Já nada resta para lutar neste último clássico do campeonato. Tudo ficou há muito decidido, o Sporting será um campeão justo, categórico, claramente a melhor equipa da prova que comandou desde o momento em que o assunto se tornou irreversível. Gostam alguns de dizer que ainda se luta pela honra. Enfim, sentimentalismos do tempo dos duelos camilianos, frente a frente, arma na mão, um simples ferimento e considerava-se a coisa resolvida, o que se espera de cavalheiros. E, aí, é preciso parar para recordar os últimos jogos que se disputaram em Sporting e FC Porto. Talvez não se lute este fim de semana pela honra, mas valeria certamente que se lutasse para evitar a desonra. A desonra de atitudes ordinárias, de gestos de violência, de movimentos embrutecidos de jogadores para com jogadores, de insultos que deveriam ter ficado na Idade da Pedra, o único tempo onde ainda havia lugar para eles.
Será possível? Será pedir demais? Será pura e simplesmente encarar como sem remédio esta senha que, a pouco e pouco, começamos a sentir ser insuportável num universo que deveria ser civilizado? Olhemos para uns e para outros, cada um do seu lado do campo, cada um querendo ganhar para alegria dos seus adeptos, e recordemos o que se passou nas Antas e em Alvalade esta época. Até que ponto se criam repulsas idênticas capazes de conspurcar noventa minutos de um espetáculo que, por via delas, poucos são os que querem ver, a menos que consigam atingir o ponto da cegueira que os impede de receber diretamente do cérebro as vozes da razão.
Não, não vai ser este o último FC_Porto-Sporting desta época porque outro se desenha, no fundo do túnel que conduz ao Estádio Nacional. Esse poderá decidir algo; estão não o fará.
Pelo que vi (quando tive paciência para ver, porque o futebol português, mergulhado como está na mediocridade dos seus confrontos e na grosseria da maior parte dos seus participantes começa a, sem ter medo da expressão, meter-me nojo) a tal superioridade do Sporting no campeonato deveria ter como resposta por parte dos portistas um aplauso sincero a um adversário que fez tudo para o merecer. Bem sei, bem sei, para isso era preciso que se tivesse desenvolvido há muitos anos entre nós essa admirável instituição inglesa do ‘fair-play’. Não foi, pelo contrário, foi sendo cada vez mais desprezada, assinalada como uma fraqueza, como se o atirar de insultos para cima de um opositor fosse uma demonstração desse bacoco machismo lusitano e o fizesse por em sentido num «aqui quem manda somos nós» digno de bêbados imbecis de aldeias perdidas na noite dos tempos. É, portanto, um aviso que aí vem, neste 28 de Abril de 2024, poucas horas depois de termos comemorado o cinquentenário do 25 de Abril, porta para a Liberdade que o país quase por inteiro fez, nos anos mais recentes, os possíveis para trancar, recuando ao fascismo bronco. Que gentalha esta, francamente!
A cansativa repetição da porcaria!
Vamos e venhamos, com a franqueza necessária para bater de frente contra esta parede de ordinarice que vêm sendo os jogos mais decisivos do futebol em Portugal. O jogo das Antas, na primeira volta do campeonato, foi autenticamente indigno de gente que se quer civilizada. E não nos resumamos aos jogadores e às suas atitudes de barbárie rasteira, às suas fitas dignas de circo e de palhaços pobres, estendamos a crítica ao público que vomita injúrias e vitupérios, dirigidos aos jogadores da equipa contrária mas, igualmente, aos seus adeptos. E não, não vamos apontar culpados a dedo porque então não chegariam nem os dedos de dez mãos. Não há diabos de um lado e anjos do outro. São todos medidos pela mesma bitola.
Não vamos mais longe: tudo o que se passou em Alvalade no último Sporting-FC_Porto devia ser passado em filme educativo para que a juventude que andamos a criar neste ambiente pestilento possa perceber de uma vez por todas que o lugar de criminosos é nas cadeias e não nas bancadas de estádios de futebol. Como sempre acontece, aliás, esse estado de boçalidade recrudesce quando os dois principais antagonistas de uma ou várias competições medem as suas forças e contam as suas espingardas. Com o Benfica percetivelmente afastado de qualquer conquista verosímil, tal a pobreza do seu jogo e a incompreensível inépcia do seu treinador – que conseguiu, ainda assim, andar a engazopar toda a gente durante seis meses da época anterior –, FC_Porto e Sporting assumiram o palco da guerra sem quartel que protagonizaram e que foi aviltante nos dois jogos que já referi.
É chegado o momento de um encontro entre ambos que já para nada conta chegar ao fim sem atos selvagens? Sinceramente duvido. Duvido até muito. Até porque o caldeirão está pronto para que se comece a urdir a sopa de entulho que a final da Taça de Portugal, que está marcada para dia 26 de maio, vai fervilhando. Respeito, civilidade, educação parecem se cada vez mais palavras vãs quando falamos sobre embates como estes. Talvez um dia, um dia muito distante penso eu, possamos regressar aos campos de futebol para ver jogos entre os grandes clubes do futebol português sem sentirmos no redor uma acrimónia ácida que nos faz cegar. Talvez… apenas talvez…