
A dependência é, afinal, entre o Chega e o PS, pois não podem unir-se para derrubar o governo sem com isso pagarem um elevado preço político.
Resta-lhes assim vigiarem-se mutuamente, abdicando, nos anos mais próximos, de estratégias suicidas.
Naturalmente que a ‘crise que deu à costa’ não se resolveu de forma mágica depois de encerrado o escrutínio das eleições.
As oportunidades perdidas, apesar de recursos inigualáveis que o país teve nos últimos 8 anos, só serão recuperadas com o tempo.
Mas quanto mais tarde se começar, mais tarde se chegará ao bom destino.
Os cidadãos decidiram e agora não aceitarão mais instabilidade ou a criação de crises fictícias que sirvam, apenas, agendas pessoais.
É dever dos políticos mais responsáveis compreenderem o aviso e atuarem como lhes é exigido pelo interesse nacional. Terão estofo?
Mudança? Para pior já bastou assim
O Chega apesar dos seus 50 deputados pode ser ignorado nas grandes discussões da governação.