Novos hotéis. “É natural a abertura ou reabertura de 30 a 40 hotéis por ano”

Nem todos significam nova oferta e “há um desvio bastante grande entre as previsões de abertura e a sua concretização”, diz AHP. Consultoras explicam interesse por Portugal e falam nas previsões futuras.

O turismo tem somado em Portugal. Os números só dão motivos para sorrir e há vários estudos que apontam para um crescimento de hotéis no nosso país. A grande questão que se coloca neste momento é se Portugal tem capacidade para responder a mais oferta nesta área, nomeadamente nos grandes centros urbanos como Lisboa e Porto.

Ao i, Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) explica que todos os anos “há alguma especulação sobre aberturas de ‘novos’ empreendimentos turísticos, nomeadamente hotéis”. confirmando ser “certo que temos um posicionamento muito interessante, que os investidores andam permanentemente às compras e que em pipeline costumam estar sempre muitos projetos hoteleiros”. Todavia, acrescenta a responsável, “muitos deles não se concretizam depois, ou são arrastados e condicionados por vários fatores, a morosidade do licenciamento, as dificuldades na execução da obra, ruturas e atrasos nas entregas e nas cadeias de abastecimento, etc”.

Assim sendo, Cristina Siza Vieira diz que “é natural a abertura ou reabertura de 30 a 40 hotéis por ano”. Mas deixa uma nota importante. É que “muitos são projetos de reabertura depois de reabilitação, reconversões, obras, reclassificações”, o que significa que “não são exatamente ‘nova oferta’”. Por isto, a responsável é da opinião de que “esta questão às vezes não é muito bem tratada”. Por outro lado, adianta, “a nossa experiência diz-nos que há um desvio bastante grande entre as previsões de abertura e a sua concretização”.

Sobre se os vários projetos que estavam programados para este setor foram adiados tendo em conta a pandemia e mais tarde a taxa de inflação ou outros fatores, Cristina Siza Vieira é perentória: “A pandemia parou tudo, até porque houve um reposicionamento obrigatório por parte dos investidores”. E, mais do que a pandemia, “a escassez de recursos, humanos e materiais, o impacto que os conflitos a leste estão a determinar trouxeram outras questões que obrigaram a parar”. Mas, ainda assim, “Portugal é um país com muita procura por parte dos investidores”.

O que falta em termos de oferta?

“Consideramos que a oferta de alojamento de muita qualidade continua a surgir de uma forma sustentada, tanto no litoral como no interior”, diz a vice-presidente executiva da AHP, acrescentando que tem existido “uma grande procura por parte dos investidores também pelo interior do país, o que é bastante interessante, particularmente na ótica da reabilitação e aproveitamento do património”. Mas destaca ser “fundamental que ao pensarmos na oferta se pense em construir ‘produto e experiência turística’ integrada” e que “é preciso a nosso ver tratar das acessibilidades; da habitação; de colocar o património/cultura ao serviço da comunidade; envolver mais outras actividades e a comunidade local de forma sustentada; fixar população, também imigrante que assegura parte absolutamente fundamental do serviço que prestamos”.

Para Cristina Siza Vieira, as lacunas “são sentidas em todo o território nacional” mas é natural que o interior tenha muito mais para crescer. “Crê-se que seria importante que a Agenda do Turismo para o Interior fosse bem estruturada, numa visão alargada aos demais sectores”, defende.

Retira oferta que poderia ser para habitação?

Questionada sobre como vê as críticas em relação ao facto de o turismo estar a retirar do mercado oferta que poderia ser para habitação, Cristina Siza Vieira atira: “Como já temos dito por diversas vezes, essa questão não se coloca no caso da hotelaria e do chamado alojamento local coletivo/hostels, que representamos”, diz, justificando que “estas formas de alojamento existem para fins claros de alojamento temporários, com serviços, em quartos, e muito dificilmente podem ser convertidos em habitação, pelo que consideramos que quem diz isso não conhece a nossa realidade, nem o setor”. Para a responsável, o problema da habitação “é obviamente crítico, em toda a Europa e tem de ser tratado com muita seriedade e quanto antes, problema, aliás, que também afeta o nosso setor. Mas se há um culpado não é o turismo, menos ainda a hotelaria”.

