O Despertar Verde. Do surgimento do movimento climático à atualidade

Nos anos 70 do séc. XX, deu-se o surgimento do movimento climático, mas este ganhou mais vida nos anos 80. Marcos como o primeiro Dia da Terra catalisaram a consciencialização global sobre a urgência de enfrentar as mudanças climáticas.

Atualmente, falamos constantemente no ativismo climático, mas raramente pensamos na sua origem. Para percebermos como tudo começou, temos de recuar até aos anos 70 do séc. XX, quando o Dia da Terra teve a sua estreia a 22 de abril de 1970. Nessa data, um impressionante número de 20 milhões de pessoas nos EUA uniram-se para participar em eventos inaugurais em diversos locais, desde escolas até universidades, como parte de uma iniciativa liderada pelo senador Gaylord Nelson. Inspirado pela energia dos estudantes na oposição à Guerra do Vietname, Nelson convocou os jovens a envolverem-se na luta pelas causas ambientais.

No vigésimo aniversário do evento inaugural, mais de 200 milhões de pessoas em 141 países uniram-se para celebrar o Dia da Terra. Essas celebrações continuaram a crescer ao longo dos anos. Além disso, o Dia da Terra foi um catalisador para a criação da Agência de Proteção Ambiental (EPA) em julho de 1970, em resposta à crescente procura pública por água, ar e solo mais limpos. A EPA tem como missão proteger o meio ambiente e a saúde pública.

Mas, antes do primeiro Dia da Terra, os EUA já tinham um movimento conservacionista em vigor. Figuras proeminentes como John Burroughs, John Muir e Luis Agassiz Fuertes foram essenciais para o mesmo. Estavam entre os cientistas, naturalistas e artistas que documentaram a Expedição Harriman ao Alasca de 1899, produzindo um álbum que incluía notas manuscritas, documentos, fotografias, desenhos e mapas. Podem ser considerados precursores políticos e culturais do Dia da Terra. Os documentos de Albert K. Fisher, membro da Expedição Harriman, também oferecem insights valiosos. O álbum fotográfico da Expedição Harriman ao Alasca de 1899, compilado por Fisher, está incluído na coleção Meeting of Frontiers, que aborda temas de exploração e colonização do oeste americano, exploração e colonização paralela da Sibéria e do Extremo Oriente russo, e o encontro da fronteira russo-americana no Alasca e no noroeste do Pacífico.

No final da década de 1980, eventos climáticos extremos, como secas e calor recorde, ganharam destaque na cobertura mediática global. Por exemplo, em 1989, o LA Times reportou a descoberta de cientistas britânicos de que o ano anterior havia sido o mais quente já registado, e essa tendência foi associada ao termo “aquecimento global”. Esta questão era especialmente relevante na Califórnia, onde, no mesmo ano, a Comissão de Energia da Califórnia previu que secas, ondas de calor e incêndios florestais provavelmente ocorreriam com mais frequência no estado nos próximos anos. “Os movimentos ambientais e as preocupações com as questões climáticas começaram a ganhar destaque no final dos anos 80, especialmente após eventos como a seca nos EUA e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em 1972. Os ativistas e organizações cívicas tiveram um papel fundamental na pressão política e na consciencialização pública sobre as mudanças climáticas”, começa por explicar Anabela Carvalho, professora Associada no Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, instituição onde leciona unidades curriculares como Comunicação, Ciência e Ambiente; Comunicação Internacional; e Comunicação Política.

Em 1988, a ONU estabeleceu o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O IPCC foi encarregado de avaliar o progresso científico sobre as mudanças climáticas e de fornecer informações atualizadas aos governos. Os relatórios do IPCC desempenham um papel fundamental nas negociações internacionais sobre o clima, ajudando os países a concordar com as medidas necessárias para enfrentar o problema. O estabelecimento do IPCC constituiu um marco importante para incentivar a cooperação entre os países na abordagem das ameaças do aquecimento global. Décadas depois, em outubro de 2018, o IPCC alertou que o mundo tinha apenas 12 anos para limitar as mudanças climáticas antes que as suas consequências se tornassem irreversíveis.

A Rio Earth Summit, uma cimeira internacional sobre desenvolvimento sustentável organizada pela ONU em 1992, estabeleceu princípios para melhorar e proteger o meio ambiente, adotados por 178 países. Foi a primeira vez que questões económicas, climáticas e de desenvolvimento internacional foram abordadas em conjunto. A cimeira foi revisitada 20 anos depois, com a realização da Rio+20 em junho de 2012. 

