Bigtech. Bruxelas contra Google, um processo de milhões

Comissão Europeia abriu investigações de incumprimento ao abrigo da nova lei dos mercados digitais. Caso se prove que tem razão, as três grandes multinacionais tecnológicas poderão acabar por pagar multas até 10% do volume total de negócios a nível mundial, o que ascenderia a perto de 30 mil milhões de dólares.

A gigante tecnológica Google volta a estar no centro da polémica após ser novamente alvo de punições monetárias por parte de organismos governamentais. No final de 2022 foi condenada a pagar 4,1 mil milhões pela Comissão Europeia (CE) – decisão da qual recorreu – e pode voltar a ser sancionada, juntamente com a Apple e com a Meta (que detém o Facebook), em 10% da faturação após novo processo iniciado pela CE na semana passada. No início do ano, uma advogada do Tribunal de Justiça da União Europeia recomendou a confirmação de mais uma coima avaliada em 2, mil milhões de euros. Também em França e nos Estados Unidos foi condenada a pagar 250 milhões de euros e cerca 700 milhões de dólares – dos quais 630 serão destinados a consumidores –, respetivamente.

O caso Android

A Comissão Europeia tem adotado uma linha de ação agressiva para com as BigTech, e ainda em 2018 aplicou uma multa à Alphabet Inc., detentora da Google, no valor de 4,1 mil milhões de euros, alegando práticas de abuso da posição dominante no mercado. O Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia proíbe qualquer empresa de explorar tal posição monopolística que faça com que a concorrência seja eliminada.

A CE determinou que a Google colocou restrições em acordos de distribuição, em acordos anti fragmentação e em acordos de partilha de receitas. A gigante tecnológica recorreu ao Tribunal de Justiça da União Europeia, considerando que havia “áreas que requerem esclarecimento jurídico por parte do Tribunal de Justiça Europeu”. “O Android criou mais escolhas para todos, não menos, e apoia milhares de empresas de sucesso na Europa e em todo o mundo”, acrescentou a Google, após as acusações de que teria aplicado restrições ilegais aos fabricantes de dispositivos que usam o sistema Android, reforçando assim a sua posição no mercado.

Nova investida da Comissão Europeia 

Em janeiro de 2024, Juliane Koktt, uma advogada-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia, insistiu que a Google devia pagar uma multa de 2,4 mil milhões de euros, desta vez por uma alegada violação das regras de concorrência no serviço de comparação de preços. Koktt alegou que a gigante tecnológica abusou da sua posição dominante nos motores de busca “para favorecer o seu próprio comparador de preços”, disse num comunicado de imprensa do Tribunal de Justiça europeu, como noticiou o Correio da Manhã. As recomendações dos advogados-gerais não são vinculativas ao Tribunal, mas os juízes normalmente seguem-nas nos acórdãos.

Mas o mais recente ataque da Comissão à Google, e que inclui também a Apple e a Meta, aconteceu no passado 25 de março, quando foram abertas investigações de incumprimento ao abrigo da nova lei dos mercados digitais. 

A CE anunciou que “deu início a investigações de incumprimento ao abrigo da Lei dos Mercados Digitais relativamente às regras da Alphabet sobre a orientação do Google Play e a auto preferência na Pesquisa Google, às regras da Apple sobre a orientação na App Store e o ecrã de escolha para o Safari e ao modelo de pagamento ou consentimento da Meta”. “As medidas adotadas por estes controladores de acesso não permitem o cumprimento efetivo das obrigações que lhes incumbem por força da nova lei”, suspeita Bruxelas.

Caso a razão penda para o lado da Comissão Europeia, as três grandes multinacionais tecnológicas poderão mesmo acabar por pagar multas até 10% do volume total de negócios a nível mundial, o que, olhando para os dados de faturação no início de 2023, poderia chegar a aproximadamente 28,3 mil milhões de dólares. Em caso de reincidência, a percentagem poderia ascender aos 20%.

Como avançou o Nascer do Sol, este projeto poderá ser concluído no prazo de 12 meses e a Comissão Europeia poderá vir a recorrer a medidas corretivas adicionais como obrigar um controlador de acesso a vender a uma empresa ou partes da mesma ou até proibir o controlador de acesso de adquirir serviços adicionais relacionados com o incumprimento sistemático. Tudo isto vem num momento em que a União Europeia não é a única a querer sancionar a empresa.

França e Estados Unidos

O Governo francês, através da Autoridade da Concorrência, multou também a Google no passado mês de março após declarar que a multinacional tecnológica não cumpriu vários compromissos estabelecidos com grupos de média ao abrigo do licenciamento e remuneração pelo uso dos seus comentários, avançou o jornal ECO. A coima aplicada tem o valor de 250 milhões de euros.

“Nesta última decisão, a Autoridade multou a Google por violar o seu compromisso de cooperar com o comité de monitorização e de não respeitar quatro dos sete compromissos, cujo objetivo eram garantir os seguintes princípios: negociar em boa fé, com base em critérios de transparência, objetividade e não-discriminação, durante três meses; fornecer às agências noticiosas e publishers informação necessária para avaliarem a sua remuneração pelos direitos relacionados; e tomar as medidas necessárias para garantir que as negociações não afetam outras relações económicas entre a Google e as agências noticiosas e os publishers”, comunicou a Autoridade da Concorrência de França.

Mas não é só deste lado do Atlântico que a Google se vê a braços com multas. Nos Estados Unidos, em dezembro do ano passado, a empresa foi condenada a pagar uma multa de 700 milhões de dólares, também por problemas com as regras de concorrência.

A Play Store será “renovada para permitir uma maior concorrência como parte de um acordo antitrust com os Estados e os consumidores dos EUA, de acordo com a empresa e com os documentos apresentados no Tribunal Federal de São Francisco”, noticiou a Reuters. “A Google pagará 630 milhões de dólares a um fundo de compensação para os consumidores e 70 milhões de dólares a um fundo que será utilizado pelos Estados, consoante o acordo, que ainda requer a aprovação final de um juiz”, acrescentou.

Tanto Estados quanto organismos internacionais estão a atacar alegadas ações de desrespeito pelo normal funcionamento dos mercados, numa época em que as grandes empresas tecnológicas se digladiam pela primeira posição num dos setores mais competitivos e em evolução da economia.