Escrevo estas linhas enquanto muçulmanos, um pouco por todo o mundo, ainda celebram o Eid al-Fitr, o culminar do sagrado mês do Ramadão. Durante o último mês, jejuaram de alimentos e água, do nascer ao por do sol, em nome da fé.
Tive o privilégio de testemunhar este momento ao raiar do dia 10, onde mais de mil pessoas se uniram e reuniram, no espaço público, para professar o seu credo.
Sendo católico, não me é indiferente a devoção dos meus semelhantes no seu percurso de fé.
Onde se celebrou o fim do Ramadão, o ano passado celebravam-se missas da Jornada Mundial da Juventude por ocasião da visita do Papa a Cascais.
Católicos e muçulmanos, reunidos nos mesmos locais, professando sua fé em paz, liberdade e harmonia. Não há nada mais revelador do espírito agregador das nossas gentes.
Sei que o Estado e a Religião não se misturam, mas também sei que sociedades sem fé, qualquer que ela seja, não subsistem.
Mas em Cascais, a nossa força e prosperidade como comunidade residem na harmoniosa multiplicidade de credos que todos professamos. E, mais do que isso, na liberdade de podermos respeitosamente manifestar a nossa fé no espaço público.
Sem constrangimentos, sem preconceitos, sem medo. Com esperança, com alegria e com humanidade.
Cascais é feita de todos. Ou como o Papa Francisco nos deixou como mensagem: Todos. Todos. Todos.
Quando tantos países na Europa e no mundo são assolados por vagas de ódio e intolerância que nos remetem para os dias de vergonha da humanidade, caminhamos em sentido contrário e abrimos os braços. Este é o nosso maior património: de ontem, de hoje e de amanhã.
Ano após ano, vimos várias comunidades a crescer, sejam elas judaicas, muçulmanas ou católicas. E todos se sentem tocados pela mensagem de esperança que emana de cada um dos momentos celebrados em Cascais. Depois do Ramadão em abril, celebraremos em dezembro, como é nossa tradição há mais de uma década, o Chanukah ou Festival das Luzes, a mais importante data religiosa do calendário judaico. E, claro, o nascimento de Cristo, no Natal católico. Todos juntos, em harmonia, construímos uma relação de confiança, de verdade e, sobretudo, de amizade.
Cascais é um lugar apreciado por ser próspero, belo e tranquilo. Isso, de facto, diferencia este território. A diferença, para melhor, porque aqui qualquer pessoa se sente em casa e tem um papel de responsabilidade na construção da nossa casa comum.
Um ponto de encontro de povos e de culturas há mais de 650 anos. Um ponto de encontro de povos e de culturas que aqui podem, em paz e livres de qualquer interferência, construir o seu projeto de felicidade.
Cascais é uma cidadela de liberdade, porque cada um sabe que tem nas suas mãos o seu próprio destino, em segurança, prosperidade e civilidade. Cascais é, por fim, uma terra cosmopolita e sem fronteiras, que está na ponta mais ocidental da Europa, mas ao mesmo tempo no centro da relação com a América, com o Brasil e África.
Os cascalenses são aqueles que nasceram cá, os que trabalham cá ou os que vivem cá. Mas não são apenas esses. A família de Cascais ultrapassa os atributos geográficos.
Ser de Cascais, ser um cascalense, como eu, ou como os nossos muçulmanos ou judaicos, é uma forma de estar na vida. É uma forma de mudar a vida. É provar que a nossa vontade de mudar, de construir um caminho de esperança e de solidariedade, não cede mesmo perante as maiores das adversidades.