Independentemente de todas as análises possíveis sobre as eleições do dia 10 de março, podemos retirar duas leituras objetivas sobre os resultados alcançados. Ou estamos perante uma das maiorias mais expressivas de sempre da direita democrática portuguesa (AD, IL e CHEGA), contra uma esquerda e extrema-esquerda tremendamente enfraquecida (PS, CDU, BE, Livre e PAN). Ou então, como Rui Tavares apontou, estamos perante a formação de 3 blocos distintos. Um bloco de esquerda e extrema-esquerda com 92 deputados, um bloco de centro-direita com a AD e a IL com 88 deputados e um bloco de direita com o CHEGA com 50 deputados.
Nesse cenário, convenientemente, o bloco da esquerda teria uma superioridade numérica e, como tal, segundo Rui Tavares, deveria governar. No limite, a AD e a IL deveriam permitir que a esquerda e a extrema-esquerda governassem novamente. Essa seria a leitura subentendida das suas palavras. No seu raciocínio está invariavelmente a assumir que o bipartidarismo em Portugal terminou. Neste ponto, acabo por estar de acordo com ele, embora por razões distintas. Até porque, já chega de termos como alternativa ao socialismo democrático, a social-democracia.
A análise de Rui Tavares ganhou relevância aos olhos do sucedido para a eleição do Presidente da Assembleia da República. No fim, após 3 rondas falhadas para a eleição de Aguiar Branco, houve mesmo o triunfo de 3 blocos distintos na Assembleia da República. Um bloco de direita com o CHEGA, um bloco central de PS e PSD e um bloco residual de extrema-esquerda. A realidade e os números acabaram por dar a Rui Tavares um papel muito mais irrelevante para a História do que ele julgava ter, mas também demonstrou um dado ainda mais curioso: é muito mais fácil confundir hoje o PS com o PSD do que a AD com ADN.
Perante o impasse de conseguir garantir uma maioria que elegesse Aguiar Branco, o PSD deu preferência ao diálogo com a sua esquerda do que com a sua direita. Preferiu dialogar com aqueles que em 2015 colocaram em causa o princípio de que o partido mais votado teria à partida o lugar da presidência da Assembleia da República. É curioso porque foi com a eleição de Ferro Rodrigues em detrimento de Fernando Negrão que se formalizaria a Gerigonça e o PS juntar-se-ia a dois partidos comunistas.
Foi a olhar para o PS que o PSD desbaratou uma das maiores maiorias de direita no parlamento de sempre e entregou dois anos aos socialistas de uma presidência da Assembleia da República. Se Ferro foi o pré-anuncio da gerigonça, Branco deixou claro o bloco central. O PSD viveu demasiados anos agarrados a 2015, mas não aprendeu a lição de 2015. Preferiram o PS em relação ao CHEGA e isto é inacreditável. Não foi o CHEGA que governou a grande maioria dos últimos 30 anos, foi o PS. Não foi o CHEGA que levou o país à bancarrota, foi o PS. Na oportunidade flagrante de retirar o PS da esfera do poder, o PSD falhou miseravelmente e mostrou a farsa que foi a AD de 2024. Em 1979 a AD quis afastar definitivamente do poder socialistas e comunistas. Em 2024 o que é que pretende a AD? Ninguém percebeu. Em 1979, toda a direita democrática portuguesa juntou-se para derrotar o PCP e o PS e conseguiu. Em 2024 o PSD recusa-se a falar com o CHEGA e tem uma vergonha descomunal de CDS-PP e PPM.
Em 2024 o PSD tem a Câmara Municipal de Lisboa, Coimbra, Cascais, Braga, Famalicão, Viseu, assim como o apoio político do Presidente da Câmara do Porto. Lidera o Governo Regional dos Açores, o Governo Regional da Madeira, tem uma maioria relativa no parlamento, tem um governo nacional liderado por Luís Montenegro e tem um Presidente da República da sua área política. Tem tudo isto, mas ainda assim, parece que o PS continua a ter uma influência maior nos destinos do país do que o próprio PSD. Parece que o país continua a estar refém da agenda socialista. É este o desastre do centro-direita português, provavelmente o mais incompetente de toda a Europa.
Se Rui Tavares tem parcialmente razão na existência de três blocos políticos, parece-me que o bipartidarismo irá regressar novamente a Portugal. O grande adversário do PS é o CHEGA e os portugueses podiam ainda não ter tido essa certeza no dia 10 de março, mas ficaram agora a sabê-lo, definitivamente, com a eleição de Aguiar Branco.