Temos vivido, nas últimas semanas, um ambiente estranho. O governo demissionário – e, de forma muito particular, o primeiro-ministro demissionário –, como se em plenas funções continuasse, esteve a todo o tempo em todo o lado.
Numa atitude que pode ser legítima, mas que também tem muito de inexplicável (as duas coisas não são necessariamente contraditórias, como se viu), vimos António Costa e os seus ministros a inaugurarem, a agraciarem, a abrirem, a fecharem, a subirem e a descerem, a falarem de tudo e mais alguma coisa, num frenesim aparentemente não condicente com o fim de mandato que se lhes impôs.
Pois que, no meio de tudo isto, eis que Fernando Medina surgiu, na última semana, de sorriso no rosto, com a boa nova à nação: o velho governo, mesmo cansado, deixa ao novo, que não deverá pecar por ingratidão, de presente de boas vindas, um excedente orçamental.
Um presente tão bom, tão exagerado, que Carlos César até veio a correr deixar o lamento: a gestão das finanças públicas foi «extraordinariamente positiva», mas, segundo o presidente do PS, o excedente poderia ter sido usado para «resolver mais algumas pendências». É que, infelizmente e agora, «essa oportunidade ficará nas mãos do próximo governo» e de Luís Montenegro, que recebem o fruto do esforço e da sapiência dos bons e despojados socialistas. Uma pena, considerou, ao mesmo tempo que se apressou a lembrar que, por tudo isto, consegue sentir, ao mesmo tempo, «o conforto»: o conforto de ver o seu partido sair do governo com a cabeça erguida e com a certeza de que o país beneficiou com a ação do PS (imagino-o, neste momento, a juntar as mão ao peito e a olhar em direção ao céu).
Mas que papel…
O PS não aprendeu. O PS continua a achar que as pessoas não pensam ou, ainda pior, que não sentem.
Numa tentativa de condicionar a ação do primeiro-ministro Luís Montenegro, a máquina socialista apressou-se, ainda com meio pé dentro de São Bento, a tentar explicar ao país que o deixou arrumado e nas melhores condições para grande sorte e, por certo, gáudio do novo incumbente.
Mas o PS esqueceu-se de uma lição que as últimas eleições lhe deveriam ter dado: que por muita que seja a propaganda, por muitos diapositivos bem desenhados que se prestem a apresentar, as pessoas sentem que o país, o Estado e, sobretudo, as suas vidas estão de pernas para o ar. Isso, ou o PS não quer perceber o porquê de os portugueses lhe terem tirado a maioria absoluta e parece querer convencer os portugueses de que estão errados.
Na saúde, na educação, na administração interna, na habitação ou na generalidade dos serviços públicos, é notório o estado em que o Estado se encontra e a forma como tudo isso condiciona a vida das pessoas, que nunca pagaram tantos impostos. Aliás, este excedente é fruto disso mesmo: impostos e contribuições máximos, investimento público adiado e serviços públicos numa lástima.
E, com isto, é notória a árdua tarefa que o governo da Aliança Democrática tem pela frente. O PS deixa a Luís Montenegro um país adiado, mas disfarçado – uma espécie de sala limpa com poeira debaixo do tapete. Mas uma poeira tal, que todos a sentem.