Investimento é tendência crescente

Um recente estudo da CBRE mostra que a hotelaria e o retalho representaram a larga maioria do investimento imobiliário em 2023 em Portugal. O i tentou perceber o que justifica esta tendência. Duarte Morais Santos, Diretor Hotels da CBRE Portugal diz que são várias as razões, “nomeadamente a procura crescente por Portugal”. O responsável destaca que, ao longo dos anos, “temos assistido a um aumento significativo de turistas que viajam para Portugal e a uma crescente popularidade deste destino no estrangeiro, inclusivamente com o reconhecimento por parte de prémios internacionais”.

O responsável destaca ainda que a “qualidade dos serviços oferecidos, cultura, clima e custo relativamente acessível em comparação com outros destinos europeus, continuam a colocar Portugal no radar”, acrescentando que “este aumento e qualificação do turismo fez com que a performance operacional tenha sido excecional nos últimos 2 anos, em todos os destinos, contribuindo para o crescente interesse dos investidores internacionais no setor”.

Para Duarte Morais Santos é claro que o setor hoteleiro hoje “oferece perspetivas de retorno atrativas, especialmente para os investidores que identificaram boas oportunidades no mercado para desenvolver ou reabilitar produto turístico e em regiões mais populares, onde a ocupação dos hotéis é alta durante grande parte do ano”, o que faz com que “os hotéis se transformem numa opção muito válida para investidores que procuram estabilidade e retornos a longo prazo”.

Tendo em conta que os investidores perceberam esse potencial “que vão analisando a valorização do capital, a hotelaria tem representado boas oportunidades para que seja possível capitalizar investimentos, em parte também pela enorme vontade que sentimos por parte de operadores internacionais de renome em entrar no nosso mercado ou consolidar a sua atividade”.

A opinião sobre as tendências deste crescimento é partilhada por Gonçalo Garcia, Head of Hospitality, Cushman & Wakefield. Ao i, o responsável destaca que o setor turístico “ressurgiu no pós-pandemia como um dos setores económicos mais robustos em Portugal, com crescimentos a dois dígitos”. Esta realidade, acrescenta, “confere aos ativos imobiliários hoteleiros um caráter de atratividade de investimento, sobretudo quando comparado com outras classes alternativas onde a incerteza e a “recessão da procura” são a realidade presente”.

Paralelamente, Gonçalo Garcia diz que “conjuga-se com o fecho de transações de portfolios, incrementando em mais de 300 milhões de euros por operação em cada ano. Este é sobretudo o fator diferenciador. A ocorrência de uma grande transação no setor determina o elevado volume de investimento e sobretudo o contributo do setor para o total de investimento do ano”. Mas alerta que a “dimensão do país não comporta a recorrência de transações de portfolios como nos últimos dois anos, onde se conjugou o fecho do portfolio Crow, e o do Dom Pedro Hotéis, pelo que não se deve encarar como uma tendência”.

Tendência para continuar?

Para Duarte Morais Santos é certo que “até ao momento, o cenário indica que esta dinâmica irá manter-se ao longo de 2024”. E acrescenta: “Com a estabilização das taxas de juro, podemos antecipar uma estabilização ou até um ligeiro crescimento no volume de investimento em imobiliário comercial face a 2023, sendo que será no segundo semestre do ano que se registará grande parte da atividade”.

Até 2026, a CBRE prevê que “a oferta hoteleira aumente em cerca de 15% em Lisboa (40 novas unidades e 5000 quartos), 16% no Porto (32 novas unidades e 4000 quartos) e 10% no Algarve”. E, “em linha com os últimos anos, em Lisboa, mais de dois terços das inaugurações serão de operadores internacionais e no Algarve esse valor chega aos 90%”.

