Alojamento local. Negócio representa quase metade das dormidas

Apesar de haver 120 mil registos, nem todos estão ativos. O presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal admite que as alterações, fruto do Mais Habitação, trouxeram instabilidade ao setor e pede agora bom senso.

Há cerca de 120 mil registos de alojamento local, mas nem todos estão ativos. As contas são do presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda e aponta o dedo ao Governo pela “falha” nesta limpeza. “A legislação do Mais Habitação foi mal feita e acabou por nem sequer fazer uma limpeza como deve ser. É uma alteração que esperamos que na próxima regulamentação seja feita, mas de uma forma inteligente e bem pensada, eliminando os registos que não estejam ativos”, diz ao i. 

O responsável acena ainda com o peso desta atividade no crescimento da economia portuguesa. De acordo com o último estudo apresentado pela associação, as dormidas em Alojamento Local (AL) ultrapassaram os 38 milhões, representando cerca de 40% do total de dormidas em Portugal. No entanto, Eduardo Miranda lembra que há cidades, em que este peso já é superior. “Em Lisboa já representamos 45% da taxa turística e no Porto mais de 60% da taxa turística, mas no interior chega a atingir, muitas vezes, os 70 a 80% em algumas zonas porque é a única oferta que existe porque são locais, em que nem cabe um hotel”. 

E as contas não ficam por aqui. Os turistas que optaram por ficar em unidades de AL gastaram mais de oito mil milhões de euros na economia portuguesa, o que correspondeu a mais de 8,5% das exportações totais de bens e serviços e cerca de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). “A parte do alojamento local representa normalmente um quarto das despesas do turistas. O resto vai gastar no comércio, no restaurante, no serviço, no rent-a-car, nos transportes, etc.”, acrescenta. E remete para outros dados do estudo: “Na ausência de alojamento local e, mesmo perante o crescimento de uma taxa de ocupação dos hotéis de 15% ao longo do ano – o que seriam valores nunca vistos em termos anuais – mais de 23 milhões de dormidas ficariam sem ocorrer. Em termos diretos, a perda destas dormidas significaria também perder 4,7 mil milhões de euros das despesas dos turistas, o que corresponderia à destruição de 2,2% do PIB nacional”.

O documento revela ainda que quase dois terços dos proprietários de alojamentos locais (62%) são pessoas singulares e que a maioria tem apenas um alojamento local  – 80% têm menos de três, configurando pequenos proprietários. Um terço dos proprietários são pessoas em idade ativa, em género relativamente equilibrado (53% homens e 47% mulheres) e a maioria tem ensino superior. O estudo refere também que 62% dos proprietários “investiram na reabilitação” das habitações, sendo que “mais de 40%” dos imóveis “estavam devolutos ou em mau estado de conservação”.

E face a este cenário, Eduardo Miranda não hesita: “A maior parte são pequenos operadores e são os próprios que fazem toda a gestão do negócio. São pessoas qualificadas, 91% tem formação superior e são eles que contactam os hóspedes, ou seja, valorizam a própria oferta turística. O alojamento local foi fundamental não só para servir de base pilar para o crescimento do turismo, caso contrário não haveria este crescimento do alojamento, nem nunca haveria este crescimento das dormidas, como também trouxe diversidade e fortaleceu o destino”. 

Serviços complementares 

O responsável diz ainda que a atividade do alojamento local deve ser visto como uma complemento à oferta turística. “Não há qualquer ideia de que o alojamento local substitui ou é melhor ou é pior do que a hotelaria. Cada oferta está a satisfazer a necessidade específica que o viajante tem por aquela viagem específica. E o mesmo visitante pode ir para um hotel e, em outra altura, preferir o alojamento local”, acrescentando ainda que “deve haver uma complementaridade entre o papel do alojamento local, o da hotelaria e o do espaço rural para que se possa criar uma verdadeira diversidade e tornar o turismo mais forte, ou seja, permitir que o turismo saia dos grandes centros, que vá para outras zonas e crie novas valências, novas atrações para captar turistas”. 

Fortes críticas à limitação 

O presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal aponta o dedo ao Governo de António Costa por ter criado “um ambiente de enorme instabilidade e insegurança para o setor” com a entrada em vigor do Mais Habitação que apertou o cerca a esta atividade. Os olhos estão agora postos na reversão de algumas das medidas, já que houve um acordo com o PSD (ver entrevista ao lado).

Mas até que seja revertida a legislação, Eduardo Miranda faz ao i um balanço do que se passou desde que o programa entrou em vigor. “Criou-se um ambiente bastante caótico, seja pela forma errada como a lei foi elaborada, seja pela sua implementação. No início houve o problema dos comprovativos, em que 40 mil alojamentos locais não enviaram os comprovativos, o que poderia dar margem ao seu cancelamento, ainda assim, as câmaras deram alguma flexibilidade, mas essa obrigação colocou em risco alguns negócios, principalmente no interior, onde houve maiores dificuldades em enviar esse comprovativo, criando um clima de incerteza”. 

Recorde-se que, com a nova legislação, os titulares do registo de alojamento local foram obrigados a efetuar prova, mediante apresentação de declaração contributiva, da manutenção da atividade de exploração, comunicando efetividade de exercício na plataforma RNAL – Registo Nacional de Alojamento Local, através do Balcão Único Eletrónico. Uma situação que levou a fortes constrangimentos e obrigou o Governo a prolongar o prazo, no final do ano passado.

A agravar ainda mais esta situação está, de acordo com o responsável, o pagamento da contribuição extraordinária (CEAL) – cuja base tributável é constituída pela aplicação de um coeficiente económico (que tem em conta a área do imóvel e o rendimento) e de pressão urbanística. A taxa aplicável a esta base tributável é de 15% e não pode ser dedutível à determinação do lucro tributável em IRC – que “para muitos poderia ser uma questão de inviabilização do negócio”, alertando que “deixou muitos operadores sem perspetivas, sem saber se iam renovar ou não no futuro a sua licença, sem perspetivas para fazer investimentos, sem perspetivas de fixação de pessoal, em qualificação porque não tinham a perspetiva de continuidade”.