Ushio Amagatsu. A dança que nasceu depois do horror

O célebre coreógrafo japonês Ushio Amagatsu morreu aos 74 anos, mas o movimento que ele imprimiu aos corpos e a sua noção da capacidade da dança de ligar e dar sentido à vida, prosseguirá.

A morte sempre soube a pouco sem que antes tenhamos tido uma perspetiva radiosa do que lhe antecedeu. Uma morte verdadeira é apenas uma vírgula na articulação de uma frase que continua a dançar mesmo quando a música já se acabou. O célebre coreógrafo japonês Ushio Amagatsu morreu aos 74 anos, mas o movimento que ele imprimiu aos corpos e a sua noção da capacidade da dança de ligar e dar sentido à vida, prosseguirá.

A ele ficou a dever-se a irradiação do butô nos palcos de todo o mundo, sendo um nome central da segunda geração dos praticantes dessa forma de dança-teatro japonesa nascida nos anos 50, e que se destaca pela expressão humanista, com uma forte componente de ligação ao mundo natural e aos movimentos de vanguarda nas artes e na literatura. «Na sua fundação, o indivíduo repete a evolução de toda a espécie; ele é a memória da vida primitiva e o seu devir no curso da história da própria Terra», escreve Amgatsu.

O butô foi veio dar resposta a uma espécie de imobilidade carregada de inquietação e incerteza numa altura em que o Japão procurava recuperar da derrota na II Guerra e lidava com a devastação e o trauma dos bombardeamentos atómicos de Hiroxima e Nagasáqui. Amagatsu fundou a companhia Sankai Juku, combinando influências da dança contemporânea ocidental, tendo definido o seu estilo como um «diálogo com a gravidade», título, aliás, do livro que escreveu e que foi publicado em português (VS Editor, 2022), 22 anos depois da edição original, a francesa. Neste breve opúsculo, Amagatsu lembra que, de acordo com os dicionários, na sua origem «dança» é um movimento que passa por «alongar», «estender», «esticar». Diz-nos também que o simples gesto de «erguer-se, manter-se de pé, mexer-se», qualquer movimento implica a gravidade, força a um intercâmbio com ela. «Ainda em maior grau é o que acontece com a dança, que é, por isso, um diálogo com a gravidade».

Com formação em dança clássica e contemporânea, Amagatsu foi diretor, coreógrafo, designer e bailarino da Sankai Juku, companhia que fez a sua primeira digressão mundial em 1980 e que, dois anos depois, estabelecia a sua base de operações no Théâtre de la Ville, em Paris. Desde atuou em cerca de 50 países, apresentando novas produções de dois em dois anos.