Ainda assim, Duarte Morais Santos defende que, “apesar de se prever que a hotelaria e o retalho continuarão a ser os setores estrela no panorama do investimento imobiliário, 2024 ainda não será um ano de plena recuperação no imobiliário comercial português”.

Já para Gonçalo Garcia, os volumes transacionados nos últimos anos “têm sido influenciados por transações de portfolios de hotéis, o que catapulta o volume global de investimento no ano de ocorrência”. E diz que o que a Cushman & Wakefield tem observado “é que num ano standard de transações, os volumes de investimento em hotelaria tem oscilado entre os 200-300 milhões de euros ano, o que significa cerca de 10%-15% da quota de investimento anual em imobiliário comercial. São as transações de portfolios que impulsionam o valor respetivo do ano”.

Neste contexto, “antecipamos que o volume transacionado em hotelaria em 2024 possa ser inferior ao do ano anterior, porém o contributo do setor para o total de investimento em imobiliário comercial possa ser superior à média do setor dos últimos anos, sobretudo derivado ao decréscimo do investimento no setor de escritórios”, diz ao i.

Turismo é impulsionador

A verdade é que o turismo é o grande motor desta tendência. Para o Diretor Hotels da CBRE Portugal, recorda que o setor do turismo ultrapassou os níveis de pré-pandemia no ano de 2023, ultrapassando os anteriores valores máximos de dormidas e de lucros. “Registaram-se mais 10% de dormidas, mais 10,7% de hóspedes e também mais 18,9% nas receitas turísticas”, detalha, destacando que “nos últimos três anos foram inauguradas cerca de 400 unidades hoteleiras em Portugal e entre 2024 e 2026 estimamos que sejam mais de 70 os novos pontos de alojamento hoteleiro”.

Já Gonçalo Garcia é da opinião de que “uma atividade turística robusta e saudável, sustenta o interesse dos investidores”. Neste sentido, “é natural que o crescimento sustentado de atividade turística, com os crescimentos de dois dígitos nos dois últimos anos, potencie o interesse dos investidores”.

Ainda há capacidade?

Questionado sobre se o mercado nacional ainda tem capacidade para absorver mais unidades hoteleiras, Duarte Morais Santos é da opinião de que a resposta a esta questão “depende de vários fatores”. “Caso as projeções de aumento de procura turística se confirmem ao longo dos meses, é evidente que existirá capacidade. Mais do que absorção, parece-nos importante referir as questões burocráticas e regulatórias, que acreditamos podem continuar a travar investimentos”. O responsável adianta ainda que “existem processos que continuam a ser morosos e de enorme complexidade” e que, adicionalmente, “nos destinos de cidade (Lisboa e Porto), onde o alojamento local tinha uma enorme relevância, é expectável, não existindo reversão do Pacote Mais Habitação, que exista uma substituição da oferta”.

Por sua vez, Gonçalo Garcia, diz que “esta questão tem de ser contextualizada com a realidade de mercado de cada nova abertura”. O responsável adianta que o setor turístico “é dinâmico, quer no seu crescimento quer na sua diversidade” e que, por isso, é importante “referir que as abertura de novos hotéis não é exclusiva do centros mais consolidados (Lisboa, Porto, Algarve) nem tão pouco exclusiva de uma tipologia de oferta”. Contudo, adianta, não se pode excluir “a preferência dos operadores hoteleiros em se posicionarem nas zonas premium dos diferentes destinos, atestando a velha máxima do sucesso por fruto da localização”.

O Head of Hospitality da Cushman & Wakefield diz ainda que “a perpetuação deste comportamento resulta sim numa excessiva concentração de oferta em determinados bairros ou ruas, e deve-se procurar encontrar um equilíbrio de atividades por forma a não desvirtuar os destinos.

No entanto a nova oferta é igualmente resultado da tendência da procura por novas regiões do país e novos conceitos hoteleiros. E assim esta mudança e evolução dos mercados e conceitos, é em si, um sinal positivo e qualificador de toda a atividade turística”.