José Francisco Sasía e o seu primo direito Waldemar Sasía gostavam de ensaiar juntos músicas que lhes nasciam como lírios entre abrolhos no tempo da sua adolescência descontraída no Departamento de Treinta y Três, um dos dezanove departamentos que compõem a parte norte do Uruguai e cuja capital é, precisamente, a cidade de Treinta y Três. Se Waldemar levava jeito com o violão e com o encaixe das colcheias, José Francisco levava a coisa para a brincadeira. Vendo bem, preferia usar os pés para disputar jogos de futebol com a garotada da vizinhança. Como cresceu à bruta, de tal ordem que parecia ter sido adubado, não tardou a ganhar a alcunha de Pepe el Grande, um apodo mais propriamente de circo do que de bola. A verdade é que El Grande acabou por ter uma carreira bonita como poucas. E Waldemar também: aos 15 anos caiu sobre a proteção de um professor de música chamado Carmelo Rodríguez. Era pobrete mas alegrete. Como lhe faltava dinheiro para adquirir uma guitarra a sério, tratou de construir um instrumente bastante particular, aproveitando uma velha guitarra esburacada para lhe juntar um fundo de lata que servia de caixa de ressonância. O mais fantástico de tudo isso é que conseguia tirar daquele brique-à-braque sons harmoniosos o que deixou cada vez mais fascinado o seu mestre Carmelo que decidiu que valia a pena gastar a sua sabedoria com ele.
Paralelamente, o seu primo José Francisco ia percorrendo um caminho de sucesso que o levou mesmo a representar a seleção uruguaia. Heber Pinto, um jornalista que seguiu de perto o seu crescimento e que escreveu longas e belíssimas crónicas sobre ‘El Grande’, e teve uma fama tremenda como relatador radiofónico, conhecido mais tarde como ‘El relator que televisa con la palabra’, conta o episódio que se passou no final de uma partida entre o Defensor (equipa de Sasía) e o Racing. O árbitro marcou um penalti a favor do Defensor no último minuto do jogo e Pepe avançou decididamente para marcá-lo. Depois do apito, com a sua tranquilidade habitual, Sasía caminhou a passo para a bola e parou em frente dela. Em seguida, sem balanço, disparou um tiro fulminante com o pé esquerdo que fez a bola entrar com uma violência inaudita no canto superior da baliza do Racing. Era uma das suas habilidades preferidas. Rematar com brutalidade sem precisar de correr para a bola. Dir-se-ia até preguiçoso. Mas nenhum preguiçoso jogaria como Pepe jogou no Peñarol e no Nacional, os dois maiores clubes uruguaios, ou no Boca Juniors e no Rosario Central, da Argentina. Além de ter sido 43 vezes selecionado pelo Uruguai para os Mundiais do Chile (1962) e de Inglaterra (1966), ele que terminou a carreira em 1970 para se tornar treinador de um clube com um nome encantador: Tiburones Rojos de Veracruz, no México.
Enquanto o primo José Francisco ia encantando multidões, o sucesso de Waldemar foi ligeiramente mais humilde. A verdade é que nunca esqueceu a fraternidade que uniu os dois garotos do bairro degradado da velha Treinta y Três. E, a melhor forma de o provar, foi dedicar-lhe uma canção: «El Pepe tenía en la sangre/la bronca del corralón/y la escuela del arroyo/era su libro mejor», começava uma espécie de samba, já que foi sempre muito influenciado pelos tons vindos do Brasil. E continuava: «Peleador de barrio pobre/sin boca de charlatán/‘Aires puros’ te recuerda/como corazón de pan/José Sasía, amigo fiel/cara de murga, nariz de rey/alma de guapo…».
Todos concordavam que Pepe el Grande tinha feitio de menino e alma da leveza de uma andorinha. Era de uma bondade total e levava-a para dentro de campo onde, no meio das tranquibérnias consecutivas do futebol sul-americano, se erguia do alto da sua autoridade de um metro e oitenta e muitos e nariz grosso como o de Mehmet Özyürek, durante anos considerado o maior nariz da Humanidade, com 8,8 centímetros de comprimento, mas que nunca o atrapalhou («Fui abençoado por Deus!», respondia aos que os que queriam achincalhá-lo com piadas de maus gosto). E assim, o ‘Coração de Pão ‘não só ganhava a admiração de adeptos e adversários pela sua categoria como jogador, como também pela sua bonomia nos momentos de altercações tão frequentes como as mudanças de ideias do Destino.
José Francisco e Waldemar foram como irmãos até à morte. Tinham praticamente a mesma idade. O primeiro nasceu em 1933, o segundo em 1934, mas abriram os portões da planície da eterna saudade com mais de dez anos de diferença:José em 1996 e Waldemar em 2010. Talez tenham voltado a cantar juntos, Mesmo que José Francisco Sasía tivesse o mau hábito de desafinar…