Pedro

A entrevista remete para uma versão curta de filme de suspense com aqueles homens sisudos, de poucas falas, desconfiando do líder do CDS que por sinal era ministro de Estado…

Todos temos um Passado. Todos temos uma história de vida que nos acompanha à medida que a espuma do tempo avança. A maioria das pessoas tem percursos singelos. São os cidadãos comuns. São as pessoas com existências normais que têm o seu trabalho, a sua família, o seu limbo de normalidade. No fundo, todos nós temos um sentido da vida que nos interpela sobre quem somos, o que fazemos, como vivemos em sociedade, como nos relacionamos com os outros. Nesta reflexão, entram as categorias da amizade, da partilha e, desejavelmente, do amor.  Este é o universo dos comportamentos e dos sentimentos comuns, da tal linha da normalidade que nos guia e nos orienta nos nossos atos mais correntes. A vida não é outra coisa senão a compreensão de si mesma. Simples e profundo. É o que é.

Surgem estes fios de pensamento a propósito de Pedro Passos Coelho e da entrevista que deu à Maria João Avillez.  Ultimamente, este homem de semblante triste, aos meus olhos, tem estado frequentemente sob os holofotes. Interrogo-me: há nesta presença pública e naquilo que diz uma intencionalidade politica  ou existe simplesmente o discorrer de um pensamento livre mas controverso? Não sei. Não sabemos. Esta pergunta ainda não lhe foi feita. E é tão banal: Passos Coelho diz o que diz porque é um homem livre de afirmar o que lhe prouver ou porque está a percorrer o caminho que o poderá levar a Belém? Mais uma vez, instala-se a dúvida.

Há muitos anos que este homem está na vida pública e política. Lembro-me  da sua irreverência como líder da JSD, dos combates que então travava pelas causas estudantis e de como era ativo e reivindicativo nos tempos em que Cavaco Silva liderava o governo. Era forte nas entrevistas e nos debates. Tinha boa imagem e uma voz poderosa de barítono. Mais tarde chegou à chefia do PSD e quis o destino que dirigisse os destinos do país num dos momentos mais difíceis da nossa história recente – o governo da troika.  Depois venceu as eleições mas não formou governo. António Costa impôs-se com uma maioria parlamentar de esquerda. 

Seguiu-se um longo período em que não ouvimos falar de Pedro Passos Coelho como homem público. Íamos sabendo que ele estava recolhido numa condição de humanidade como cuidador e como pai. Até que na última campanha eleitoral, ele apareceu em força. As suas palavras marcam a narrativa política, por maioria de razão tratando-se de período eleitoral. Fomos percebendo que entre o seu pensamento e o de Luís Montenegro existe um muro de diferenças. É fácil de compreender. Para se aproximar da esfera do poder, Montenegro teve obrigatoriamente de se aproximar do centro, mais social-democrata, menos liberal, mais social, menos estatístico. Quanto a Passos Coelho, pelo que íamos percebendo, uma aproximação do PSD ao Chega não era algo que rejeitasse como podendo funcionar como solução de governo. Esta talvez seja a grande fissura entre estes dois homens, um ex-primeiro-ministro que agora nos diz que o atual chefe do governo fez o seu percurso a partir da liderança da bancada parlamentar do PSD no governo, precisamente, de Passos Coelho. Um destes dias, alguém irá fazer esta pergunta a Luís Montenegro porque é não só politicamente relevante como denota um afastamento emocional que não julgávamos ser tão forte. 

De igual modo, muito haverá ainda por saber quanto à relação com Paulo Portas. O que foi dito na entrevista remete para uma versão curta de filme de suspense com aqueles homens sisudos, de poucas falas, desconfiando do líder do CDS que por sinal era ministro de Estado.

Em suma: há nesta dimensão pública, interventiva e criadora de factos políticos de Passos Coelho uma espécie de ‘dúvida cartesiana’. Será apenas: Penso, logo existo?