Já em 1997, as nações desenvolvidas reuniram-se em Quioto, no Japão, para alcançar um acordo histórico sobre o clima, resultando no Protocolo de Quioto. “Este tratado internacional foi o primeiro a impor a redução das emissões de gases do efeito estufa, com um compromisso para os países industrializados reduzirem as emissões em média de 5% durante o período de 2008 a 2012, embora as metas para cada país variassem significativamente”, aponta Anabela Carvalho, cuja investigação tem como pontos-chave a comunicação e ambiente, comunicação e ciência, e comunicação e envolvimento político, focando-se nas alterações climáticas, acrescentando que “o Senado dos EUA declarou que não ratificaria o tratado”.

Durante a década de 2000, as manifestações em grande escala pedindo ação sobre as mudanças climáticas tornaram-se eventos regulares. “Entre 2000 e 2019, nove dos anos mais quentes da História foram registados, enquanto o consumo de combustíveis fósseis continuou a aumentar”, observa a docente universitária, adiantando que tal levou à formação de grupos de pressão internacionais, como o 350.org, uma organização dedicada a construir um movimento climático global.

Em 2005, o primeiro Dia de Ação Global ocorreu durante as negociações da ONU sobre o clima em Montreal, com a participação de pessoas em todo o mundo, do Canadá ao Bangladesh e à Austrália. Essas manifestações continuaram todos os anos, destacando a urgência de medidas contra as mudanças climáticas. “Nestes anos, surgiram várias organizações e movimentos, como a Climate Justice Now, que se concentram em abordar questões de equidade e distribuição dos custos das mudanças climáticas”, diz Anabela Carvalho.

Em 2011, grupos de estudantes nos EUA iniciaram um movimento para pressionar as universidades a desinvestirem dos combustíveis fósseis, uma estratégia que logo se espalhou para o Reino Unido e outros países. O movimento ganhou força ao longo dos anos, com 837 instituições e investidores individuais a comprometerem-se com o desinvestimento até 2014, embora a maioria estivesse fora dos EUA. A Universidade de Glasgow foi a primeira no Reino Unido a desinvestir naquele ano.

Liderado pela rede sem fins lucrativos Fossil Free, o movimento global conseguiu garantir milhares de milhões de euros em desinvestimentos de combustíveis fósseis até ao final de 2019. O compromisso com o desinvestimento cresceu, com metade das universidades do Reino Unido a comprometerem-se no início de 2020. 

Enquanto isso, os habitantes das ilhas do Pacífico enfrentavam uma ameaça crescente devido ao aumento do nível do mar. Em 2014, os Guerreiros do Clima do Pacífico uniram-se para bloquear o porto de carvão de Newcastle, na Austrália, destacando o papel das exportações de carvão australianas no aquecimento global e o seu impacto nas ilhas do Pacífico. Expressaram a sua frustração relativamente às negociações infrutíferas com países como a Austrália para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e decidiram agir diretamente para proteger as suas terras e meios de subsistência.

Durante os anos 2010, a arte pública tornou-se num meio poderoso de protesto contra as mudanças climáticas, desde instalações de mãos gigantes a derrubarem edifícios na Bienal de Veneza de 2017 até esculturas de gelo a derreter em frente à Tate Modern de Londres em 2018. “Estas expressões artísticas alimentaram o ativismo climático global”, corrobora Anabela Carvalho. Em maio de 2018, o Extinction Rebellion, um grupo de ação direta, foi lançado em Londres, usando formas criativas de protesto para paralisar a capital britânica e direcionar a sua missão para eventos como a Fashion Week. O movimento alastrou-se a 68 países.

Em agosto de 2018, Greta Thunberg, então com 15 anos, iniciou a sua primeira greve escolar, sentando-se sozinha em frente ao parlamento sueco para protestar contra a inação climática. O seu apelo aos líderes para que levassem a sério a ação climática desencadeou um movimento global liderado por estudantes que realizavam greves às sextas-feiras sob a bandeira “Sextas-feiras para o Futuro” (Fridays for Future, em inglês). Thunberg foi indicada para o Prémio Nobel da Paz após os seus discursos virais a políticos em todo o mundo. “Nos últimos anos, o movimento climático assumiu uma dimensão global e digital”, concorda Anabela Carvalho, que é igualmente autora e/ou organizadora de livros como Climate Change Politics: Communication and Public Engagement (com T.R. Peterson; 2012), Citizen Voices: Performing Public Participation in Science and Environment Communication (com L. Phillips e J. Doyle, 2012), e As Alterações Climáticas, os Media e os Cidadãos (2011), sendo que variados estudos mostraram que a crise climática está a tornar-se numa preocupação crescente para os eleitores em muitos países, incluindo o Reino Unido, onde se tornou uma das cinco principais questões enfrentadas pela nação. Greta Thunberg uniu-se a outros ativistas, como Vanessa Nakate no Uganda, Aditya Mukarji na Índia e Alexandria Villaseñor nos EUA, para continuar a incentivar mudanças políticas.