À mesa de Abril

Os nossos eleitos não entendem que as jantaradas não são adequadas para a tomada de decisões na administração pública, não são próprias para processos de tomada de decisão pública.

Muito gosta o político tuga de uma ‘almoçarada de negócios’. Um belo repasto, bem regado, no restaurante onde é tratado como xá ou sultão – sr. dr. para aqui e sr. dr. para acolá – fazem as delícias do ministro e do adjunto na hora de um jeitinho, um favorzinho. Cresce água na boca. Isaltino Morais elevou esta arte da informalidade acompanhada pela iguaria à quinta essência. E chegou mesmo a ser apanhado com a boca na lagosta, no champagne, no saké afrodisíaco e nas ostras. Aliás, Oeiras Valley gastou milhares em centenas de ‘almoços de trabalho’. Este comportamento de nababos, como se estivessem acima da lei e os seus interesses próprios acima dos interesses dos munícipes, medra por essas autarquias fora. Leitão e aguardente para simplesmente se cumprirem funções. Ou até figos, como comprovou a Guida de Arroios.

Mas não são só estes governantes locais que tratam de adjudicações no meio de segundos pratos e provas de vinhos. Vem isto a propósito da Operação Influencer que também demonstra que os nossos eleitos não entendem que as jantaradas não são adequadas para a tomada de decisões na administração pública, não são próprias para processos de tomada de decisão pública. São excelentes para fomentar e firmar vínculos familiares ou de amizade mas, tal como concluiu recentemente o tribunal quanto à referida investigação, não é ético. Realmente não se coaduna com a ética republicana nem tão pouco com as melhores práticas de governança, registo de reuniões com lobbistas, prestação de contas e transparência.

O que já é crime e leveda em muitas dessas mesas fartas (embora a maioria dos analistas políticos desconsidere), é o tráfico de influências. Um crime tardio na legislação portuguesa e que ainda hoje goza de grande aceitação social. Ou seja, atrasou-se a entrar no código penal porque integra a cultura nacional como o galo de Barcelos ou o bacalhau. Portugal é mesmo uma Cunhalândia, a terra dos pequenos e médios favores que fiam teias de poder subterrâneas e paralelas aos poderes eleitos e às instituições. À cunha, ao fator ‘C’, mexer os cordelinhos, amiguismo, clientelismo, nepotismo; tchim-tchim.

Portanto, embora seja um dos principais motivos de enriquecimento ilícito e uma via verde para a corrupção, a Justiça quase nunca consegue prová-lo nem chegar a condenações (Armando Vara é uma exceção).

Entretanto, as almoçaradas das cunhas e dos negociatas lá vão abocanhando o bem comum, desde logo os concursos públicos, onde tudo é cortado e cosido à medida de alfaiate, tudo precozinhado e predeterminado para favorecer os grupos que gravitam à volta do poder como traças em torno da luz. Mostram-se as propostas apresentadas por concorrentes, estabelecem-se requisitos só preenchíveis pela empresa-amiga, combinam-se contra partidas.

Neste 50 anos de democracia, isto tem sido assim quer na Madeira quer no Continente, num lodaçal de política, financiamento partidário e corrupção.

Porém, a maioria dos ditos analistas políticos (como se nota a propósito da Operação Influencer) culpa o segredo de justiça, a justiça propriamente dita ou os jornalistas que investigam. Normal – afinal muitos desses comentadores também frequentam esses banquetes
e repastos. E não se morde a mão que dá de comer. Nem se cospe
no prato.

atomadadeposse@gmail.com