Pela tolerância

Os 50 anos do 25 de Abril deveriam ter a tolerância como valor fundamental e pedra basilar da nossa convivência.

Não surpreende que a publicação de um livro, que poderá tornar-se best-seller por ter sido apresentado por Pedro Passos Coelho, tenha causado tanto ruído. O que é professado na obra corresponde, de facto, a uma visão mais conservadora da sociedade do que a mundividência mainstream. Mas esta visão não é preconizada apenas pela direita, como demonstra a lista de coautores da obra.

Concordando-se, ou não, com esta visão – e eu situo-me nos antípodas do padre Portocarrero e identifico-me com Manuela Eanes –, ela é legítima. Pacheco Pereira considera-a reacionária, mas concordará que não é exclusivo de nenhum setor da sociedade. Como sabemos, o reacionarismo atinge tanto a direita como a esquerda, os novos como os velhos, os católicos como os não católicos, os pobres como os ricos.

Se o conservadorismo é uma doutrina que procura preservar o status quo, já o reacionarismo é uma tendência que visa paralisar e inviabilizar as mudanças sociais. Tendência, essa, que tende a acentuar-se quando os revolucionários se indignam e a tentam silenciar ou censurar.

Uma sociedade plural tem destas coisas, e ainda bem. Vivemos numa democracia que nos permite pensar, dizer e escrever aquilo que queremos. Não era assim há 50 anos, tal como seria bem diferente se fossemos governados pelos radicais que comprimem, à esquerda e à direita, o nosso espaço de liberdade. Apelidar de fascista quem defende ideias conservadoras não é só um disparate: faz parte de uma visão radical, que sempre procurou substituir a moral sexual burguesa por uma outra moral que padece dos mesmos equívocos.

Há um evidente paradoxo quando se tenta silenciar as vozes conservadoras por se considerar que podem prejudicar grupos minoritários. Como se pode ver, são as vozes conservadoras que estão em minoria. Por isso, acabam apoucadas pela reta pronúncia dos vigilantes do sistema e têm de lutar para poderem esgrimir os seus argumentos.

Os 50 anos do 25 de Abril deveriam ter a tolerância como valor fundamental e pedra basilar da nossa convivência. Tão simbólica data é uma excelente ocasião para, enquanto sociedade democrática, celebrarmos e cultivarmos, em particular nas escolas, a liberdade de exprimir opiniões divergentes. Pergunto-me se já nos esquecemos de que vivemos 48 anos sob o punho da censura e se já estamos tão saturados de liberdade, ao ponto de aceitamos amordaçar a livre opinião daqueles de quem discordamos.

Quanto a Passos Coelho, o que se percebe é que o seu pensamento acerca da sociedade, com as suas inevitáveis contradições, sofreu uma mudança. É possível que questões particulares atendíveis e o sentimento de incompreensão pelo estimável papel que desempenhou na governação, patente na entrevista a Maria João Avillez, tenham talhado aquilo que hoje sente e que projeta nas suas intervenções.

Mais uma vez, é razoável que exerça a sua liberdade e que escolha o seu estilo, concorde-se ou não com ele, em questões ideológicas e em matérias de consciência. E esta sua intervenção cívica deve ser entendida como tal, independentemente de cenários futuros.

Dito isto, o elogio da tolerância, enquanto valor absoluto que projeta e garante a liberdade, obriga-me a salientar o papel pedagógico do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. O chefe de Estado tem, como é público, uma conceção conservadora da sociedade. Mas a sua dimensão cultural e ética fá-lo respeitar quem tem visões discordantes. E esse é o seu maior legado.

Serve isto para exprimir o meu desejo de que quem lhe suceder na Presidência tenha essa mesma dimensão humanista e, acima de tudo, cultive o respeito pela diferença.