Nas últimas semanas tive o privilégio de participar em várias comemorações relacionadas com o 25 de Abril. Ouvi testemunhos de pessoas envolvidas na Revolução dos Cravos, relatos sobre o período que antecedeu esse dia, bem como histórias transmitidas de geração em geração, pelos pais e avós, sobre a história da democracia.
Jovens que, passados 50 anos consideram a Revolução um dos momentos mais marcantes da nossa história.
O legado do 25 de Abril é, de facto, valorizado.
Mas enquanto celebramos meio século de liberdade, há riscos e ameaças crescentes para a democracia em Portugal e no mundo.
À medida que as gerações de 74 vão perdendo centralidade demográfica, torna-se ainda mais importante manter viva a memória do que foi a ditadura.
Para que nunca sejamos complacentes, sobretudo as gerações mais jovens, com os caminhos que desembocam em totalitarismos.
A ascensão dos poderes autocráticos, o regresso da guerra às nossas fronteiras, a inteligência artificial, as fake news, a falta de diálogo entre partidos de regime e o clima de fanatismo e imoderação, a desigualdade económica, a instabilidade profissional e a falta de educação para a democracia representam poderosas as ameaças ao regime da liberdade. A proteção dos princípios democráticos nunca foi tão crucial.
2024 é um super-ano eleitoral. Metade da população adulta do mundo já foi ou ainda vai a votos e, em muitas geografias, o apelo das forças antidemocráticas ganha terreno. Temo que os iliberais ganhem terreno à conta das regras democráticas.
Por outro lado, o clima de guerra que se vive na Europa e no Médio Oriente, bem como as ameaças promovidas por estados que desprezam a liberdade e bem-estar dos seus cidadãos, sugerem que mais direitos, mais liberdades e mais prosperidade poderão ser sacrificadas nas sociedades ocidentais.
Veja-se, por exemplo, como o debate sobre o serviço militar obrigatório já voltou ao nosso espaço público quando não mais deveríamos criar os nossos filhos e netos para a guerra.
O desenvolvimento da tecnologia é outra das ameaças modernas à democracia.
A Inteligência Artificial (IA) é uma oportunidade para melhorar o processo democrático nas nossas sociedades, ajudando os cidadãos a compreender melhor a política e a participar no debate democrático. Mas é um caminho para a desinformação, para o preconceito e para o engodo.
A democracia precisa de confiança, de transparência e de verdade e a IA não garante nenhuma delas.
E por falar em desinformação, as fake news vieram para ficar, minando a confiança pública nas instituições democráticas, representando uma ameaça significativa aos processos democráticos.
Pela primeira vez na história, ironicamente, os políticos e os meios de comunicação social estão do mesmo lado da barricada. O público confia tanto nos primeiros como nos segundos. De uma assentada, as fake news fragilizam as traves-mestras do regime: a informação livre e as instituições democráticas.
Também a polarização e o bloqueio partidário inibem o diálogo construtivo e o compromisso, comprometendo o funcionamento dos sistemas democráticos.
Alimentada por uma cultura de polémica estéril promovida pelas redes sociais, o clima de fanatismo e imoderação passou para a arena democrática.
Por último, a desigualdade económica: o motor das maiores convulsões sociais e o sustento do ressentimento e do desencanto com o sistema político.
Portugal liderou, há 50 anos, a terceira vaga de democratização.
O mundo precisa de outra vaga de liberdade.
E isso depende de cidadãos mais esclarecidos, com apego à liberdade e à justiça, e com memória viva dos tempos da ditadura.
Neste 25 de Abril, que cada um de nós seja um agente para redemocratizar a democracia e proteger a República democrática dos seus inimigos.