Certificados de residência à la carte

Os processos de certificado de residência em Portugal têm feito correr muita tinta. Nas redes sociais não faltam influencers a explicar como consegui-lo.

Nas redes sociais não faltam vídeos de cidadãos asiáticos a explicar como se pode obter o visto de residência em Portugal. O indiano Abhishek vive em Vila Nova de Famalicão, em Braga, e é considerado um influencer online. No YouTube, onde tem quase 20 mil subscritores, e no Instagram, quase 62 mil seguidores, apresenta-se como ‘Abhishek Gambhir GLOBAL WIZA HUB’ e explica como é que se pode obter a residência legalmente em Portugal. «Passaporte internacional, NIF, NISS, abrir trabalho autónomo ou conseguir emprego em Portugal, registo criminal do seu país e prova de entrada legal»: esta lista está presente em muitas descrições dos seus vídeos. «Como é um processo típico?», pergunta e responde. «Reúna todos os documentos. Obtenha o seu NIF, NISS e contrato de arrendamento. Abra atividade ou consiga um contrato de trabalho. Receba o seu salário ou emita um recibo verde de pelo menos 1000€. Apresente uma manifestação de interesse», escreve e diz, adiantando: «Prepare os documentos necessários de acordo com a lista e carregue-os em Sapa.sef. Aguarde um convite do SEF. O SEF analisa as inscrições por ordem de chegada e irá convidá-lo para uma entrevista após aproximadamente 17 meses».

Depois, indica que o passo seguinte passa por ir ao antigo SEF presencialmente. «Depois de visitar o SEF, receberá o seu cartão de autorização de residência por correio no prazo de 2 a 12 semanas» e refere os artigos que estão em causa. Por exemplo, o artigo 88.2 – obtenção de emprego numa empresa portuguesa para efeitos de imigração. «Caso não cumpra os critérios para candidatura de profissional altamente qualificado abaixo de 90,2 (sem diploma de ensino superior ou salário inferior a 1800 euros) ainda pode requerer uma autorização de residência ao abrigo deste artigo. A promessa de contrato é suficiente para apresentar uma manifestação. No entanto, deve começar a trabalhar e receber um contracheque regular e comprovar os impostos pagos. Posteriormente, precisará de trazer todos os seus documentos do período de carência ao SEF» e ainda menciona o «Artigo 89.2 (Visto de trabalhador autónomo ou independente em Portugal) – abertura de empresa unipessoal/trabalho independente em Portugal e realização de negócios em Portugal (com clientes estrangeiros ou portugueses)», mencionando que «o processo de obtenção de autorização de residência em ambos os casos é idêntico, exceto para o número do artigo e alguns documentos».

Relativamente à atividade do influencer, esta surge online como de «comércio a grosso e a retalho de bens alimentares e não alimentares», sendo que a sociedade unipessoal foi formada em novembro de 2022. «Ajudamos os clientes com os seus vistos de estudante, visto de turista e reunião familiar, não mostramos nenhum mundo de bolha ou promessas falsas», garante, indicando que a empresa não emite nenhum visto e que a aprovação do mesmo «depende totalmente dos seus documentos genuínos e dos resultados da embaixada». No entanto, diz ter ‘ligações’ ao Reino Unido, Canadá, Singapura, Dubai, Roménia, Polónia, entre «muitos outros países» e explica, desde logo, que «as taxas» são pagas no final do processo.

Casos suspeitos em Portugal

Em dezembro passado, o Expresso noticiou que uma mulher com dupla nacionalidade portuguesa e moçambicana, que vive em Braga, está a enfrentar acusações no tribunal da cidade relacionadas com três casos de burla. Dois desses casos são considerados qualificados. É acusada de receber 5 mil euros de cerca de dez imigrantes brasileiros, prometendo ajudá-los a obter autorização de residência em Portugal e eventualmente a cidadania. No entanto, de acordo com a acusação, após receber o pagamento, não prestava os serviços prometidos e desaparecia.

Em agosto de 2022, foi noticiado que o SEF suspeitava que várias juntas de freguesia em Lisboa estavam envolvidas em esquemas fraudulentos para emitir atestados de residência com dados falsos. Esses atestados são emitidos para imigrantes, muitos dos quais nem residem em Portugal, mas utilizam-nos para obter autorização de residência. As juntas de freguesia estão sob investigação por supostamente facilitarem a imigração ilegal, fornecendo moradas falsas em troca de dinheiro. Embora os documentos emitidos sejam verdadeiros, as informações fornecidas são falsas. A investigação visa esclarecer se as juntas estão a ser usadas pelas redes de imigração ilegal ou se há elementos dentro delas envolvidos nos esquemas. Para os estrangeiros conseguirem um atestado de residência em Portugal, geralmente precisam ir à junta de freguesia da área de residência. Os requisitos podem variar, mas em Lisboa, muitas vezes é exigido um documento físico que comprove a residência ou o testemunho de duas pessoas que vivam na mesma freguesia. No entanto, estas exigências podem ser contornadas pelos esquemas ilegais em curso. Muitos dos estrangeiros envolvidos nessas práticas nem mesmo vivem em Portugal, mas noutros países europeus onde não conseguiram legalização, vindo a Lisboa apenas para tratar de documentos.

Por outro lado, em abril do ano passado, um homem foi preso no Aeroporto de Lisboa por suspeita de auxílio à imigração ilegal, ao tentar introduzir quatro indivíduos com documentos falsificados no país para uma conferência fictícia. Foi detido quando tentava facilitar a entrada desses indivíduos, que viajavam com passaportes falsos de São Tomé e Príncipe, declarando falsamente que eram médicos em missão de serviço. O suspeito, de nacionalidade guineense, foi detido com base em fortes indícios de crimes de auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos. Os investigadores apreenderam documentos falsos, equipamentos de comunicação, e evidências de transações financeiras. Há suspeitas de que esteja envolvido em atividades ilegais desse tipo há pelo menos um ano, ajudando mais de 20 estrangeiros a entrar irregularmente em Portugal. Além disso, o suspeito está ligado a cinco processos criminais por roubo em Portugal. Foi detido com base num mandado pendente relacionado com um desses casos.