1. A XVI legislatura começou sob o signo da desarmonia e da incerteza. O ‘comentariado’ chamou-lhe ‘trapalhada’, ‘palhaçada’ e ‘vergonha’. Podemos não estar habituados e desejar que o debate tivesse decorrido com mais civilidade. Contudo, aquilo a que se assistiu foi, no fundo, o funcionamento das instituições democráticas e uma prova da sua resiliência. A democracia liberal reconhece que a sociedade não é harmoniosa e, por isso, institui procedimentos e mecanismos que permitem gerir pacificamente os conflitos que inevitavelmente daí resultam. Foram esses mecanismos e procedimentos que vimos em funcionamento na eleição do presidente da AR e que conduziram a um desfecho equilibrado, com a partilha da presidência entre dois partidos que se equivalem em número de deputados e com a eleição dos vice-presidentes indicados pelos restantes maiores partidos. Olhando para o processo e para o resultado final ocorre-me o aforismo, ‘quem gosta de leis e de salsichas nunca deve ver nenhuma delas sendo feitas’.
2. O PSD saiu da refrega com equimoses, mas sem nenhuma fratura incapacitante. E extraiu lições que virão a ser de grande importância. A primeira respeita às estratégias do CH e do PS, singularmente coincidentes. Ambos querem asfixiar o PSD nas amarras das linhas vermelhas em que se enleou. O PS, empurrando-o para o CH, demonstrando, desse modo, a falta de credibilidade do «não-é-não» de Montenegro e ganhando o centro-esquerda. O CH pretende disputar a liderança da direita ao PSD, quer seja pela positiva – vendo-se reconhecido como parceiro respeitável para a governação –, quer pela negativa – empurrando o PSD para os braços do PS.
O segundo ensinamento é que a atitude de ‘a nossa política é o trabalho’ – diligente, discreto e respeitador –, não basta. É imprescindível controlar o que se conta, como se conta, a quem se conta e quando se conta. O PSD não deve repetir o erro do primeiro Governo de Pedro Passos Coelho que falhou estrondosamente em comunicar aos portugueses um sentido de esperança para além dos sacrifícios que pedia. Luís Montenegro deve falar diretamente aos portugueses e liderar o momento e o conteúdo dessa comunicação.
3. Há algumas semanas, defendi nesta coluna um «governo de combate». Certamente não pensando em mim, José Pacheco Pereira fez uma exegese do conceito na sua habitual coluna no Público, apresentando-o como uma espécie de ‘doublespeak’ da direita para um governo fechado à sociedade, virado para a própria sobrevivência e para o combate político à oposição. No que me toca, não existiu qualquer manipulação de linguagem, pois é precisamente um governo deste tipo que entendo ser natural e, até, desejável nas atuais circunstâncias. Não é altura de aberturas à sociedade civil, de independentes ou bem-pensantes, mas sim de experiência política e administrativa, e de coesão tática e estratégica. O Governo não me desiludiu: é de combate sim, mas, também, forte tecnicamente em áreas cruciais. Noto, por exemplo, as finanças, onde Miranda Sarmento tem muito mais experiência técnica, administrativa e política do que tinha Centeno em 2015.
4. A principal tarefa política do Governo é aumentar o custo eleitoral a suportar por quem o decidir derrubar rejeitando o OE 2025. Para tal, e até lá, será necessário governar bem e comunicar melhor. O (excelente) discurso da sua tomada de posse revelou que o primeiro-ministro está bem consciente dessa necessidade. l
Professor universitário