EUA e o futuro

A Câmara de Representantes quebrou o impasse na ajuda de Washington a Kiev. Foi também aprovado o apoio a Israel, às zonas de conflito no Médio Oriente e ainda à região do Indo-Pacífico. Mas o futuro da diplomacia americana estará também em jogo nas próximas eleições.

Após seis meses de bloqueios e impasses, o presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, decidiu, por fim, avançar com a proposta de ajuda à Ucrânia, Israel e Indo-Pacífico. Segundo o The Guardian, cada um dos três pacotes de ajuda foi votado individualmente, havendo ainda uma quarta votação onde constavam as pretensões republicanas.

A abordagem ao exterior marca uma das grandes diferenças entre Joe Biden e Donald Trump, e o rumo diplomático dos EUA, juntamente com o cenário económico, serão fatores-chave para as eleições de setembro, que contarão com um outsider.

Por enquanto, o futuro parece incerto – e até assustador – no país que lidera o mundo livre. Em 2024, nas melhores universidades do mundo, assiste-se a vários episódios que apresentam semelhanças arrepiantes com a Alemanha dos anos 30.

O acordar de Johnson

Desde que assumiu o cargo de speaker, ou presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson tem estado no centro do debate acerca da atribuição de ajudas externas, representando por vezes a polarização que se faz sentir na Câmara. A Ucrânia, que resiste já há mais de dois anos à investida russa, está em clara desvantagem numérica e militar face ao poderio do Kremlin, dependendo por isso do apoio – que foi anunciado como inequívoco – do Ocidente.

A tese de que a neutralidade ucraniana, que funcionaria como tampão no Leste da Europa, bastaria para colocar um ponto final nas tensões, apaziguando as pretensões de Vladimir Putin, é válida, mas pode pecar por defeito. Ainda que com um contexto geopolítico diferente, pode constatar-se que as tentativas de apaziguamento que decorreram na década de 1930 não levaram o mundo a bom porto. E estamos num ponto de não retorno, uma vez que deixar cair a Ucrânia seria não só ser conivente com violações do direito internacional – assistindo a uma superpotência arrasar a soberania territorial de um país vizinho – mas também um duro golpe na credibilidade do Ocidente, e principalmente dos Estados Unidos, que se comprometeu na ajuda aos ucranianos.

Ajuda esta que estava bloqueada pela Câmara dos Representantes, onde o Partido Republicano está em maioria. Mas o impasse chegou ao fim, e o programa foi, finalmente, sujeito a votação.

Este pacote legislativo engloba 60 mil milhões de dólares em apoio militar e financeiro à Ucrânia – que será imediato e poderá ser fortalecido com a transferência dos fundos russos apreendidos –, 26 mil milhões para Israel e para ajuda humanitária nas zonas de tensão e ainda 8 mil milhões para a região do Indo-Pacífico, onde os Estados Unidos travam um combate indireto com a China.

Citado pelo New York Times, o republicano Michael McCaul, lançou um desafio à Câmara antes da votação: «Enquanto deliberamos este voto, têm de se perguntar o seguinte: sou Chamberlain ou Churchill?», fazendo referência às abordagens distintas dos dois primeiros-ministros britânicos na hora de lidar com Adolf Hitler. A legislação foi aprovada com 311 votos a favor e 112 contra, seguindo assim para o Senado.

Na Câmara Alta o voto foi perentório: 79 votos a favor e 18 contra. Para o líder da maioria, o democrata Charles E. Schumer, esta foi «uma das maiores conquistas que o Senado teve nos últimos anos. Hoje, o Senado envia uma mensagem unida para o mundo: a América defenderá sempre a democracia na hora da necessidade».

A mudança de posição face a este tema causou algum desconforto na ala mais à direita do Partido Republicano, levando até dois representantes a prometer destituir Johnson caso avançasse. O speaker resistiu às ameaças e, em conferência de imprensa, disse: «Estou a fazer o que acredito ser a coisa certa. Creio que providenciar apoio letal à Ucrânia neste momento é criticamente importante. Não podemos brincar à política com isto. Temos de fazer a coisa certa».

A decisão de Johnson – e o resultado da votação – alivia todos os que sentem que na Ucrânia se trava uma batalha não só pelos ucranianos, mas também pelo Ocidente e pela própria credibilidade americana.

O impacto das eleições

O desfecho do ato eleitoral agendado para novembro deste ano será crítico quanto à política externa americana. Uma vitória de Donald Trump poderá representar uma mudança de 180 graus na abordagem diplomática, e ainda que o ex-presidente tenha prometido colocar rapidamente um ponto final no conflito, deixará a Europa como o principal encarregado da ajuda à Ucrânia.

O conjunto de várias sondagens demonstra que será uma eleição disputada até ao final, e há vários fatores que poderão ter um peso considerável na decisão dos americanos. É o caso da economia.

A inflação subiu relativamente ao mês passado, passando de 3,15% para cerca de 3,5%, e mesmo estando 1,5% mais baixa do que em 2023, está ainda relativamente longe do objetivo estipulado de 2%. Assim, Jim Powell, Governador da Reserva Federal (o banco central americano), decidiu não descer as taxas de juro – que se mantêm entre os 5,25% e os 5,5% desde julho do ano passado – para continuar a combater o fenómeno inflacionário.

A pressão sobre as famílias americanas e um possível cenário de recessão seriam um duro golpe nas esperanças de reeleição de Joe Biden, já que, desde 1951, quando os mandatos presidenciais foram limitados a apenas dois, nenhum presidente americano conseguiu ser reeleito num período de recessão económica.

Em novembro de 2023, uma investigação da Goldman Sachs estimava haver 15% de hipótese de uma recessão em 2024. Os economistas americanos Alec Phillips e Tim Krupa, afirmaram, à data, que «com esta antecedência em relação a uma eleição, descobrimos anteriormente que os ‘fundamentos’ superam as sondagens na previsão dos resultados».

Também a candidatura de Robert F. Kennedy Jr, sobrinho do icónico Presidente John F. Kennedy e filho de Robert F. Kennedy, pode constituir uma ameaça para Joe Biden – e, de certo modo, também para Trump –, já que constitui a única opção – popular, por sinal – fora do mainstream. E mesmo que se candidate como independente, o nome Kennedy carrega um legado democrata incontornável.

Posto isto, o Partido Republicano parece ter percebido a importância da guerra na Ucrânia para os próprios americanos, mas na eventualidade de uma vitória de Trump, ficaremos perante um cenário incerto, tanto a nível interno como externo.

goncalo.nabeiro@nascerdosol.pt