Investigadores do Instituto Regenstrief e da Faculdade de Medicina da Universidade do Indiana, nos EUA, descobriram que a solidão é pior para os idosos do que o alcoolismo, a obesidade e o consumo de até 15 cigarros por dia. Este estudo, publicado no Journal of the American Geriatrics Society, sugere que os médicos de cuidados primários poderiam estar na vanguarda do combate a esta epidemia silenciosa. As descobertas destacam que 53% dos adultos mais velhos que visitam unidades de cuidados primários relatam sentir-se solitários. Esses sentimentos impactam significativamente a saúde física e mental, reduzindo a qualidade de vida geral. “A primeira e óbvia resposta para a solidão é os médicos de cuidados primários examinarem os seus doentes”, disse a primeira autora do estudo, Monica Williams-Farrelly, investigadora do Instituto Regenstrief e professora assistente na IU School of Medicine, num comunicado enviado aos órgãos de informação norte-americanos.
Com base na literatura e nas pesquisas, a solidão tem influência na saúde bastante significativas e bastante fortes, então da mesma forma que perguntamos aos idosos: ‘Fuma? Mede o açúcar no sangue?’, a investigação sublinha a importância dos ambientes de cuidados primários não apenas na identificação da solidão, mas também na oferta de soluções tangíveis. “Esta pesquisa é importante porque identifica e sugere evidências para intervenções que são necessárias para adultos mais velhos que vivenciam a solidão”, explica a investigadora principal Nicole Fowler, investigadora no Instituto Regenstrief e professora associada e diretora de pesquisa na IU School of Medicine. “Os médicos de cuidados primários devem discutir a solidão com os seus doentes idosos e fornecer recursos para ajudá-los a criar relações sociais significativas”. Uma intervenção particularmente eficaz destacada pelos investigadores é o conceito de Círculo de Amigos. Este modelo de reabilitação psicossocial baseado em grupo, com duração de três meses, concentra-se em melhorar a interação e as amizades entre os participantes. Demonstrou sucesso não só na redução dos sentimentos de solidão, mas também na melhoria de vários resultados de saúde, tais como saúde subjectiva, cognição e mortalidade, ao mesmo tempo que reduz potencialmente os custos de saúde.
Os dados do estudo foram recolhidos durante a pandemia de COVID-19, que ampliou a tendência já crescente de solidão entre os idosos. “A solidão pode parecer simples, mas pode ser complexa de identificar e resolver. Começou a tornar-se um problema antes da COVID-19 e, depois, com a ordem nacional de permanência em casa causada pela pandemia, o contacto social foi sendo impedido, o que agravou o problema”, observa Williams-Farrelly. Os dados para o estudo foram recolhidos a partir do ensaio clínico Caregiver Outcomes of Alzheimer’s Disease Screening (COADS), indicando uma necessidade premente de intervenções que visem a solidão antes e depois desta crise de saúde global. Este estudo não só esclarece as profundas implicações da solidão na saúde e no bem-estar dos idosos, mas também enfatiza o papel crítico que os profissionais de cuidados primários podem desempenhar na mitigação deste problema. Ao incorporar o rastreio da solidão nos cuidados de rotina e ao fornecer recursos e encaminhamentos, os prestadores de cuidados de saúde podem ter um impacto significativo na vida daqueles que sofrem em silêncio.
Mas quem pensa que este problema somente afeta os mais velhos está enganado. Por exemplo, um novo inquérito sugere que mesmo no meio de uma vida social agitada, muitos de nós lutamos contra profundos sentimentos de isolamento. A pesquisa, conduzida pela OnePoll e encomendada pela Zumba, entrevistou 2.000 adultos britânicos e descobriu que 40% passaram pelo menos três dias sem conversar cara a cara com outra pessoa. Por outro lado, 28% relataram sentir-se solitários durante um evento social e um quarto sentiu-se isolado no local de trabalho. Este fenómeno de “solitário no meio da multidão” parece atingir de forma mais dura os jovens adultos, com 60% das pessoas entre os 18 e os 24 anos a relatarem sentimentos de solidão. As mulheres também são mais propensas a sentirem-se assim do que os homens (38% vs 30%). Parte do problema pode ser a nossa relutância em nos abrirmos sobre esses sentimentos, na medida em que apenas 14% dos entrevistados disseram que “frequentemente” falam com outras pessoas sobre a sua solidão e 62% acreditam que existe um estigma em redor do assunto.
Através do estudo foi possível descobrir que a solidão afeta negativamente a confiança, os níveis de ansiedade e o sono de muitas pessoas. Dois em cada cinco (42%) afirmaram que o seu sono piora quando se sentem solitários e 29% consideram-se menos atraentes. A dieta também prejudica três em cada 10 indivíduos solitários. 43% dos entrevistados acreditam que o vínculo com alguém através de uma experiência partilhada levaria a que se sentissem menos sozinhos. Fazer parte de uma comunidade ou grupo ou alcançar uma realização pessoal poderia ajudar a aliviar a solidão. É aqui que atividades como aulas de ginástica em grupo podem desempenhar um papel poderoso. A psicóloga Anjula Mutanda, que fez parceria com a Zumba neste estudo, concorda com esse sentimento. “Os seres humanos são, por natureza, seres sociais e a investigação psicológica afirma que precisamos de pertencer, de nos relacionarmos uns com os outros e de nos sentirmos ligados a outras pessoas – é assim que sobrevivemos e prosperamos”, explica Mutanda. “Portanto, sentir-se desconectado ou excluído de relacionamentos de qualidade com outras pessoas pode impactar negativamente a nossa saúde mental e física – algo que foi destacado na pesquisa”. “Experienciar a solidão pode assumir diferentes formas e é sentido de forma única por cada um de nós, e é por isso que algumas pessoas podem sentir-se desconectadas na multidão ou desconectadas nos seus relacionamentos; enquanto outros podem experienciar sentimentos de solidão quando saem de casa, começam um novo emprego ou passam pelo luto”, diz Mutanda.
A verdade é que a solidão está a tornar-se numa pandemia silenciosa que afeta muitas pessoas. De acordo com o relatório Gallup Global Emotions 2022, aproximadamente 330 milhões de adultos, a nível global, passam pelo menos duas semanas sem falar com um único amigo ou familiar. Tal significa que uma em cada cinco pessoas globalmente sente que não tem ninguém com quem contar, com uma prevalência particularmente alta na faixa etária entre os 30 e 40 anos. Em Portugal, a situação também é alarmante. Em 2020, 21,9% dos portugueses admitiram sentir-se sozinhos, segundo um estudo da Comissão Europeia. Esse número representa um aumento significativo de 15,3 pontos percentuais em comparação com 2016, colocando Portugal como o sexto país da União Europeia onde o sentimento de solidão mais aumentou. Os dados mostram que o problema não está limitado aos idosos. Uma pesquisa levada a cabo em Portugal em março de 2021 mostrou que seis em cada dez pessoas se sentem infelizes ao fazer coisas sozinhas, e esse número aumenta para sete em cada dez entre os jovens de 16 a 25 anos. Além disso, cerca de 33% dos entrevistados relataram sentir-se excluídos por outras pessoas, com uma taxa ainda maior de 41% na faixa etária dos 16 aos 25 anos. Esta tendência também é observada em toda a Europa. Por exemplo, o The Prince’s Trust NatWest Youth Index de fevereiro de 2022 revelou que 35% dos jovens britânicos entre os 16 e os 25 anos se sentiram mais sozinhos do que nunca durante a pandemia, enquanto a maioria (57%) considera o contacto com outras pessoas como importante para o seu bem-estar.